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Entrevista com criador do A Luz da Escuridão

12 anos e meio atrás

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Há alguns dias comentei aqui no MBG sobre o jogo brasileiro A Luz da Escuridão (The Light of the Darkness), desenvolvido pelos brasileiros da Epifânica e que está tentando levantar fundos para terminar a sua produção.

Com visão lateral e um estilo muito parecido com o do Metroid ou da série Castlevania, o título tem chamado a atenção até mesmo de sites estrangeiros de games e tive a oportunidade de conversar um pouco com Fernando Rabello, idealizador do game e que falou sobre as fontes de inspiração, as dificuldades de se desenvolver jogos eletrônicos no Brasil e como podemos ajudar comprando uma das versões disponíveis.

Meio Bit Games: Primeiro, preciso lhe perguntar como surgiu a ideia de criar A Luz da Escuridão. A quanto tempo o jogo está em produção?
dori_luz_29.08.11-3Fernando Rabello: O Luz da Escuridão é na verdade um projeto de um universo. Eu venho desenvolvendo isso há bastante tempo, é um conjunto de materiais, personagens, histórias, descrições… Eu tinha o objetivo de criar uma espécie de conteúdo base a ser usado em diversos tipos de projetos games, livros, filmes, brinquedos, RPGs, etc.

Claro que como eu sou fã de games, sempre concebi o universo pensando nessa possibilidade mais do que nas outras, aí em 2008 saiu um edital da Secretaria de Cultura (do Rio de Janeiro) que incluiu games. Eu escrevi um projeto de game baseado nesse universo e obtive o apoio da secretaria.

O objetivo é produzir um híbrido de um jogo possível de se produzir aqui no Brasil, mas ao mesmo tempo um jogo tradicional e complexo como nós como gamers gostamos de jogar. Nada de socialgame, casualgame, advergame… um jogo complexo e profundo, com uma história bem desenvolvida.

MBG: Podemos ver então que o projeto é bastante ambicioso, mas sobre a parte específica do jogo, quais são as maiores dificuldades no desenvolvimento? A falta de apoio, a quase inexistência de uma indústria de produção no Brasil, mão de obra...
FR: As dificuldades são de muitos tipos. A primeira delas é a falta de knowhow no Brasil, é difícil achar pessoas que tenham realmente conhecimento para produzir um game ou que tenham talento (se é que isso existe, mas enfim…), aptidão para desenvolver.

Os cursos e faculdades de games são muito insuficientes na formação desses profissionais, não preparam de verdade para a parte pratica da coisa, esse é um problema. Por isso que nossa equipe tem gente de tantos lugares (Rio de Janeiro, Fortaleza, Brasília, Niterói, São Paulo) porque não achei gente apenas aqui no Rio pra fazer.

Mas esse problema de pouco knowhow no Brasil gera um outro problema que é o preconceito do público brasileiro com produções nacionais. Jogos nacionais tem um estigma, em parte com motivo, pois temos projetos muito ruins mesmo e outros muitos sem nenhum apelo comercial, mas o público deveria apoiar e incentivar, tendo consciência das dificuldades que estamos discutindo aqui.

Outro problema é a falta de investimento, que é algo que ocorre por muitos motivos. No Brasil o investidor não sabe direito o que é um game, não é o tipo de empreendimento que estão acostumados a investir. Quando investem são geralmente advergames ou social games. Os investidores parecem não saber que o mercado de games é o maior mercado de entretenimento do mundo, isso é uma questão de cultura que precisa mudar. O investidor também não tem muito interesse em investir no médio e longo prazo o que é outra coisa que dificulta. Geralmente ele quer um grande retorno no seu primeiro game o que muitas vezes não funciona assim. Lá fora existem investimentos, mas é difícil para nós brasileiros conseguir, pois existe muita concorrência e para as publishers nós somos obscuros, elas não conhecem o Brasil nesse cenário de games.

Outro problema que pra mim é o mais grave, mais do que esses que citei, é a falta de movimento da indústria de games no Brasil. Os desenvolvedores no Brasil interagem muito pouco, trocam pouca informação, não se apoiam. Estão pulverizados pelo país, cada um tentando sua própria sorte. É uma percepção minha, mas me parece que existe um senso de competição muito grande, o que é totalmente descabido dentro da nossa realidade. É como se cada estúdio estivesse produzindo uma bomba atômica escondido, ninguém troca nada, não existe um movimento. Os desenvolvedores tinham que interagir mais.

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MBG: Por falar em investimento, fale um pouco sobre a campanha iniciada por vocês no Kickstarter, como convencer um público que não está acostumado a usar esse sistema de suporte?
FR: O Kickstarter é uma ferramenta maravilhosa para desenvolvimento independente de projetos. Em primeiro lugar o público tem que perceber que não são campanhas de doações, não estamos pedindo caridade. Ao contrario disso, o publico investe e tem uma série de recompensas que de outra forma não teriam, coisas muito legais, desde ganhar o jogo no lançamento a ter seu rosto imortalizado numa estátua dentro do game, seu nome nas lápides do jogo (sombrio isso, mas é interessante)… coisas que ele jamais teria em "jogos grandes".

Por outro lado, o público tem que perceber a sua força. Muito se vê as pessoas reclamando: "poxa, chega de FPS", "chega de DRM", "por que a empresa X não produz aquele grande jogo Y?" O público tende a se sentir muito alienado em relação ao que é produzido por aí, sem poder sobre isso, mas ao contrario disso o publico tem muito poder, ele tem o poder de fazer as coisas acontecerem com um esforço mínimo de cada um, cada um faz sua parte. Com sites de Crowdfunding como o Kickstarter o público pode fazer projetos de games acontecerem, projetos independentes, projetos livres, games que o público tenha entusiasmo.

Então, no Kickstarter é tudo muito simples, a pessoa escolhe quanto quer investir (desde US$ 1 até o infinito) e escolhe sua recompensa de acordo com o valor que apoiou. O publico pode gerenciar seu apoio, aumentando e diminuindo durante a campanha da forma como quiser. O projeto precisa atingir uma meta mínima, se não atingir o dinheiro não muda de mãos, ninguém é debitado. Isso dá segurança ao apoiador pois se o projeto não consegue um mínimo, não haveria forma da equipe desenvolver.

MBG: Voltando ao jogo, uma das coisas que me chamou atenção nele foi o idioma, ele foi criado do zero? Imagino que tenha dado um enorme trabalho.
FR: A Luz da Escuridão é um universo muito diferente do nosso, tem uma mitologia própria, não existem nem humanos. Por isso a cultura também é distinta, embora ela se assemelhe bastante a nossa em muitos aspectos e por isso a língua dessas criaturas também é diferente.
Ela se chama Sansico, no universo existem 4 dialetos dele, Sansico Antigo, Sansico Pegamo, Sansico Branco e Sansico Negro. Criamos os alfabetos dos dois dialetos que o jogo aborda (sansico branco e negro). A parte do vocabulário, gramática e etc., isso infelizmente não criamos pois não temos a genialidade de um Tolkien para criar línguas 100% reais, então, o Sansico ainda é uma língua pseudo real. Ela é criada através de um processo que é aplicado sobre o português, mas não é português ao contrário, é um processo bem mais complicado.

Deu um certo trabalho a criação da língua, sim.

MBG: Isso reforça a ideia de que o valor de produção do game é bem alto, com muita atenção aos detalhes. Levando isso para a parte a direção artística, no que o visual do A Luz da Escuridão se inspirou?
FR: A  grande inspiração no mundo do game foi principalmente a série Legacy of Kain. Mais recentemente o ICO e Shadow of the Colossus. No cinema temos Senhor do Anéis, na TV temos a série Buffy: The Vampire Slayer (parte de narrativa e etc) e o Final Fantasy talvez tenha inspirado um pouco também. Castlevania, apenas a parte do gameplay o Odin Sphare foi uma referência em relação a parte técnica.

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MBG: Atualmente, quais são os planos para o jogo? Vocês pretendem levá-lo a outras plataformas, como smartphones ou consoles?
FR: Já estamos trabalhando no iphone, devo mostrar um teste rodando nele essa semana. Para consoles é um desejo nosso, na verdade A Luz da Escuridão é um jogo de console não de PC, mas estamos desenvolvendo no PC pois é o que podermos fazer no momento. Nos consoles nós precisamos de investimentos e eles ainda não chegaram, mas nós vamos indo por degraus. Ao terminarmos esse game, podemos conseguir mais facilmente a atenção de investimento das publishers estrangeiras.

MBG: Bom, agora a pergunta que não posso deixar de fazer: Vocês já disseram que o Kickstarter é essencial para a continuidade do projeto, mas com menos de 13 dias para o seu encerramento, se o valor que precisam não for alcançado, corremos o risco de nunca ver o Luz da Escuridão ser terminado?
FR: Essa é uma questão muito triste para nós, o que posso dizer é que caso a gente não consiga, a versão para PC deverá ser suspensa por tempo indeterminado e vamos pensar se vamos lançar uma versão demo pública ou não, mas existem outras possibilidades que estamos vendo para que a suspensão não aconteça. Nós sempre temos um plano B, C, D, embora realmente estejamos ficando com poucas possibilidades.

Sobre a versão para Iphone, ela segue independente da campanha, nossa ideia é produzir uma versão "lite" que irá gerar receita para o desenvolvimento da versão "big", com todos os episódios e etc.

As pessoas tem que ter a consciência de que a diferença da vida e da morte pode estar nas mãos de cada um, então, se você gosta do projeto, quer que o projeto continue, não deixe de apoiar no Kickstarter.

MBG: Neste caso eu só posso lhes desejar toda sorte do mundo e como um grande fãs do estilo Metroidvania, esperar que o game possa ser terminado e seja tão bom quanto parece. Há mais alguma coisa que gostaria de dizer aos leitores do Meio Bit Games?
FR:
Obrigado! Bom, gostaria de agradecer muito o apoio que nós temos recebido, o feedback, os elogios e as críticas. E dizer que nós estamos fazendo a nossa parte pela indústria de games no Brasil. Cada um pode fazer a sua. Juntos podemos fazer algo muito bacana acontecer! Apoiem!

 

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Quero aproveitar então para agradecer ao Fernando Rabello pelo tempo dedicado e reforçar o pedido dele, se vocês se interessaram pelo A Luz da Escuridão, contribua com pelo menos US$ 5, o que já lhe garante uma cópia do game assim que ele for lançado.

 

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