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Hyenas: a crônica de uma morte anunciada

Alegando uma reestruturação na Europa, Sega anuncia o cancelamento do Hyenas pouco antes do seu lançamento oficial — e logo após o jogo passar pelo beta

24 semanas atrás

Quando em junho de 2022 a Creative Assembly anunciou seu próximo jogo, a ideia um tanto inusitada pegou muita gente de surpresa. Hyenas era bem diferente de tudo o que o estúdio tinha produzido e assim como a morte de Santiago Nasar, a daquele projeto também parecia estar escrita nas primeiras linhas.

Hyenas

Crédito: Divulgação/Creative Assembly

Atuando como uma subsidiária da Sega, o estúdio britânico se notabilizou pelos jogos de estratégia, especialmente com a série Total War. Ao longo dos anos eles até se arriscaram em outras áreas, como quando adaptaram o primeiro FIFA International Soccer para o PC, ou quando criaram o divertido Viking: Battle for Asgard e o aclamado Alien: Isolation.

Porém, Hyenas seria uma besta totalmente diferente. Funcionando como um jogo multiplayer, ele colocaria cinco equipes formadas por três jogadores para competir, com todos ainda tendo que lidar com os sistemas de segurança controlados pelo computador e que estariam espalhados pelo mapa.

Essa premissa já não é muito comum, mas é ao sabermos da ambientação do jogo que tudo fica ainda mais... diferente. Em Hyenas faríamos parte de uma equipe de roubo e extração, com o nosso alvo sendo valiosos objetos da cultura pop armazenados em espaçonaves mantidas por bilionários.

Com uma jogabilidade frenética e gráficos supercoloridos, Hyenas remetia diretamente à época dos fliperamas, com o jogo nunca se levando muito a sério. Isso podia ser visto desde máscaras de Richard Nixon que os jogadores poderiam usar, até itens relacionados à principal marca da Sega, o Sonic.

Além dessa atmosfera descontraída, a criação da Creative Assembly também apostava em mecânicas pouco usuais, como uma arma capaz de cuspir uma espécie de espuma e que podia ser utilizada tanto para criar barreiras de proteção como pontes, ou um sistema de gravidade zero, que podia ser ativado para assim mudar consideravelmente o campo de batalha.

Mas se no papel toda essa farofa até podia parecer interessante, conseguir vender essa proposta foi mais complicado do que seus criadores imaginaram. Com o jogo estando previsto para ser lançado ainda em 2023 e sem adotar o modelo free-to-play, durante uma sessão de perguntas e respostas com investidores, executivos da Sega Sammy indicaram que a situação era preocupante.

“Não podemos falar sobre esse título porque os detalhes ainda não foram anunciados até o momento,” disseram. “Por este ser um título desafiador, estamos nos esforçando para melhorar sua qualidade na frente da linha de desenvolvimento conforme nos dirigimos ao lançamento. Também estamos fazendo ajustes finais no seu modelo de negócios em paralelo.”

No entanto, por mais que aquela resposta fosse alarmante, os meses seguintes deram alguma esperança àqueles que estavam interessados no Hyenas. Além de levá-lo à Gamescom, feira realizada na Alemanha e onde as pessoas puderam experimentar o FPS, a Creative Assembly também o submeteu a um período de teste no Steam, o que aconteceu entre 31 de agosto e 11 de setembro.

Essas medidas podiam indicar que o desenvolvimento do Hyenas continuava, mas agora sabemos que aquele foi apenas a melhora que precede a morte. Isso porque, alegando uma necessidade de reestruturar sua divisão europeia, a Sega Sammy soltou a seguinte bomba:

“Em resposta à menor rentabilidade da região europeia, revisamos o portifólio de títulos de base de desenvolvimento na Europa e a ação resultante será o cancelamento do Hyenas e de alguns títulos em desenvolvimento que não foram anunciados. Assim, implementaremos uma redução do trabalho em andamento para títulos em desenvolvimento.”

Hyenas

Crédito: Divulgação/Creative Assembly

A editora também revelou o planejamento para reduzir despesas na região, o que afetará diretamente a sede da Creative Assembly localizada na cidade de Horsham, Inglaterra. Vale mencionar que em agosto de 2022 o estúdio anunciou estar trabalhando na criação de um jogo de ação, assim como em outro que não chegou a ser revelado. Porém, esses projetos estavam sendo desenvolvidos na cidade de Sófia.

Logo, é difícil saber até que ponto essa restruturação por parte da Sega poderá afetar esses títulos, mas como os cortes por lá estão se espalhando, não ficarei surpreso se os profissionais que estão na capital da Bulgária também forem afetados. Uma demonstração disso aconteceu em maio passado, quando algo assim atingiu a Relic Entertainment e 121 profissionais foram demitidos.

“A Sega está numa posição financeira saudável e continua totalmente comprometida em apoiar e investir na Relic Entertainment, e nas franquias pelas quais ela é responsável, incluindo a aclamada série Company of Heroes,” se defendeu a editora à época. “Estamos confiantes de que após essa reestruturação o estúdio estará numa posição de força para continuar oferecendo experiências excepcionais a jogadores de todo o mundo.”

Hyenas

Crédito: Divulgação/Creative Assembly

Naquela ocasião, o estúdio também se apoiou nas dificuldades do ano anterior, assim como a situação econômica que vem enfrentando a Europa. “A combinação de significativos atrasos de projetos, rápido crescimentos de custos, alta inflação e as flutuações da taxa de câmbio tiveram um efeito negativo em nossos negócios,” alegaram o Gerente Geral da Relic, Justin Dowdeswell e a Diretora de Operações, Heidi Eaves.

O que também não ajudou o pessoal da Relic foi o desempenho do Company of Heroes 3, que apesar de ter feito sucesso com a crítica, não conseguiu agradar tanto o público, com ele registrando 53% de avaliações positivas entre os usuários do Steam.

Voltando ao Hyenas, talvez essa minha percepção de que ele não tinha muito futuro se deva a não fazer parte do público a que ele se destinava, mas a verdade é que nunca consegui ver muita graça no título da Creative Assembly. Mesmo assim, lamento o seu fim precoce, pois sei que muitas pessoas deram duro para que ele fosse produzido e tantas outras certamente estavam enxergando ali um título com potencial para lhes manter entretidos.

Considerando o histórico do estúdio, pode ser que saísse algo bom desse projeto, mas se a Sega percebeu que ele não estava evoluindo como deveria ou que não seria possível lucrar com o jogo, será que o melhor mesmo não era estancar essa sangria o mais rápido possível?

Sega (quase) para sempre

Crédito: Divulgação/Sega

O certo é que a onda de cortes disparada pela Sega não se limitou à sua divisão europeia. Para quem adora o passado da editora e usava dispositivos mobile para consumir alguns dos seus clássicos, a má notícia recente foi o fim do programa Sega Forever.

Lançado em junho de 2017, a iniciativa visava oferecer alguns dos jogos da empresa que fizeram mais sucesso nas décadas de 80 e 90. Distribuídos gratuitamente, propagandas eram exibidas e se o usuário quisesse se livrar delas, bastaria realizar a compra do respectivo título.

Inicialmente, apenas jogos de Mega Drive estavam disponíveis, mas a ideia era expandir o catálogo e oferecer alguns criados para o Sega Saturn e até Dreamcast. Além disso, a editora planejava expandir o serviço para o PC e consoles, chegando a — de acordo com o diretor de marketing da empresa, Mike  Evnas — algo parecido com uma Netflix para o seu catálogo. Porém, parece que infelizmente isso não acontecerá.

O primeiro indicativo de que algo não estava indo muito bem foi o site do Sega Forever, que apesar de ainda estar no ar, há bastante não recebia uma atualização. Também chamou a atenção o fato da conta no X/Twitter ter passado a tratar mais do passado da empresa, compartilhando curiosidades e pequenos trechos de jogos. Então, quando as publicações por lá pararam no final de agosto, algumas pessoas ficaram desconfiadas.

Eis que nos últimos dias veio aquilo que não gostaríamos de saber. Vários jogos que faziam parte do catálogo do Sega Forever foram simplesmente retirados da App Store e da Google Play Store. Nesse corte, os escolhidos foram: After Burner Climax, Altered Beast, Beyond Oasis, Comix Zone, Decap Attack, Dynamite Headdy, Eswat, Gunstar Heroes, Phantasy Star Classics, Revenge of Shinobi, Ristar, Space Harrier 2 e Vectorman.

Com isso, quem já havia baixado tais jogos ainda poderá jogá-los offline, mas eles não receberão mais atualizações e ao abri-los será mostrado um aviso, com nada tendo sido dito sobre o futuro daqueles que continuam disponíveis nas lojas do Android e iOS.

Embora boa parte do catálogo da Sega esteja disponível de outras formas, é uma pena que essa iniciativa não tenha sido levada adiante. A ideia de oferecer esses clássicos gratuitamente, com suporte a controle e nos dando a opção de comprá-los por valores acessíveis sempre me agradou, mesmo reconhecendo que nunca joguei um dos que estavam disponíveis dessa maneira.

Contudo, essa é mais uma aposta da Sega que pelo jeito não deu muito certo e me pergunto qual será o próximo projeto deles que não resistirá a impaciência dos diretores/acionistas.

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