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Tales of Kenzera: ZAU — uma reflexão sobre a perda

Tales of Kenzera: ZAU é um ótimo metroidvania de temática afrofuturista, que sustenta um poderoso conto sobre o luto

26/04/2024 às 11:10

Tales of Kenzera: ZAU é o game de estreia do Surgent Studios, fundado em 2019 pelo ator britânico Abubakar Salim, conhecido pelo seu trabalho em Assassin's Creed Origins, que lhe rendeu uma indicação ao BAFTA pela dublagem do protagonista Bayek.

Distribuído pela Electronic Arts através do selo EA Originals, o título traz um sopro de originalidade ao gênero metroidvania, graças à excelente estética alicerçada no afrofuturismo, e apresenta uma boa quantidade de desafios sem ser punitivo demais, o que o torna bem acessível.

Tales of Kenzera: ZAU (Crédito: Divulgação/Surgent Studios/Electronic Arts)

Tales of Kenzera: ZAU (Crédito: Divulgação/Surgent Studios/Electronic Arts)

Porém, a verdadeira força de Tales of Kenzera: ZAU está em sua narrativa, e como tudo é muito bem costurado para narrar uma excelente história sobre perda, luto, e aceitação.

Para aqueles a quem amamos

Ao abrir com a frase "Em memória daqueles que tocaram nossas vidas. Este game é um tributo a seus espíritos duradouros", o game da Surgent Studios deixa bem clara sua identidade como uma viagem emocional, através do sentimento de luto e perda. O prólogo mostra Zuberi, um jovem que não consegue aceitar a morte do pai, após uma longa batalha contra uma doença terminal.

Sua mãe, na tentativa de consolá-lo, entrega ao filho um livro escrito pelo falecido antes de sua passagem, na intenção de fazê-lo entender, e aceitar, que a morte é uma parte da vida, e embora todos saibamos disso, não torna o sentimento menos devastador e paralisante.

Tales of Kenzera: ZAU (Crédito: Reprodução/Surgent Studios/Electronic Arts)

Tales of Kenzera: ZAU (Crédito: Reprodução/Surgent Studios/Electronic Arts)

A história narra a jornada de Zau, um xamã que, abalado pela morte do pai, vítima de uma praga que assolou sua tribo, invoca Kalûnga, o deus da morte e mudança em algumas culturas africanas, para provar seu valor se aventurando em Kenzera, uma área cheia de almas perdidas e agressivas, com o intuito de confrontar os três espíritos mais poderosos.

Em sua missão, Zau usa as máscaras do Sol e da Lua, que lhe conferem poderes e habilidades de combate, e contará também com a ajuda de outros personagens e habilidades. Só então, quando o jovem xamã se provar digno, ele poderá reaver a alma de seu pai.

"O luto não é linear"

A frase de Abubakar Salim é correta, e explica por que a Surgent Studios escolheu o gênero metroidvania para a contar a história de Tales of Kenzera: ZAU. Assim como na vida, o backtracking do game em busca de novos itens e habilidades para abrir novos caminhos, é intermeado por momentos não sequenciais de diversão, alegria e triunfo, mas também de tristeza e perda.

O pesar de Zau e de Zuberi, ambos dublados por Salim no áudio em inglês, é palpável e compreensível. Quem passou pela experiência de perder uma pessoa querida (todo mundo, na verdade) entende o que ambos protagonistas estão passando, e consegue simpatizar com a decisão do xamã, de fazer o que for preciso, ao se agarrar à mínima possibilidade de trazer seu pai de volta.

Esse sentimento reflete o próprio estado de espírito de Salim, no que o game foi concebido como uma homenagem do ator, CEO e fundador do estúdio a seu pai, falecido recentemente na época em que Tales of Kenzera: ZAU foi originalmente revelado, em 2021.

Tales of Kenzera: ZAU (Crédito: Reprodução/Surgent Studios/Electronic Arts)

Tales of Kenzera: ZAU (Crédito: Reprodução/Surgent Studios/Electronic Arts)

Falando do game em si, ele segue as convenções do gênero metroidvania, mas adiciona seu próprio tempero à mistura. O título é construído sobre o forte alicerce do afrofuturismo, uma estética e movimento cultural que une a diáspora dos povos africanos a temas como ficção científica e fantástica, mesclando elementos a fim de criar suas próprias histórias, músicas e expressões.

O movimento, que conta com expoentes como Sun Ra e George Clinton (Parliament, Funkadelic), e mais recentemente, Janelle Monáe e Tomi Adeyemi (Filhos de Sangue e Osso), está em evidência novamente nas mídias visuais graças à Disney, que ajudou a produzir e distribui as animações Kizazi Moto: Geração Fogo e Iwájú – Cidade do Amanhã, de criadores africanos.

A África futurista em que Zuberi vive contrasta com o ambiente de savana de Kenzera, mas tudo é muito orgânico. Sobre a jogabilidade, a máscara da Lua permite a Zau atingir inimigos à distância, enquanto a do Sol fornece ataques físicos de curto alcance; é possível alternar entre elas pressionando o botão L1/LB, e ambas possuem ataques especiais devastadores (L3/LS + R3/LS), que consomem a barra de energia, esta se enchendo ao derrotar inimigos e ativar totems. A barra também é usada para recuperar sua energia.

Tales of Kenzera: ZAU (Crédito: Reprodução/Surgent Studios/Electronic Arts)

Tales of Kenzera: ZAU (Crédito: Reprodução/Surgent Studios/Electronic Arts)

Durante a jornada, Zau ganhará diversas outras habilidades, conferidas por amuletos, como congelar cachoeiras para usá-las como plataformas, arremessar lanças elétricas, usar um gancho para se agarrar em flores e balançar, e destruir barreiras reforçadas, entre outras. As máscaras podem ser evoluídas, ganhando mais habilidades para melhorar seus ataques.

No entanto, a grande força de Tales of Kenzera: ZAU está na narrativa, e a ambientação de áudio é um fator importante nesse aspecto. O elenco de vozes em inglês é ótimo e conta, além de Abubakar Salim, com Tristan D. Lalla (o Adéwalé de Assassin's Creed IV: Black Flag) como Kalûnga, e Steven Toussaint (A Casa do Dragão) como Bomani.

Nesse sentido, vale muito a pena destacar a excelente dublagem em swahili, executada por atores em sua maioria africanos, que dada a estética e ambientação, soa muito mais adequada para o game. A localização dos textos, menus e legendas em português brasileiro é excelente, e não consegui detectar um erro sequer.

Tales of Kenzera: ZAU (Crédito: Reprodução/Surgent Studios/Electronic Arts)

A jogabilidade de Tales of Kenzera: ZAU é sólida, não devendo em nada aos mais conhecidos e já estabelecidos metroidvanias do mercado, mas além de uma identidade única, o game da Surgent Studios conta a seu favor com um desafio não muito alto, para atrair novatos e quem não tem familiaridade com o gênero, sem ser demasiado fácil para afugentar os veteranos.

Isso posto, hora de falar sobre o bode na sala: a variação de inimigos normais no mapa é um tanto baixa, o que impede o jogador de variar suas estratégias na hora do combate, com exceção na hora de enfrentar os chefes. Porém, isso em nada atrapalha o clima, ou o desafio do game, é mais algo que pode ser melhor tratado em um título futuro.

Conclusão

Mais do que um game, Tales of Kenzera: ZAU é um tributo àqueles que se foram e deixaram marcas em nossas vidas, mas, ao mesmo tempo, é um competente e bem executado metroidvania, cheio de identidade e personalidade. A meu ver, este é um excelente cartão de visitas para um estúdio estreante.

Ele teve a chance de ser conhecido graças à EA, que o distribui assim como fez com outros títulos indie, como os dois Unravel, dois títulos de Josef Fares, A Way Out e It Takes Two, FeLost in Random, ambos da finada Zoink Games, Wild Hearts, e o não tão bem-sucedido Immortals of Aveum.

Tales of Kenzera: ZAU (Crédito: Reprodução/Surgent Studios/Electronic Arts)

Tales of Kenzera: ZAU mostra que o luto é um processo pelo qual todos passamos, e é importante, se não o aceitar, ao menos aprender com ele, que devemos lembrar daqueles que partiram não com tristeza, mas comuma noção de que, por menor que seja, cada um deles deixou algo para trás, sejam obras ou ensinamentos.

Por fim, mesmo criado para entreter em primeiro lugar, um game, um livro, uma HQ, pode ser muito mais que apenas isso, algo que aprendi muito tempo atrás, com Stan Lee e Jack Kirby.

Tales of Kenzera: ZAU — Ficha Técnica

  • Plataformas — PS5, Xbox Series X|S, Nintendo Switch e Windows (analisado no PS5, com cópia cedida pela Electronic Arts);
  • Desenvolvedora — Surgent Studios;
  • Distribuidora — Electronic Arts;
  • Classificação Indicativa — 10 anos.

Pontos fortes:

  • Excelente roteiro;
  • Estética afrofuturista cheia de originalidade;
  • Metroidvania com um bom desafio, sem ser punitivo;
  • Opção de áudio em swahili é bem-vinda, e adequada.

Ponto fraco:

  • Pouca variação de inimigos, o que limita o combate.

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