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Inteligência artificial e a remasterização do Broken Sword

Criador do Broken Sword - Shadow of The Templars diz que sem a ajuda da inteligência artificial, não conseguiria criar uma remasterização para o clássico

35 semanas atrás

A utilização de inteligência artificial na criação de jogos é algo que segue dividindo opiniões. Enquanto algumas pessoas acham essa prática nociva, inclusive temendo o desemprego de artistas, outras defendem que as máquinas poderão acelerar e até melhorar alguns projetos. Já no caso daqueles que estão resgatando o clássico Broken Sword: The Shadow of the Templars, contar com a ajuda da tecnologia foi uma questão de “sobrevivência”.

Broken Sword - Shadow of The Templars: Reforged

Crédito: Divulgação/Revolution Software

Recentemente a Revolution Software pegou muita gente de surpresa ao anunciar que está trabalhando não em um, mas em dois jogos da lendária franquia de adventures nascida em 1996. Além do inédito Broken Sword: Parzival’s Stone, o estúdio inglês também está debruçado sobre o Broken Sword - Shadow of The Templars: Reforged e segundo o seu criador, isso só está sendo possível por causa da inteligência artificial.

Tal revelação foi feita ao site Polygon, com quem Charles Cecil conversou sobre o tema. Segundo o game designer, o jogo conta com mais de 30 mil sprites desenhados a mão, com cada um deles levando cerca de uma hora para serem refeitos e ao custo de até 20 libras esterlinas. Logo, o valor necessário para o processo de remasterização seria altíssimo.

Após ver a reação negativa que a direção artística do Return to Monkey Island teve, Cecil decidiu que o melhor seria a nova versão do seu jogo contar com gráficos mais bonitos, mas sem perder a essência do original. Eles então submeteram as imagens a um processo de upscale, mas o resultado ficou aquém do desejado.

O próximo teste seria a inteligência artificial, mas apesar do estúdio ter desenhado manualmente algumas centenas de sprites manualmente e os enviados à University of York, o treinamento realizado pela equipe de pesquisa de lá também não ficou tão bom quanto Cecil desejava. O pulo do gato só aconteceu após uma conversa com um engenheiro da Nvidia, que os ensinou a interpolar frames desenhados a mão e gerados pela IA.

Broken Sword - Shadow of The Templars: Reforged

Crédito: Divulgação/Revolution Software

“Ao invés de levar uma hora para fazer cada um, leva entre cinco e dez minutos para criar cada imagem,” explicou o game designer. “Estamos treinando o modelo com nossos próprios sprites... O que realmente focamos são os contornos e os detalhes no corpo, porque não há como as mãos e a cabeça parecerem certos. Então, temos que desenhar manualmente as mãos e as faces.”

Charles Cecil então foi franco ao afirmar o quanto a tecnologia os tem ajudado, algo que ele classificou como um ponto de virada. “Nós simplesmente não tínhamos condições de bancar isso,” disse. “De outra forma, seria impossível e sabe, compartilho as reservas que as pessoas têm sobre a IA, mas no caso dos sprites, você sabe, isso realmente permite que talentosos artistas e animadores de personagens peguem o original e o moldem em algo realmente especial, em vez de ter que passar pelo penoso trabalho de redesenhar tudo novamente.”

A reserva a que Cecil se refere é justamente o risco que a inteligência artificial estaria trazendo para a indústria do entretenimento, com muitos artistas temendo a perda de seus empregos. Esse é um receio justificável, já que muitas empresas têm recorrido abertamente às máquinas para produzir seus jogos e em alguns casos, sendo duramente criticadas por isso.

Curiosamente, um profissional que usou a inteligência artificial como justificativa para se afastar dos games foi Steve Ince, ex-produtor e roteirista justamente da série Broken Sword. Ao anunciar sua aposentadoria, ele disse:

“Os jogos de desenvolveram inacreditavelmente nas últimas três décadas, desde que comecei a trabalhar para a Revolution Software. Preciso admitir que tenho dificuldade em acompanhar. Eu também estou um pouco preocupado com a ameaça da IA e temo que ela possa prejudicar as carreiras de muitos escritores e criativos na indústria de games e além. Portanto, este pode ser um bom momento para me aposentar apenas por este motivo.”

Crédito: Divulgação/Revolution Software

Olhando para os dois lados desta moeda, a pergunta que continua ressoando na minha cabeça é: será que existe alguém errado neste debate? Acho compreensível que artistas, escritores e até programadores tenham receio de perder suas posições, mas os chefes de estúdios não teriam direito de recorrer à inteligência artificial para dar continuidade aos seus projetos?

Usando o Broken Sword - Shadow of The Templars: Reforged como exemplo, estamos falando de uma desenvolvedora que emprega apenas seis pessoas e que certamente teria muita dificuldade em redesenhar uma quantidade tão grande de sprites. Então, se a única saída que eles consideraram financeiramente viável era colocar máquinas para facilitar o trabalho, o melhor seria mandar o projeto para a gaveta?

Pode ser que um dia eu mude de opinião e reveja esta posição, mas por enquanto, acredito que desde que a inteligência artificial seja utilizada como uma ferramenta de apoio, não acho um absurdo estúdios estarem recorrendo a ela. No caso da Revolution Software, não é como se a tecnologia estivesse roubando o emprego de alguém, pois segundo a pessoa responsável pelo estúdio, contratar um ou até mesmo vários artistas para cuidarem dessa parte estava fora de cogitação.

Talvez eu esteja sendo inocente e vendo a situação apenas pelo ponto de vista de um jogador, alguém que está mais preocupado em ter a oportunidade de jogar a remasterização de um ótimo jogo. Mas a verdade é que, se para isso acontecer, uma pequena desenvolvedora teve que adotar uma estratégia que alguns consideram (no mínimo) antiética, penso ser um sacrifício que precisaria ser feito.

Broken Sword - Shadow of The Templars: Reforged

Crédito: Divulgação/Revolution Software

A minha curiosidade agora é saber como o público reagirá à revelação feita por Charles Cecil. Recentemente vimos a Cyan Worlds ser bastante criticada por adotar a inteligência artificial na criação do Firmament, mas aqui temos o agravante que eles a aproveitaram para gerar desde arquivos de textos até a dublagem, passando também por algumas ilustrações. Será que por utilizá-la mais para retoques, o Broken Sword - Shadow of The Templars: Reforged será perdoado?   

Enfim, se o jogo de Charles Cecil poderá causar polêmica por entrar num terreno pantanoso, ele ao menos tentará fugir de debates que poderiam surgir por o mundo ter mudado bastante de quase 30 anos para cá. Isso poderá ser visto em pequenas mudanças feitas no enredo e na maneira como alguns personagens foram criados, como, por exemplo, um estereotipado vendedor de tapetes sírio que encontramos durante a aventura.

O game designer também citou outra passagem que atualmente não seria bem aceita pelo público, quando a jornalista Nico Collard está amarrada e o outro protagonista, George Stobbart, pode lhe beijar. “São apenas três ou quatro mudanças muito, muito pequenas,” afirmou Cecil. “Mas sabe, o exemplo daquele personagem, eu fiquei envergonhado com isso desde o início. Portanto, é maravilhoso poder ajustá-lo [...], mas sem perder o charme central que existia.”

Broken Sword - Shadow of The Templars: Reforged está previsto para ser lançado em algum dia de 2024, com versões para PC, dispositivos mobile e consoles (ainda não especificados). Caso não queira esperar até lá, a versão do diretor baseada no original pode ser adquirida no Steam por apenas R$ 8,49.

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