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Quando a Sega achou que estava matando a Sony

Documentos de 1996 vazam e mostram que o presidente da Sega of America, Tom Kalinske, "acreditava" que o Saturn poderia vencer o PlayStation nos EUA

41 semanas atrás

Em meados da década de 90 o mundo ainda olhava para a guerra entre Nintendo e Sega, mas havia outro player que prometia sacudir o mercado, a Sony. Passadas quase três décadas daquela iminente disputa, todos nós sabemos o desfecho, mas na época o otimismo pelo lado da fabricante do Saturn estava nas alturas.

Sega Saturn

Crédito: Reprodução/Dori Prata/Meio Bit

Lançado no Japão em 22 de novembro de 1994 e nos Estados Unidos em 11 de maio do ano seguinte, o Sega Saturn foi o videogame de quinta geração dos criadores do Sonic e chegou ao mercado rodeado de expectativa. Com seus jogos distribuídos em CDs, o salto em relação ao seu antecessor seria brutal, mas do outro lado do front havia um adversário poderoso.

Mesmo assim, para tentar motivar seus comandados, o então presidente da Sega of America, Tom Kalinske, lhes enviou um email onde falava sobre como o seu console estava se saindo bem perante o PlayStation. Na mensagem que tinha como assunto “O sucesso do Saturn no Japão,” o executivo escreveu o seguinte:

"Uma coisa é ouvir/ler sobre o quão bem estamos nos saindo no Japão contra a Sony, outra é testemunhar isso pessoalmente. Eu visitei 10 lojas do varejo em Tóquio (a maioria em Akihabara): são as férias de primavera agora, então a multidão de adolescentes/universitários é enorme. Nós estamos matando a Sony. Em cada loja, o Saturn está esgotado e há pilhas de PlayStation. Os varejistas comentaram que não podem comparar a verdadeira taxa de vendas porque o [estoque do] Saturn esgota antes deles poderem mensurar com precisão. Os nossos monitores interativos são melhores, os softwares e estoque são superiores. Não é incomum ver 40-50 cópias do Panzer Zwei ou do Virtua Fighter 2 estocadas até mesmo em pequenas lojas e elas estão vendendo rápido. Gostaria de poder levar todos os nossos funcionários, vendedores, varejistas, mídia, etc., para que vissem e entendessem o que está acontecendo no Japão; eles então poderiam entender por que eventualmente venceremos nos Estados Unidos.

Como podemos mostrar isso na E3?"

Crédito: Reprodução/Ominae/Wikimedia Commons

Disparado para os funcionários em 28 de março de 1995, logo, pouco antes da E3 daquele ano, a mensagem positiva de Kalinske não se sustentou por muito tempo. Com a Sony revelando que o PlayStation estava chegando aos Estados Unidos, a Sega correu para garantir que o Saturn estivesse nas lojas antes, para assim tentar construir a maior base instalada possível.

O problema é que esse atropelo das etapas fez com que aquele videogame fosse lançado com uma biblioteca modesta e com cada aparelho sendo vendido por US$ 399, as pessoas não se empolgaram com a oportunidade. Para piorar, durante a E3 a concorrente revelou que o PlayStation custaria apenas US$ 299, um golpe do qual o Saturn nunca se recuperaria.

Do lado dos varejistas também não havia muitos motivos para continuar vendendo o sucessor do Mega Drive. Embora cada unidade custasse apenas US$ 232 para ser produzida, a margem de lucro para as lojas era de apenas 6%, fazendo com que cada venda lhes rendesse apenas US$ 15, o que despertou o temor dentro da Sega de que o mercado simplesmente poderia parar de disponibilizar o aparelho.

Porém, ninguém pode acusar Tom Kalinske de ter sido ingênuo quando escreveu aquele email. Apenas três meses após ele “prever” a vitória da sua empresa nos Estados Unidos, o presidente da Sega of America deixou a companhia. Talvez a incredulidade no sucesso do Saturn tenha influenciado na decisão, mas o que certamente pesou foi a maneira como ele passou a ser tratado pelos japoneses.

“[Após o fim da geração 16-bit] a situação mudou drasticamente,” afirmou Kalinske. “Eu passei de onde era capaz de fazer o que quisesse, para de repente, passar a ser comandado. E na época, eu realmente não entendia o que estava acontecendo. Nós fomos bem-sucedidos, então não entendi por que de repente todas as decisões estavam sendo impostas pelo Japão.”

Crédito: Reprodução/Adam Valstar/Unsplah

Segundo o executivo, tudo o que a Sega of America falou sobre o Saturn foi ideia dos japoneses. Ele garante que existia o conhecimento de que não haveria unidades suficientes do console para serem postas à venda e que contra a vontade dos americanos, o videogame foi anunciado cinco meses antes do previsto.

Boa parte dessas informações só vieram à tona agora, graças ao vazamento de um documento com 272 páginas (PDF) que apareceu no site Sega Retro. Nele podemos encontrar uma enorme quantidade de informações sobre aquele período da empresa, do número de cópias vendidas para alguns jogos, até a reprodução de propagandas veiculadas em revistas ou as estratégias que poderiam ser adotadas para aumentar a vendas de títulos que estavam por vir.

Como ter acesso a esse tipo de material é algo muito raro, mesmo tendo se passado quase três décadas desde a sua criação, o vazamento divulgado pela conta MegaDriveShock (obrigado pela dica, @GalvaMaximus) tem sido um prato cheio para quem gosta de conhecer os bastidores das fabricantes de videogames. Com ele podemos saber, por exemplo, que a Sega reconhecia a superioridade gráfica do PlayStation em alguns jogos, como no WipEout e no Destruction Derby.

“Os produtos (software) da Sony parecem melhores que os nossos,” diz uma parte do memorando. “[...] os PlayStation são mais comercializados que o Saturn, resultando em maior exposição e amostragem.”

O documento também falava sobre a divulgação do console rival ser melhor e que tanto o Sega CD quanto o 32X prejudicaram a percepção que o público tinha da Sega. Outros fatores que teriam ajudado o PlayStation seriam o fato dele ter sido lançado depois, passando a ideia de ser um videogame tecnicamente superior e a boa imagem que a Sony havia criado com os seus eletrônicos.

Sega Saturn

Crédito: Reprodução/Kuba Bożanowski/Wikimedia Commons

Com o Sega Saturn tendo falhado também no campo dos jogos de esportes, reverter aquela situação se tornou algo quase impossível. A divisão norte-americana da empresa até tentou sugerir outras maneiras de fazer isso, como levar alguns dos jogos mais populares dos arcades para o console; focar num público acima de 12 anos; lançar jogos que suportassem partidas online; ou utilizar polígonos ao invés de sprites — curiosamente ignorando um dos pontos altos daquele aparelho.

Infelizmente essa volta por cima não aconteceu e o Sega Saturn acabou rendendo muito menos do que poderia. Hoje aquele videogame é cultuado pelo pessoal que admira retrogames e mesmo com todos os seus problemas, recentemente fiquei muito feliz por ter conseguido adquirir um em boas condições.

Tudo bem, ele era inferior ao PlayStation, principalmente na oferta de jogos, mas seja pelo saudosismo, seja por não depender apenas dele para jogar, atualmente tenho um grande carinho pelo console que, um dia Tom Kalinske achou que seria um matador de gigantes.

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