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Unity, taxa sobre instalação de games e a ira dos indies

Unity cobrará taxa sobre instalações de games que usam a engine a partir de 2024; desenvolvedores indie despejam críticas contra a medida

26 semanas atrás

A Unity Technologies, empresa responsável pela engine (motor gráfico) Unity, fez jus ao nome ao unir quase toda a comunidade de desenvolvedores... contra ela. Um anúncio publicado nesta terça-feira (12) introduziu uma nova e polêmica taxa a ser cobrada a partir de 2024, sobre cada instalação de jogos feita após um certo limite.

A Unity está por trás de vários títulos de sucesso como Pokémon Go, Rust, Cuphead e Hollow Knight, e é extensamente usada por estúdios e desenvolvedores indie, os mais afetados pela nova cobrança, que pode escalar a valores muito acima da receita dos mesmos.

Taxa sobre instalação de games desenvolvidos em Unity pegou todo mundo de surpresa (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Taxa sobre instalação de games desenvolvidos em Unity pegou todo mundo de surpresa (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

A postagem publicada no blog da Unity discorre sobre mudanças no sistema de cobrança em geral, que incluem o fim do plano de assinatura Plus, no que os que contrataram o pacote serão automaticamente migrados para a modalidade Pro, mais cara (~US$ 12 mil/ano).

A Unity Technologies diz que estes pagarão o preço da Plus "por um ano", mas depois disso, ou desembolsam mais dinheiro, ou que usem limitadíssimo plano Personal, mas esta nem foi a mudança mais polêmica. Tal "honra" coube à chamada "Taxa de Tempo de Execução Unity" (Unity Runtime Fee, no original em inglês), que começa a valer em 1.º de janeiro de 2024, para todos os projetos que usam o motor gráfico, passados e futuros.

Os critérios para a cobrança variam conforme o plano de acesso contratado, sendo uma combinação de ultrapassagens de limiares, entre a receita dos últimos 12 meses, e o número de instalações do game ou projeto em inúmeros sistemas. Nos planos Plus e Personal, sendo que este é de uso gratuito, estes limites são de US$ 200 mil e 200 mil instalações, respectivamente, já para assinantes dos pacotes Pro e Enterprise, os limites são de US$ 1 milhão e 1 milhão de instalações.

A taxa será cobrada sobre cada instalação que ultrapasse o limite, não importa se no Windows, macOS, Linux, consoles da Sony, Microsoft e Nintendo, ou em iPhones, iPads e dispositivos Android. Nos planos Personal e Plus, ela será um valor fixo de US$ 0,20 por, ou US$ 0,02 caso o estúdio/desenvolvedor seja de um "mercado/país emergente", como Índia e Brasil.

Os assinantes dos planos Pro e Enterprise terão um benefício na forma de cobranças regressivas, no que o valor da taxa individual diminui quanto maior for o número de instalações excedentes, chegando a respectivos US$ 0,02 e US$ 0,01 acima de 1 milhão de dispositivos, ou metade desses valores para devs emergentes.

Tabela de preços da Taxa de Tempo de Execução Unity (Crédito: Reprodução/Unity Technologies)

Tabela de preços da Taxa de Tempo de Execução Unity (Crédito: Reprodução/Unity Technologies)

O anúncio original da Unity Technologies causou comoção e reações típicas do cenário de FUD (Medo, Incerteza e Dúvida), visto que a empresa não elaborou como os valores a serem pagos serão calculados, e se havia ou não um programa de isenção. Stephen Totilo, ex-editor chefe do Kotaku e hoje autor do Axios, entrou em contato com a empresa em busca de informações, mas isso só serviu para complicar ainda mais as coisas.

Segundo informações passadas a Totilo pela própria Unity, o cálculo levaria em conta múltiplas instalações feitas pelo mesmo usuário, seja o ato de desinstalar e reinstalar (atualizações de hardware também contam), ou acessar o game em mais de um dispositivo próprio.

Jogos desenvolvidos para fins de caridade, ou distribuídos em pacotes (bundles) estariam isentos, mas também não elaborou como classificaria tais títulos.

Não obstante, desenvolvedores começaram a fazer as contas e a entrar em contato com a Unity, e revelaram que tudo seria contabilizado, o que a princípio incluía games multiplataforma, demos, jogos gratuitos e/ou distribuídos sem DRM, e os pontos mais críticos: distribuição em planos de assinatura como Xbox Game Pass, PlayStation Plus e GeForce Now, seja instalado ou via streaming, e... pirataria.

Exatamente isso, a Unity também vai cobrar por cada instalação de um game ou software pirata em um PC, algo que os desenvolvedores não conseguem controlar.

Desnecessário dizer que a reação por parte da comunidade, em especial os indies, foi imediata e intensa. A desenvolvedora brasileira Tiani Pixel, co-fundadora do estúdio Pixel Punk, que entregou o belo Unsighted, disse no X (ex-Twitter) que a taxa tem o potencial de matar seu próximo projeto, que vem sendo criado no motor gráfico, a menos que as políticas sejam revistas.

Já Rami Ismail, da extinta Vlambeer (Ridiculous Fishing, Lufthausers, Nuclear Throne) publicou uma série de comentários na rede social, criticando a cobrança retroativa e o fato de que, basicamente, qualquer modelo de negócios usado por devs pequenos, que não fazem muito dinheiro, poderão se reverter em dívidas enormes.

Mike Blackney, do indie Dead Static Drive, demonstrou esse cenário com um exemplo simples:

Como se não bastasse, o formato de negócios inicial da Unity viabilizaria ataques de grupos de jogadores a estúdios e games, por vários motivos, apenas desinstalando e reinstalando um mesmo título inúmeras vezes.

Embora muitos pudessem usar essa estratégia para atacar títulos grandes lançados com bugs, ou protestar por modelos de monetização injustos, devs apontaram o óbvio e inevitável cenário de que grupos de extrema-direita usarão a tática para atacarem estúdios e desenvolvedores negros ou de outras etnias, da comunidade LGBTQIA+, ou os que lançam games críticos a políticos, por estes advogarem por representatividade e inclusão nos games, e por suas posição contra discursos de ódio.

Pixel Punk seria um alvo em tal cenário, por ser uma mulher trans, e pelo fato de Unsighted ter abordado a questão da representatividade em seu roteiro.

Depois que a bomba explodiu e as críticas vieram de todos os lados, a Unity tentou remediar a situação e revisou algumas regras. A taxa por múltiplas instalações de um mesmo usuário caiu, passando a contar apenas a primeira (provavelmente por dispositivo), e a inclusão de um game no Game Pass ou PS+ não se reverterá em cobrança para o desenvolvedor.

Claro, tem pegadinha: a taxa passará a ser cobrada da plataforma, ou seja: digamos que um game, presente no iPhone e Game Pass, é instalado 2 milhões de vezes em cada plataforma. Apple e Microsoft terão que, cada uma, pagar à Unity US$ 400 mil por mês, se o dev for usuário do plano Personal e morar nos Estados Unidos, ou US$ 40 mil/mês caso seja de um país emergente.

Como Mike Blackney apontou no X, há a possibilidade bastante real de que Apple, Google, Microsoft, Sony, Nintendo, Valve, GOG e outras lojas para PC, barrem a submissão de games desenvolvidos em Unity a partir de janeiro de 2024, para não terem que pagar nada, e isso pode inclusive ser estendido a jogos já presentes em suas plataformas, que poderiam ser sumariamente removidos, pois a taxa é retroativa.

É uma questão do que será mais "barato" para as empresas, se entubar a cobrança dos games já lançados, ou apagar tudo e ressarcir os jogadores, mas é bem provável que novos títulos não sejam aceitos num futuro próximo.

Vários desenvolvedores apontaram para o óbvio cenário em que muitos estúdios pequenos (os grandes têm dinheiro o bastante para contornar tais problemas) terão que investir mais tempo e dinheiro para, em um cenário extremo, abandonar a Unity e migrar para outro motor gráfico, como a Unreal Engine 5, considerada mais amigável, mas que, como manda a oferta e procura, pode se tornar menos interessante (leia-se mais cara e restrita) se o número de usuários aumentar significativamente.

Por fim, mesmo com a Unity tendo revisto alguns dos pontos mais polêmicos sobre a taxa de instalação de games, o estrago já foi feito: somando-se este caso ao lançamento recente de ferramentas que usam IAs generativas, no que a empresa foi acusada de compactuar com o roubo de trabalhos autorais de artistas, a mesma já vem sendo considerada não confiável.

Em uma mensagem privada enviada ao site Kotaku, o desenvolvedor indie Xalavier Nelson Jr. (El Paso, Elsewhere) explicou como a comunidade se sente agora em relação à Unity Technologies:

"Esse é o perigo que jogos modernos correm, com os ciclos de desenvolvimento se tornando cada vez mais complexos, demorados e sujeitos a uma enorme dependência (...). Quando uma decisão como essa é anunciada, e você já está há 3 anos em uma jornada (desenvolvimento de um game) de 5, você tem pouca ou nenhuma escolha.

Você está preso a um parceiro que pode atuar de modo ativo contra os seus interesses, e ele é alguém em quem você não pode confiar."

A Unity defende a cobrança da taxa, dizendo que "cerca de 10%" dos desenvolvedores terão que pagar a taxa, baseado nos limites que a companhia estabeleceu, mas não esclareceu como o cálculo será feito, e nem o fará, se limitando a dizer que usarão "um modelo de coleta de dados proprietário".

No mais, grupos de desenvolvedores estão se organizando e pretendem entrar com uma ação coletiva contra a Unity, caso todo o plano não seja revisto.

Fonte: Kotaku

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