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A história dos videogames no Brasil, Parte 1

Na primeira parte do especial sobre os videogames no Brasil, saiba como a reserva de mercado propiciou a proliferação de clones do Atari 2600

3 anos atrás

O mercado de videogames no Brasil é um dos mais curiosos e diferentes que existem, desde seu início. Por causa da ditadura militar e da reserva de mercado, a produção local inexistente foi favorecida à importação e instalação de empresas de fora, e dadas as restrições, assim como aconteceu com a informática, as empresas locais procuraram atender o público copiando produtos de fora.

O Atari 2600 e o Nintendo de 8 bits (NES) foram os dois alvos preferenciais das companhias brasileiras, mas neste artigo, vamos tratar somente do período que cobre as duas primeiras gerações de consoles.

Caixa do modelo original do Atari 2600, ainda conhecido como Video Computer System (VCS), com os 6 switches ao invés de 4, lançado em 1977 nos EUA (Crédito: Reprodução/Parshaops.ga)

Caixa do modelo original do Atari 2600, ainda conhecido como Video Computer System (VCS), com os 6 switches ao invés de 4, lançado em 1977 nos EUA (Crédito: Reprodução/Parshaops.ga)

Antes dos videogames...

Para entender como o mercado de games no Brasil se desenvolveu de forma tão peculiar, é preciso contextualizar. Enquanto no exterior floresciam empresas de informática voltadas ao usuário, como Apple e Sinclair, e os primeiros videogames domésticos começavam a aparecer, de companhias como Atari, Magnavox/Philips e Fairchild, entre outras, por aqui, ainda sob a ditadura militar, o entendimento geral era de fortalecer o produto interno, nem que fosse na marra.

A política da reserva de mercado, que impede a importação de bens de consumo sob a suposta justificativa de "beneficiar a produção local e o produto nacional", foi originalmente defendida única e exclusivamente ao mercado de informática e relacionados, o que afetou a aquisição de componentes, prejudicando uma série de mercados, como o de TI e entretenimento.

Na prática, a reserva de mercado foi estendida a mais setores, basta olhar os carros comercializados aqui na época.

Matéria do jornal O Globo de 05/08/1979, em que empresários do setor de informática, entre eles Euclides Quandt, ex-ministro das Comunicações do governo do general Ernesto Geisel, discutem a reserva de mercado como política necessária para o Brasil (Crédito: Reprodução/O Globo)

Matéria do jornal O Globo de 05/08/1979, em que empresários do setor de informática, entre eles Euclides Quandt, ex-ministro das Comunicações do governo do general Ernesto Geisel, discutem a reserva de mercado como política necessária para o Brasil (Crédito: Reprodução/O Globo)

A ideia era idiota, para dizer o mínimo. Ao proibir a importação de hardware, software e componentes, se criou uma enorme restrição no que podia ser comercializado e/ou criado localmente, visto que a grande maioria de nossas empresas de tecnologia não tinham know-how desenvolvido in loco. Ao mesmo tempo, multinacionais não podiam se instalar aqui, se o controle acionário não fosse majoritariamente composto por brasileiros.

A proibição da importação não se limitava apenas a empresas, o cidadão comum também não podia comprar nada fora, e as poucas coisas que chegavam aqui vinham na base do contrabando, escondidos em malas de roupa suja ou usando o bom e velho pistolão, ou tráfico de influência, que valia tanto para o indivíduo, quanto para empresas com bons contatos entre os militares.

A reserva de mercado foi praticada de forma informal até 1984, quando foi aprovada a Lei Federal N.º 7.232, a Política Nacional de Informática, ou PNI, que a formalizou. A CACEX (Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil), era o órgão do governo responsável por verificar licitações e permitir ou barrar importações. Desnecessário dizer que pouca coisa passava por crivo técnico, e as permissões a empresas eram concedidas ou negadas com base no Q.I., ou Quem Indica.

Da Diverama ao Telejogo

O fato é que o Brasil não era terreno fértil para quem desejava investir em TI, e isso vinha desde antes da reserva de mercado, graças às restrições gerais impostas pelo governo militar. Ainda assim algumas iniciativas no mercado de games surgira, bem antes dos consoles, ainda com gabinetes de Arcade.

Em 1968, a companhia paulista Diverama, do então hoteleiro Tadeu Romano, entrou no mercado importando máquinas de pinball, conhecidos por aqui como fliperama (nome que foi emprestado às próprias casas de diversões eletrônicas), e nos anos seguintes, passou a fabricá-las aqui mesmo, quando os custos para trazer os gabinetes ficaram altos demais.

Em 1973, a japonesa Taito se instalou no Brasil, trazendo alguns jogos eletrônicos rudimentares e máquinas de pinball próprias. A febre Space Invaders só surgiria bem depois, em 1978 e possteriormente viriam outros games, como Moon Cresta (renomeado para Star Crest), Phoenix (Condor) e Scramble (Commander), entre outros.

Antes destes, porém, a Taito trouxe ao desembarcar no Brasil o jogo Elepong, um clone de PONG, apresentado em 1972 pela Atari. Público sempre existiu, mas o desafio a seguir era levar a jogatina para dentro de casa.

A Diverama começou a vender máquinas de pinball em 1968; em 1973, a Taito se instalou no país (Crédito: Reprodução/Veja/Editora Abril)

A Diverama começou a vender máquinas de pinball em 1968; em 1973, a Taito se instalou no país (Crédito: Reprodução/Veja/Editora Abril)

Em 1974, o engenheiro da Atari Harold Lee propôs a Nolan Bushnell o desenvolvimento de uma versão doméstica do jogo, o Home PONG, que seria uma resposta ao Odyssey da Magnavox/Philips introduzido em 1972, a versão comercial da Brown Box de Ralph C. Baer.

No Natal de 1975, a rede Sears colocou nas prateleiras o seu Tele-Games, um console com PONG e outras variações, graças ao chip integrado AY-3-8500 "Ball & Paddle" da General Instrument, popularmente conhecido como "PONG-in-a-chip". Ele trazia toda a lógica de programação dos jogos, bastando aos fabricantes condicioná-lo em cases e vender.

Curiosamente na mesma época, uma companhia carioca conseguiu importar e vender uma quantidade limitada de unidades do Odyssey original no Brasil, com direito a manual traduzido e tudo, que foi a sensação daquele fim de ano. Ele foi efetivamente o primeiro console de videogame vendido no país.

Voltando ao AY-3-8500, este chip, seus sucessores e outros desenvolvidos por empresas rivais viabilizaram a proliferação de consoles de PONG mundo afora, Brasil incluso, graças à Ford. Sim, a montadora de carros.

Este chip fez história (Crédito: Schnurrikowski/Wikimedia Commons)

Este chip fez história (Crédito: Schnurrikowski/Wikimedia Commons)

Entre 1961 e 1977, a Philco foi uma empresa controlada pela Ford, adquirida para facilitar a aquisição de baterias elétricas para seus veículos, ainda que ela também produzisse eletrodomésticos.  Um dos dois mais populares produtos da Philco Ford, ainda muito lembrado, foi o televisor P&B de 12 polegadas modelo B265-2M, conhecido popularmente como "Safari", de seletor giratório e exterior plástico colorido. O modelo original da Philco, datado de 1959, foi a primeira TV de transístores portátil do mundo.

O outro produto foi o Telejogo, a versão nacional para o console de PONG e variantes, ou melhor, Tênis, Futebol e Paredão na primeira versão. Ele foi uma solução para a demanda de consoles, visto que o Odyssey chegou custando uma nota preta no Brasil dois anos antes, Cr$ 3.700,00, ou R$ 11.284,00 em valores de hoje, 27/07/2021, corrigidos pelo índice IGP-DI (FGV). E você acha o PS5 caro...

Lançado em meados de 1977 por mais gerenciáveis Cr$ 1.590,00, ou R$ 2.647,98 em valores corrigidos, o Telejogo popularizou a jogatina doméstica e foi a 1ª experiência em videogames de muita gente no Brasil. Ele foi o representante mais ilustre da 1ª geração de consoles no país, tendo sido projetado com peças locais; seu cérebro, a única parte importada, era o CI MM57100M da National Semicondutors, um concorrente dos chips da família AY-3-8500.

O primeiro modelo não tinha controles dedicados, os jogadores controlavam os cursores através dos dois potenciômetros embutidos no corpo do Telejogo, o que dava briga direto, tendo os jogadores que apoiar o aparato nas coxas.

O Telejogo em toda a sua compacta glória (Crédito: Raphael Toledo/Wikimedia Commons)

O Telejogo em toda a sua compacta glória (Crédito: Raphael Toledo/Wikimedia Commons)

O Telejogo teve duas versões desenvolvidas pela Philco Ford e mais quatro pela Superkit, já com o nome de TV-Jogo, sendo os dois últimos com jogos ligeiramente mais avançados, Fórmula 1 e Motocross.

Curiosidade: você também podia comprar kits do Telejogo/TV-Jogo e montar em casa, o que para quem tinha conhecimento e paciência, poderia sair muito mais em conta do que adquirir o produto acabado.

Anúncio de kit do TV-Jogo (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Anúncio de kit do TV-Jogo (Crédito: Reprodução/acervo internet)

O Ataque dos Clones

A segunda geração de consoles, ao contrário do que muita gente pensa, começou com o Fairchild Channel F lançado em 1976, o primeiro que permitia a inserção de mais jogos através dos cartuchos de ROM.

Claro, foi o Atari 2600 (originalmente, Atari VCS) quem se tornou mais popular, junto com seus concorrentes diretos, como Intellivision e Colecovision, até o Crash dos Videogames em 1983, quando o mercado implodiu.

No Brasil, os primeiros videogames da Atari chegaram via contrabando, e os compradores precisavam recorrer a um processo de conversão do sistema de imagens (a famosa "transcodificação") para que fosse possível jogar em cores, visto que nossas TVs usavam apenas o sistema PAL-M. Algumas lojas da região da Zona Franca de Manaus também o importavam e vendiam de forma restrita, já convertido.

Em abril de 1980, a Atari Eletrônica Ltda., empresa fundada pelo joalheiro Joseph Maghrabi, lançou a versão nacionalizada do Atari VCS, montado de forma artezanal com peças importadas, a princípio de forma exclusiva na rede Mappin.

Através da Atari Eletrônica, Maghrabi importava as peças e componentes do Atari e montava tudo aqui, se aproveitando que a reserva de mercado, ainda que fosse uma política informal, só se tornaria lei 4 anos depois.

O Atari "nacional" chegou às lojas com um preço sugerido de Cr$ 29.890,00, ou salgadíssimos R$ 14.924,27 em valores de hoje. E ainda assim, vendeu bem.

O Atari VCS da Atari Eletrônica e Joseph Maghrabi, fundador da empresa, em foto da época (Crédito: Reprodução/Túnel do Tempo Games)

O Atari VCS da Atari Eletrônica e Joseph Maghrabi, fundador da empresa, em foto da época (Crédito: Reprodução/Túnel do Tempo Games)

O mesmo Maghrabi abriria em 1981 a Canal 3, uma das mais conhecidas locadoras de games e fabricantes de cartuchos "alternativos" do Atari 2600. Essa linha de produção atendeu também quem importou o Atari VCS e queria mais títulos, e todos tinham títulos traduzidos e manuais em português.

Em abril de 1983, uma pesquisa de mercado encomendada pelo grupo IGB, controladora da Gradiente, identificou que existiam pelo menos 80 mil donos de consoles Atari no Brasil, e decidiu que era hora de investir no negócio de videogames. Ao mesmo tempo a Dynacom, uma companhia paulista, começou a também produzir e vender cartuchos do sistema com contatos em níquel, mais baratos do que os originais, que usavam ouro, e não influíam no resultado final.

Esse barateamento nos custos permitiu à Dynacom e outras empresas inundarem o mercado com fitas piratas, lembrando que ninguém pagava direitos à Warner, na época a controladora da Atari. O processo consistia em copiar as ROMS dos originais e transferi-las para as EPROMs, e usaram engenharia reversa para driblar as técnicas de bank switching de endereçamento de memória.

E como forma de evitar possíveis pendengas, o código era modificado para trocar em tela as marcas de produtoras, como Atari, Activision e outras, pelas locais.

Pitfall! no Atari 2600, com o logo da Activision substituído pelo da CCE (Crédito: Reprodução/Activision) / videogames

Pitfall! no Atari 2600, com o logo da Activision substituído pelo da CCE (Crédito: Reprodução/Activision)

Em dezembro de 1982, a companhia de Guilherme Ferramenta lançou no Brasil o primeiro Atariclone, o Top Game, que foi seguido por outros produtos, como o Dactari da Saiyfi Computadores, posteriormente vendida e o aparelho renomeado para Dactar, um dos clones brasileiros mais famosos.

Foi esta empresa que lançou um dos modelos mais cobiçados pelos colecionadores daqui e do exterior, o Dactar II 007, visto que o console, controles e paddles vinham acondicionados em um case em forma de maleta (até hoje, esse é o apelido dessas pastas executivas), de onde não podiam ser removidos.

A tampa superior podia ser usada para acomodar os cartuchos, em um curioso kit tudo-em-um.

O mítico e elusivo Dactar II 007, o "Atari da maleta" (Crédito: Reprodução/Bojogá) / videogames

O mítico e elusivo Dactar II 007, o "Atari da maleta" (Crédito: Reprodução/Bojogá)

Além do Dactar e Top Game, é preciso mencionar a Dynacom, que introduziu o primeiro Dynavision como um clone do Atari 2600, e a CCE, que lançou três versões de seu console Supergame. O mais diferente deles, o VG-3000, era um sistema compacto com controles embutidos parecidos com o do Colecovision.

A fabricante continuou comercializando este modelo durante os primeiros anos da década de 1990, visto que muita gente ainda não tinha tanta grana para bancar sistemas mais modernos, e o Atari 2600 ainda era popular.

Nessa época, tirando os cartuchos do Top Game que tinham um formato diferente e exclusivo, era possível usar quase todos os jogos de diversos fabricantes, independente do sistema.

Supergame VG-3000 da CCE. Eu tive um desses (Crédito: Reprodução/Bojogá) / videogames

Supergame VG-3000 da CCE. Eu tive um desses (Crédito: Reprodução/Bojogá)

Chegam os videogames oficiais

Claro que a farra dos videogames piratas não ia se sustentar por muito tempo. Em 1983, a Philips lançou no Brasil o Odyssey2, a segunda geração do console da Magnavox apenas como Odyssey. O produto teve uma grande campanha de marketing filmado pela J. Walter Thompson no Brasil, mas finalizado em Los Angeles.

A ideia era bater de frente com o mercado de sistemas alternativos e cativar o público com um console de mais alta qualidade.

Foi o departamento de marketing da Philips, inclusive, quem cunhou o termo "Come-Come" para renomear o game K.C. Munchkin, mas que acabou pegando também para o rotundo personagem da Namco, que era uma das estrelas do Atari 2600.

Todos os jogos do sistema eram localizados, o que rendeu uma curiosa parceria entre a Philips e Renato Aragão, como forma de promover o filme Os Trapalhões na Serra Pelada, lançado nos cinemas um ano antes. Através de conversas entre a empresa, o humorista e seu empresário na época João Batista Sérgio Murad, aka Beto Carrero, o game Pickaxe Pete virou Didi na Mina Encantada.

A adaptação se resumia ao rótulo, claro. De resto, era tudo igual.

Já a Sharp preferiu investir no Intellivision, "o videogame inteligente" como anunciado na época, visto que um acordo com a Warner para trazer o Atari de forma oficial não vingou. Esta acabou fechando com a Gradiente, que através da Polyvox lançou finalmente o aparelho em solo brasileiro, em setembro de 1983.

A campanha de marketing foi massiva e agressiva, usando os termos "o Atari da Atari" para afirmar a originalidade do console. Os comerciais, criados pela agência DPZ e que custaram uma fortuna, posicionavam o videogame como um entretenimento para toda a família.

Por mais que a estética seja datada, é preciso reconhecer que na época, os comerciais do Atari 2600 foram bem impactantes.

Curiosamente, a Warner nunca se incomodou com o mercado de videogames piratas no Brasil, visto que a companhia não estava no meio das que requisitam um embargo e taxação ao país pela cópia de hardware e software, que o presidente dos EUA Ronald Reagan impôs em 1987, após reclamações de companhias como Apple e Microsoft.

Esta última tinha um alvo preferencial por aqui, a Microdigital, que havia kibado o ZX Spectrum com o TK-90X, e copiava o logo original na cara dura, sem sequer se dar ao trabalho de adaptá-lo para seu nome.

A empresa também lançou videogames clones do Atari 2600, a linha Onyx, onde o modelo Junior é um dos mais bizarros, com sua temática militar.

O Onyx Junior era até bonitinho (Crédito: Reprodução/Mercado Livre) / videogames

O Onyx Junior era até bonitinho (Crédito: Reprodução/Mercado Livre)

Manuais e propaganda da época (Crédito: Reprodução/Mercado Livre) / videogames

Manuais e propaganda da época (Crédito: Reprodução/Mercado Livre)

Cara de pau? Imagina... (Crédito: Reprodução/Mercado Livre) / videogames

Cara de pau? Imagina... (Crédito: Reprodução/Mercado Livre)

Com o devido tempo, o mercado de videogames clones do Atari 2600 perdeu força com a chegada da terceira geração de consoles, e muitos fabricantes migraram seus esforços para copiar o NES, enquanto que a SEGA preferiu contar com uma representante local e vender seu console oficialmente.

Mas isso... é história para um próximo artigo.

Fontes

CHIADO, Marcus Vinicius Garrett. 1983 + 1984: Quando os Videogames Chegaram. Marcus Vinicius Garrett Chiado, São Paulo, 2016;

QUANDT: reserva de mercado é a solução para a informática. O Globo, Rio de Janeiro, 5 de agosto de 1979;

DIVERAMA Versus Taito. Fliperama, 5 de junho de 2015;

CAMPOS, Augusto. A curiosa história da Taito no Brasil, 1968–1985. augustocampos.net. Florianópolis, Atualizado em 1º de novembro de 2014;

PASE, André Fagundes, TIETZMANN, Roberto. Man’s Best Enemy: The Role of Advertising During Atari’s Launch in Brazil in 1983. Kinephanos, Volume 7, Número 1, 32 páginas, 1º de novembro de 2017.

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