Dori Prata 09/09/2024 às 9:52
Se existe algo que Uwe Boll não pode ser acusado, é de não perseverar. Após uma longa carreira repleta de péssimas adaptações de jogos para o cinema, o diretor parecia ter desistido da indústria em 2016, mas seis anos depois, ele voltou. O que ninguém poderia imaginar era que o alemão ainda não havia chegado ao fundo do poço e isso pode ter acontecido com uma inacreditável tentativa de financiar um novo projeto.
Tudo começou há poucos dias, quando Boll lançou uma campanha de financiamento coletivo no site Indiegogo. A ideia era arrecadar pelo menos US$ 2,5 milhões para que ele pudesse filmar uma continuação do filme Postal, que por aqui ficou conhecido como Salve-se Quem Puder! Sendo um fracasso de crítica e público, a adaptação do polêmico jogo faturou menos de US$ 150 mil mundialmente, além de ter rendido ao alemão a Framboesa de Ouro como pior diretor.
A simples tentativa de continuar uma porcaria deste tamanho já seria motivo para Uwe Boll virar notícia, mas foi a maneira como esse financiamento foi organizado o que realmente chamou a atenção. Para começar, embora a campanha tenha sido divulgada pelo diretor, ela não era assianda por ele, mas sim por Gary Otto, coapresentador do podcast que o diretor mantém.
Na página, o projeto era descrito como um golpe no “politicamente correto, na porcaria do algorítimo, na cultura woke e no cancelamento.” Boll ainda declarou que produzir o Postal 2 seria “quase um dever para a liberdade da arte, expressão e para a vida.” Para ele, o primeiro filme se tornou um clássico cult, com a continuação sendo necessária, pois vivemos em “uma época em que a promoção cruzada de brinquedos e McLanche Feliz é mais importante que o roteiro.”
Se obtivesse sucesso em arrecadar toda essa quantia, que o alemão alegava não ser suficiente para criar o filme e por isso ainda precisaria conseguir outros US$ 2,5 milhões, o plano era exibi-lo no Toronto International Film Festival de 2026, com um lançamento previsto para o final daquele ano.
Mas e se o valor desejado não fosse alcançado? A campanha afirmava que o diretor investiria o mesmo valor e o filme seria feito, mas neste caso, sem usar o nome do jogo. Mirando um longa que não passasse a impressão de uma produção barata, o plano seria transformá-lo no California Fried Movie, filme baseado no primeiro trabalho de Uwe Boll, o German Fried Movie e que por sua vez se inspirou no Kentucky Fried Movie.
Está achando tudo isso muito louco? Pois acredite, ainda piora. O problema é que em momento algum o pessoal da Running With Scissors, empresa que detêm os direitos sobre o Postal, concordou com essa iniciativa. Segundo o CEO do estúdio, Vince Desiderio, eles não apoiavam esse financiamento coletivo, nem tinham ideia de quem é Gary Otto.
“Ninguém nos contatou sobre esse esforço e é uma grande preocupação que eles claramente afirmem que podem usar quaisquer recursos arrecadados para outros projetos,” disse em nota. “Para registro, gosto de Boll e estou ansioso pelo dia em que os nossos fãs poderão ver um novo filme Postal, mas não financiado assim.”
Depois o executivo ainda reafirmou querer uma continuação, seja ela feita ou não pelo alemão, mas o tipo de financiamento criado por ele e com potencial para ser usado em outra produção, é algo que não dará certo. “Não se trata de controle criativo para o filme em si, trata-se de garantir que os fãs recebam pelo que pagaram,” esclareceu Desiderio.
O receio do sujeito é compreensível e após seu posicionamento, Otto/Boll decidiu fazer uma mudança, abandonando completamente o nome Postal 2. “O filme está oficialmente mudando para California Fried Movie, SEM o envolvimento da RWS,” dizia a página da campanha. Também não demorou para que a tentativa ruísse completamente e o motivo? O quase total desinteresse do público.
Pelo tempo em que ela permaneceu no ar, apenas 16 corajosos se dispuseram a colaborar, totalizando míseros US$ 835. Diante deste cenário, Uwe Boll declarou que não valeria a pena continuar, mas não sem antes fazer uma promessa (ou seria ameaça?): “isso não significa que nunca faremos o filme. Vamos ver,” para depois afirmar que aqueles que contribuíram receberão o dinheiro de volta ou os prêmios prometidos.
Ironicamente, o insucesso de Boll surge logo após ele tirar sarro do desempenho do filme Borderlands - O Destino do Universo Está em Jogo, de Eli Roth. Tendo custado US$ 115 milhões para ser produzido e arrecadado apenas US$ 8,8 milhões no primeiro final de semana, o alemão usou suas redes sociais para dizer: “Haha. Meus filmes foram classificados como R (acima de 17 anos) e fizeram mais dinheiro do que esse. Agora vocês gostariam que eu o tivesse dirigido.”
Assim, valendo-se da carta da liberdade de expressão e do combate ao sistema, Uwe Boll ignorou o fato de não ter a autorização dos donos de uma propriedade intelectual e tentou convencer o público de que com seu novo filme, ele seria a salvação do cinema, da arte, da sociedade e do mundo. Duvida? Veja mais um trecho da campanha:
“Essa campanha representa a rebelião contra os grandes players que querem nos fazer uma lavagem cerebral — que tentam nos conformar em ovelhas felizes e agradáveis, passivamente em sintonia com suas políticas de me***.
É sobre o futuro de todos nós que não nos deixamos ser censurados e empurrados. Eu era e ainda sou o diretor que se importa e acho que o engraçado começa aí, onde Karens e wokes cuz*** clamam por ajuda e se sentem muito, muito insultados.”
O que não sei agora é como continuaremos vivendo sem presenciar o talento e a anarquia de Uwe Boll. Quer dizer, pelo menos até que ele tente novamente e nos brinde com mais um dos seus revolucionários trabalhos.