Ronaldo Gogoni 23 semanas atrás
Stellar Blade é o primeiro game AAA do estúdio sul-coreano Shift Up, responsável pelo gacha game Goddess of Victory: NIKKE.
Anunciado originalmente em 2019, quando ainda se chamava Project EVE, trata-se de um Souls-like com temática futurista, que pega vários elementos de diversas outras franquias, de Bayonetta e NieR a Devil May Cry.
Seu combate frenético, várias opções de customização, e um vasto mapa para explorar escondem alguns defeitos no enredo e caracterização de personagens, mas estes não afetam o título no que ele se propõe a ser: uma aventura divertida, que nem é tão punitiva (a princípio) quanto outros games do gênero.
A história de Stellar Blade se passa em um futuro pós-apocalíptico, em que uma raça de criaturas bizarras, chamadas naytibas, invadiu a Terra e dizimou quase toda a humanidade. Os humanos que sobreviveram, em colônias no espaço, passaram a enviar unidades de soldados especiais, na tentativa de reconquistar a superfície, sem sucesso.
Na 7.ª incursão, o esquadrão é mais uma vez dizimado pelos alienígenas, com exceção de EVE e sua superior Tachy, mas esta é logo removida da equação, durante um combate contra um inimigo extremamente poderoso.
A protagonista é então resgatada pelo coletor Adam, que repara seu corpo (nesse futuro, todo mundo é meio máquina) e revela que há humanos ainda vivos no planeta, em uma cidade chamada Xion, oculta no meio do deserto. Os habitantes da cidade chamam EVE de "anjo", por ela ter vindo da colônia espacial.
Posteriormente, EVE e Adam resgatam Lily, uma engenheira de uma incursão anterior, e juntos eles têm a missão de proteger Xion, eliminar os naytibas e reclamar a Terra de volta, mas nada, como sempre, é tão simples assim.
Não é preciso pensar muito para notar que o enredo de Stellar Blade não é nada original, trata-se da premissa (inicial) de NieR:Automata, e até NIKKE usa o exato mesmo plot. A própria Shift Up reconhece suas limitações, em uma das memórias que você encontra no game, um soldado menciona que ele "já viu esse filme antes".
História à parte, o game é um Souls-like que guarda muitas semelhanças com Sekiro: Shadows Die Twice, e outros títulos da FromSoftware, mas sem ser absolutamente sádico. A clássica mecânica punitiva está presente, mas uma vez que você colete itens importantes, dinheiro e outras coisas, e morra, você voltará ao acampamento com tudo o que coletou.
A dificuldade no progresso se concentra nos combates, em que mesmo os inimigos mais fracos podem ser fontes de enormes dores de cabeça, enfrentar hordas continua sendo estressante, e os chefes representam o maior desafio do game, com inúmeros padrões de ataque, todos mortais.
EVE responde às ameaças da mesma forma que outros protagonistas de Souls-like, com um arsenal de habilidades variadas, que aqui, fazem bom uso de seus dons atléticos. Ela pode dar pulos duplos e avançar no ar, e realizar uma defesa perfeita ou se esquivar no último instante abre espaço para ataques variados com sua espada.
Você também pode usar técnicas especiais, segurando o L1 e apertando o botão correspondente, que gastam uma barra especial, que se preenche ao derrotar inimigos. Seu drone, usado para escanear o ambiente, também pode ser usado como uma arma de fogo, para atingir alvos distantes.
A árvore de progressão é bem vasta. A experiência recebida se converte em pontos de habilidade, usados para comprar novas habilidades, essenciais para aumentar o leque de golpes e recursos de defesa, para melhorar a esquiva, facilitar o uso da defesa e esquiva perfeitas, e por aí vai. Por outro lado, a física de EVE parece confusa, ela é leve demais e, ao mesmo tempo, pesada demais.
Explico: o controle é bem sensível para iniciar um movimento, um toque no analógico e EVE começa a andar, mas ela demora a parar, o que pode complicar as coisas quando for preciso executar saltos perfeitos. Não serão raras as vezes em que você morrerá por conta de um pouso mal calculado, por causa disso.
Stellar Blade também estimula o jogador a explorar todo e qualquer canto dos cenários. Embora não seja um jogo de mundo aberto, os ambientes são vastos e cheio de coisas para coletar, que podem ser usados para melhorar a espada de EVE, aumentar o número de espaços para equipar componentes e exoespinhas (armaduras, essencialmente), cada um oferecendo atributos e efeitos diferentes.
Os recursos também são usados para criar os diversos trajes de EVE, você só encontra os designs pelo mapa, e precisa de materiais para confeccioná-los. Outros acessórios estéticos incluem óculos, brincos, penteados (é preciso completar uma missão alternativa antes), e visuais adicionais para Lily, Adam, e seu drone.
Entre os colecionáveis, estão chips de memórias dos falecidos, cartazes, e diversas latas de refrigerante, cerveja, energéticos, etc., uma curiosa fixação de EVE pelo item, que conferem melhorias nos atributos quanto mais você coletar.
Há também inúmeras missões paralelas a serem cumpridas, oferecidas pelos NPCs, algumas excelentes em termos de narrativa, com destaque para a que envolve a cantora Enya e o sentinela Su.
Por outro lado, embora alguns NPCs pareçam vivos, o mesmo não pode ser dito dos protagonistas. A construção de personagens é bem cliché, e eles não possuem carisma o bastante para nos fazermos se importar com as revelações da trama. Suas emoções parecem protocolares, ironicamente robóticas, em contraste ao cuidado impecável com sua apresentação, especialmente a de EVE, que recebeu o mesmo nível de tratamento da 2B, de NieR:Automata.
Não apenas os personagens, os cenários, efeitos de luz e sombra, equipamentos, tudo é belo, feito para encher os olhos do jogador; as músicas também são bem executadas, assim como a dublagem, disponível aqui em português brasileiro (com um excelente trabalho de localização), inglês, e coreano. Curiosamente, o áudio em japonês é exclusivo do Japão, por questões de direitos autorais envolvendo os dubladores, segundo fontes.
De fato, a Shift Up não esconde que prioriza o visual acima de tudo, especialmente a bela forma de suas protagonistas.
O CEO do estúdio, diretor e produtor de Stellar Blade, o ilustrador sul-coreano Kim Hyung-Tae, se define como um "visualista", não um roteirista; ele ficou conhecido no ocidente como o principal designer do MMORPG Blade & Soul, e da série de games Magna Carta, que, segundo o diretor Yoko Taro, o influenciaram na criação do primeiro Drakengard.
Seu primeiro game, desenvolvido em conjunto com a LINE Games, foi o gacha game Destiny Child (cujo serviço foi encerrado em 2021), também com forte apelo visual e personagens femininas atraentes/fofas. Em 2019, o estúdio anunciou seus dois primeiros títulos desenvolvidos 100% por sua equipe, um deles o então Project EVE, originalmente planejado para PS4, Xbox One e Windows; quando a Sony adquiriu os direitos de distribuição, o título se tornou um exclusivo do PS5.
O outro game anunciado em 2019 foi seu atual carro-chefe, Goddess of Victory: NIKKE, lançado em 2022 e um dos gachas mais lucrativos da atualidade, que óbvio, já teve um evento em colaboração com NieR:Automata.
A Shift Up deixa claro que explora ao máximo o fanservice para lucrar, e ninguém nunca perdeu dinheiro apostando na libido dos consumidores. Apesar disso, e seja fato que boa parte de seu sucesso se deva ao seu amor por bundas, do qual Stellar Blade compartilha, NIKKE é, sim, um game muito bom.
Com Stellar Blade, era compreensível que a Shift Up tinha muito mais chances de errar, mas os problemas em narrativa são compensados com uma jogabilidade sólida e uma aventura divertida, com uma personagem tão estilosa e sexy quanto a Bayonetta, mas que faz poses bobas sempre que encontra uma latinha nova, lembrando as fanfarronices de Dante em Devil May Cry.
Digamos que quem procura um Souls-like futurista sairá satisfeito, mas não espere por uma trama shakespeariana, com exceção de algumas sidequests, mas ninguém compra um game por causa delas.
Stellar Blade é um Souls-like menos punitivo e sádico do que a maioria, o que o torna bem mais acessível ao público geral, para quem a Shift Up passou agora a ser um estúdio digno de atenção.
Muitos desses dificilmente se sentirão curiosos a ponto de experimentar Goddess of Victory: NIKKE, mas ficarão bem atentos para o próximo título, multiplataforma e em fase de recrutamento de pessoal.
É difícil dizer se Stellar Blade será um dos grandes games de 2024, devido às falhas na narrativa e uma movimentação com física estranha, que prejudica o progresso em alguns momentos, mas eu diria que, para uma primeira tentativa em AAA, a Shift Up mais acertou do que errou.
De minha parte, estou genuinamente curioso por seu próximo game.
Pontos fortes:
Pontos fracos: