Meio Bit » Games » Adventure: a aventura mágica de Warren Robinett

Adventure: a aventura mágica de Warren Robinett

Criado por Warren Robinett, Adventure foi um dos jogos mais influentes de todos os tempos e implementou diversos recursos inéditos

21 semanas atrás

Lá pelo final da década de 70, boa parte da experiência que tínhamos jogando vinha da nossa própria imaginação. Devido às limitações, não era possível colocar na tela tudo o que os desenvolvedores queriam e foi explorando esse conceito que um deles conseguir eternizar seu nome, não só por criar um dos jogos mais influentes de todos os tempos, mas por escondê-lo no código. Nascia ali uma lenda, um clássico chamado Adventure.

Adventure

Crédito: Reprodução/MobyGames

Após se formar pela Rice University e iniciar um mestrado na University of California, foi nela que Joseph Warren Robinett Jr. teve aulas com Ken Thompson, coinventor do UNIX e da linguagem C. Já familiarizado com programação, aquele jovem aprendeu muito com o professor e posteriormente conseguiu um emprego numa empresa que vinha se destacando, a Atari.

Naquela época a companhia costumava dar total liberdade criativa aos seus funcionários, com eles precisando criar desde a programação até a jogabilidade, passando pela parte sonora e gráficos. Porém, eles precisavam apresentar um plano do que faria a seguir, quando estivessem terminando o desenvolvimento atual.

Era 1977 e foi enquanto terminava a criação do Slot Racers, que Warren Robinett recebeu um convite para conhecer o Stanford Artificial Intelligence Laboratory. Durante a visita, ele foi apresentado a um jogo baseado em texto chamado Colossal Cave Adventure e após encará-lo por várias horas, teve uma ideia.

Por mais que a criação de Don Woods e Willie Crowther fosse extremamente divertida, o rapaz ficou pensando que ela poderia ser melhorada, com gráficos tornando a “aventura” ainda mais imersiva. Após alguns meses, em maio de 1978, o programador começou a trabalhar em um computador Hewlett-Packard 1611A, o que mostraria o primeiro grande desafio que teria pela frente.

Colossal Cave Adventure rodando em um PDP-11/34 (Crédito: Reprodução/Autopilot/Wikipedia)

O problema é que enquanto o título que o inspirou usava centenas de quilobytes e rodava numa máquina mais poderosa, no Atari 2600 Robinett teria acesso apenas aos 4 KB no cartucho e mais 128 bytes do sistema.

Foi naquele momento em que os ensinamentos de Ken Thompson se fizeram mais presentes. Embora os jogos para Atari fossem escritos em Assembly, as técnicas aprendidas em C o ajudaram a aproveitar as limitações de memória de maneira mais eficiente, o que inclusive deixaria espaço para uma travessura, sobre a qual falarei mais tarde.

Mas por melhor programador que Robinett fosse, aquela pouca quantidade de memória oferecida pelos cartuchos do console, com a baixa quantidade de pixels que poderiam ser mostrados na tela, inevitavelmente a parte visual seria diretamente afetada. Transformar toda a complexidade oferecida por textos em simples formas geométricas se mostraria um imenso desafio para o game designer.

Então, com uma dose de criatividade, alguma sensibilidade e muito conhecimento técnico, Warren Robinett chegou a símbolos que se tornariam facilmente reconhecíveis, como um quadrado para representar o protagonista, uma seta para servir como espada e com a utilização de poucos pixels, conseguiu formar um cálice. Quanto ao principal inimigo do jogo que seria batizado como Adventure, o dragão, bom... esse não era de tão fácil identificação, com muitos jurando que aquilo não passava de um pato.

“Certa vez convenci meu pai a comprar um jogo, era um cartucho do Adventure,” revelou o game designer Tim Schafer. “Fiquei tão empolgado que corri do carro, abri a caixa e comecei a jogar. Eu não li o manual, estava tipo, o que está acontecendo? Eu sou um quadrado? Havia uma fecha e havia uma taça com chifres e um castelo e um pato estava me atacando. Só lembro de como me senti confuso, mas também animado e confuso. Eu estava felizmente confuso o tempo todo que nem sabia o que aconteceria a seguir. Para mim, isso sempre ficou comigo como algo que realmente gostei.”

Adventure

Crédito: Reprodução/Scott Monster/MobyGames

Brincadeiras à parte, a escolha por esses símbolos aconteceu principalmente para contornar as limitações técnicas impostas pelo Atari 2600. O problema é que aquele console só podia utilizar cinco registros mapeáveis, que seriam usados para objetos em movimento, sendo que apenas dois para objetos mais complexos. Isso o levou a reservar esses “registros especiais” para as criaturas, restando o registro normalmente utilizado para bolas em jogos como Pong para o avatar.

Robinett também esbarraria na necessidade de espelhar os cantos das telas, o que resultou em labirintos confusos. Outro problema estava na impossibilidade de fazer com que as salas fossem conectadas bidirecionalmente, mas um bug fez com que algumas só tivessem uma conexão.

Contudo, mesmo com as muitas limitações com as quais se deparou, Warren Robinett ainda conseguiu implementar alguns conceitos inéditos. Entre eles estava a capacidade de inimigos como os morcegos, que roubavam nossos itens, se moverem de uma tela para outra. Ele também conseguiu fazer com que o Adventure contasse com 30 telas diferentes, quando na época o normal era a ação acontecer em apenas uma.

Aquele jogo ainda traria outras ideias que seriam replicadas até hoje, como a capacidade de pegarmos um objeto e levá-lo para outro ponto do mapa; uma espécie primitiva de continue, já que ao resetarmos o videogame após morrer, os itens permaneceriam onde estavam, apenas com os patos-dragões renascendo; ou a própria ideia de um jogo de fantasia/ação.

Contudo, por mais que Robinett estivesse conseguindo vencer os desafios que surgiam pelo caminho, ele ainda teria que enfrentar seus chefes. Com a Atari tendo passado para o controle da Warner Communications, o novo CEO, Ray Kassar, era um sujeito de difícil trato, quase não tendo contato com os game designers. Além disso, George Simcock, que respondia como supervisor, passou a desencorajá-lo a criar o Adventure, com a alegação de que o videogame não suportaria algo tão ambicioso.

Warren Robinett durante a GDC 2015 (Crédito: reprodução/Official GDC/Wikimedia Commons)

Encarando a situação como um desafio, em um mês o programador criou um protótipo, o que deixou muita gente dentro da Atari bastante impressionada. Na verdade, a gerência da empresa gostou tanto do que viu, que tentou convencer Robinett a aproveitar seu conceito para criar um jogo do Super-Homem, aproveitando o filme que seria estrelado por Christopher Reeve.

Mas o game designer não queria renunciar a seu conceito. “Achei que tinha uma boa ideia e achei que havia possibilidades,” defendeu. “Então, cada vez que isso surgia — tivemos reuniões a cada duas semanas — eu dizia que faria aquilo se tivesse que fazer, mas que não queria. Por volta da quarta vez que disse isso, um dos meus colegas designers, John Dunn, disse que pegaria meu código e faria o jogo do Super-Homem.”

Aquilo abriu caminho para a criação de um segundo protótipo, com ele trazendo oito salas, um dragão e apenas dois objetos. Porém, mesmo com ela servindo para demonstrar seu conceito, aquela versão era entediante e isso fez com que o projeto fosse engavetado por alguns meses. Foi só em junho de 1979 que Warren teve novas ideias, como poder reiniciar a aventura e a utilização de uma espada para matar os dragões.

Faltava um enredo, o que seria criado com a ajuda de Steve Harding, o mago dos manuais do Atari. Responsável por quase todos os manuais na época, ele sugeriu que um mago havia roubado o Cálice Encantado que devemos procurar no Adventure, mesmo sem que nenhum personagem assim apareça enquanto jogamos. Já o nome dos dragões, Grundle, Rhindle e Yorgle, esses foram propostos pelo próprio Robinett.

Adventure

"Created by Warren Robinett", um dos primeiros Easter Eggs dos games (Crédito: Reprodução/uclafalcon/MobyGames)

Então, em junho de 1979, ele enviou o código final para seus supervisores e nele havia um detalhe que passou despercebido. Isso porque, de todas as ideias propostas por aquele título, uma delas foi a que mais marcou o Adventure: a implementação de um Easter Egg, ou seja, um segredo que exigiria alguns procedimentos para ser desbloqueado.

“Cada jogo do Atari 2600 era produzido inteiramente por uma pessoa, mas a caixa dizia basicamente ‘Adventure, pela Atari.’ E recebíamos apenas salário, sem participação nos enormes lucros,” explicou Robinett em entrevista. “[O Easter Egg] seria como uma assinatura, como na parte de baixo de uma pintura, mas para fazer acontecer, eu teria que esconder minha assinatura no código, num lugar realmente obscuro e não contar a ninguém.”

“Manter um segredo como esse não é fácil,” continuou. “Decidi que se não pudesse manter o segredo para mim mesmo — estava muito tentado a contá-lo para meus dois amigos na Atari, Tom Reuterdahl e Jim Huether — como poderia esperar que alguém manteria o segredo? Então não contei a ninguém, enviei a versão do programa, a Atari o fabricou e distribuiu centenas de milhares de cartuchos do Adventure, e então era tarde demais para eles desfazerem aquilo.”

Consumindo 5% da memória do cartucho, não demorou muito até que as pessoas descobrissem a mensagem deixada por Warren Robinett em sua criação. O primeiro registro disso foi uma carta enviada à Atari em agosto de 1980 por Adam Clayton, um garoto de 15 anos de Salt Lake City. Nela o menino detalhe o caminho necessário para chegar ao segredo e aquilo que poderia se tornar um grande problema para o game designer, não deu em nada.

Crédito: Reprodução/Scott Monster/MobyGames

Como havia pedido demissão da empresa um pouco antes, ela não poderia nem mesmo cortar royalties que o criador tivesse a receber, afinal nenhum programador da Atari tinha direito a eles. Ainda assim, seria preciso tentar conter eventuais danos e para isso colocaram outros programadores para descobrir onde estava o código indesejado.

Segundo Robinett, o responsável por isso foi Brad Stewart, mas quando o alto escalão da Atari mandou que ele removesse a mensagem, o sujeito garantiu que apenas a trocaria por "Fixed by Brad Stewart". Seja isso verdade ou não, a empresa teria um custo imenso para produzir novos cartuchos e para o diretor de desenvolvimento de software da empresa, Steve Wright, manter o Adventure com aquele segredo poderia servir como um incentivo aos jogadores.

“O gerente da Atari que estava no comando na época quando aquilo foi descoberto disse, ‘é muito legal ter surpresas escondidas em videogames, é como uma manhã de páscoa em que você sai a procura de ovos de páscoa embaixo dos arbustos,’” contou Robinett.

Adventure acabou se tornando um sucesso, vendendo mais de um milhão de cópias e se tornando um dos principais best sellers do Atari. Já aquela pequena-grande provocação presente no jogo foi tão marcante, que Steve Wright tornou a implementação de Easter Eggs uma política oficial da Atari, pedindo que todo jogo tivesse esse tipo de segredinho. O resto é história.

Leia mais sobre: , , , .

relacionados


Comentários