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Hubble quase sem giroscópios, e nada de novos reparos

NASA restringe Hubble a apenas um dos dois giroscópios (de um total de 6) ainda funcionais, e descarta missão de reparos sugerida pela SpaceX

05/06/2024 às 7:42

Agora é oficial, o Telescópio Espacial Hubble entrou no ciclo final de sua vida útil. O equipamento, que nos permitiu enxergar muito longe no Cosmos, está usando apenas um de um total de 6 giroscópios originais, usados para reposicionamento; 4 pifaram, e o quinto está sendo poupado.

Ao mesmo tempo, a agência confirmou ter desistido dos planos sugeridos pela SpaceX para uma missão de resgate e manutenção, assim, o Hubble deve funcionar até pifar de vez, e a previsão é que ele reentre na atmosfera terrestre, e mergulhe no oceano, por volta de 2035.

Hubble deve demorar a cair de volta na Terra, mas agora isso é inevitável (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Hubble deve demorar a cair de volta na Terra, mas agora isso é inevitável (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Hubble: mais lento, mas funciona... por enquanto

Nós do Meio Bit já falamos várias vezes sobre isso, mas não custa nada relembrar: o Hubble passou por vários perrengues desde que foi lançado em 1990. De cara ele nasceu "míope", graças a um desvio microscópico no espelho principal, que deixava as imagens borradas, oque foi corrigido temporariamente com uma lente de correção (literalmente um óculos), até a peça defeituosa ser substituída.

Em 2008, um defeito na Unidade de Comando/Formatadora de Dados Científicos (CU/SDF) levou a NASA a substituir por completo a Unidade de Comando de Instrumentos Científicos e Manipulação de Dados (SI C&DH) no ano seguinte, a última vez em que o telescópio passou por uma manutenção local, graças ao fim do programa dos shuttles em 2010.

Sem manutenção periódica, os problemas começaram a se acumular. Em 2018, um bug em um dos giroscópios teve que ser corrigido com um reboot e uma série de manobras, transmitidas remotamente; em junho de 2021, a Unidade de Controle de Energia (PCU) do SI C&DH instalado em 2009 deu pane, e tanto o computador principal, quanto o backup, acionado pela primeira vez, não funcionaram. O problema foi corrigido quando o segundo computador passou a usar sua própria PCU, ao invés da do principal, que era a fonte do bug; em outubro do mesmo ano, uma série de falhas de sincronização forçou a NASA a desligar os instrumentos do Hubble por um tempo.

Agora, a NASA revelou, em uma conferência realizada com a imprensa, que os problemas envolvendo os giroscópios do Hubble são para lá de críticos. Eles são usados para reposicionar o telescópio e voltá-lo a direções que pesquisadores desejam obter capturas, mas dos 6 originais, substituídos pela última vez em 2009, 3 deles, gyro 1, gyro 2, e gyro 5, deram chabú e estão inoperantes.

Um quarto giroscópio, identificado como gyro 3, é o que vem dando erro nos últimos meses, causando todo o tipo de problemas de movimentação, forçando o Hubble a tirar longas sonecas. Como ele não é mais confiável, o telescópio tem apenas dois considerados funcionais, mais isso é apenas uma parte do problema.

Um deles, o gyro 4, tem 142 mil horas de operação, enquanto o gyro 6 acumula 90 mil horas, o que definitivamente não são números pequenos. Assim, para não arriscar ficar sem os dois, a NASA anunciou planos de colocar um deles em reserva, dessa forma, o Hubble passará a contar com apenas um giroscópio ativo.

Hubble visto do Ônibus Espacial Discovery, durante a segunda missão de manutenção ao telescópio espacial, em 1997 (Crédito: Divulgação/NASA)

Hubble visto do Ônibus Espacial Discovery, durante a segunda missão de manutenção ao telescópio espacial, em 1997 (Crédito: Divulgação/NASA)

Na coletiva, Mark Clampin, diretor da divisão de Astrofísica da NASA, disse não ver a presente situação como "uma grande restrição" à capacidade da agência de continuar conduzido pesquisas, até porque temos o Telescópio Espacial James Webb (JWST) operando, mas não dá para negar que o Hubble passará a "andar" com apenas uma de suas 6 "pernas" originais.

A consequência imediata é que o telescópio ficará mais lento: com apenas um giroscópio ativo, as manobras de reposicionamento levarão muito mais tempo para serem realizadas, embora a operação ainda seja possível. Os cientistas só terão que ter um pouco mais de paciência na hora de usar o balzaquiano hardware.

Patrick Crouse, gerente de projeto do Hubble, não acredita que ele está nas últimas, e que a manobra deve estender seu tempo de vida útil até pelo menos 2035; de qualquer forma, caso os dois últimos giroscópios peçam penico, o telescópio passará a ficar olhando fixamente para um mesmo ponto, o que acabaria com sua utilidade.

Missão de resgate e manutenção descartada

A menção de 2035 por Crouse não é aleatória, visto que o Hubble tem outro problema: sua órbita está decaindo desde 2009, e seu reposicionamento para altitudes seguras dependia das missões in loco providas pelos ônibus espaciais. Com a aposentadoria destes, não há como mandar uma equipe até lá para apertar seus parafusos e levá-lo mais para cima.

Fato, a NASA nunca se sentiu confortável com a ideia de perder o Hubble, o mais certo seria recuperá-lo e expô-lo em um museu, por isso a agência resolveu dar ouvidos ao bilionário e colaborador da SpaceX Jared Isaacman, comandante da missão privada Inspiration4, que em 2022 sugeriu usar uma cápsula Crew Dragon como um rebocador espacial, além de contar com uma equipe de astronautas nela embarcados para repará-lo.

Os técnicos e cientistas da NASA decidiram então considerar as opções e a sugestão de Isaacman, e investigar o quão plausível uma missão do tipo seria. No entanto, e-mails internos trocados entre os administradores, os quais a rede de rádio pública NPR conseguiu ter acesso, mostram que uma parcela deles não a considerava realista, tanto pela Dragon não ser projetada para caminhadas espaciais, quanto pela já conhecida má vontade do governo dos Estados Unidos para com Elon Musk, no que ninguém vai com a cara dele.

Em uma das mensagens, Dana Weigel, diretora de Operações da Estação Espacial Internacional (ISS), escreveu que "a visão da SpaceX sobre os riscos, e a disposição de aceitá-los, é consideravelmente diferente da visão da NASA", um contraste entre a agência louca dos procedimentos, e o modo visto como "imprudente" de Musk, que quer ser cool frente aos modos e processos tradicionais, o que inclui uma celeuma adicional com o traje EVA da SpaceX, que não agradou. "Extremamente imaturo", segundo Weigel.

Cápsula Crew Dragon se acopla à Estação Espacial Internacional (Crédito: NASA)

Cápsula Crew Dragon se acopla à Estação Espacial Internacional (Crédito: NASA)

Pois bem, na mesma coletiva sobre o estado geral do Hubble, Mark Clampin anunciou oficialmente que a NASA descartou completamente uma missão de resgate e manutenção do telescópio:

"Nossa posição é de que, após explorarmos as capacidades atuais (das companhias) comerciais, nós decidimos não seguir adiante com um plano de reposicionamento no momento."

Embora Clampin tenha dito "no momento", a menção a 2035 para a operação prevista contínua do Hubble, com este usando apenas um giroscópio (se nada mais der pau antes disso), coincide com os cálculos da agência para quando o telescópio fará a, ao que tudo indica, agora inevitável reentrada na atmosfera da Terra, para repousar em definitivo no fundo do oceano, provavelmente o Pacífico.

Os estudos realizados pela NASA sobre as possibilidades reais de uma missão de manutenção não foram tornados públicos, por "motivos proprietários"; Clampin se limitou a dizer que eles consideraram instalar giroscópios adicionais na fuselagem, mas a conclusão foi de que as sugestões e alternativas eram "irreais".

A última esperança do Hubble, se é que resta alguma, é caso alguma empresa privada resolva lidar com ele por conta própria, mas é preciso lembrar que a NASA não gosta de ninguém se metendo no espaço sem ela, e de qualquer forma, o telescópio ainda é propriedade do governo dos Estados Unidos, pois foi financiado com dinheiro público.

Oficialmente, a NASA fez as pazes com a ideia de que o Hubble será perdido um dia, mas até lá, ele continuará a serviço enquanto estiver operacional.

Fonte: Ars Technica

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