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System Shock, Firmament e a influência da IA

Enquanto criadores do System Shock descartaram a utilização de inteligência artificial no jogo, a Cyan Worlds tem sido criticada por utilizá-la no Firmament

40 semanas atrás

Usar inteligência artificial no desenvolvimento de jogos ou não, eis a questão... Antes parecendo algo distante, possível apenas na ficção, hoje a contribuição da tecnologia já é uma realidade, mas alguns estúdios seguem reticentes quanto a recorrer a este tipo de ajuda e até pelo simbolismo, talvez ninguém melhor do que os responsáveis pelo remake do System Shock para falar sobre o assunto.

SHODAN, via IA - System Shock

Crédito: Divulgação/Prime Matter

Criado originalmente pela LookingGlass Technologies, System Shock foi lançado em 1994 e se passava numa estação espacial no ano de 2072. A história do jogo girava em torno de SHODAN, uma inteligência artificial que se torna uma ameaça para todos que habitam o lugar e cuja personalidade se tornou um ícone da narrativa nos games.

Quase duas décadas depois, o clássico está de volta graças ao trabalho do pessoal da Night Dive Studios, mas antes desta nova versão chegar às lojas, a empresa que ficou encarregada de publicá-lo se envolveu numa polêmica. Usando a conta oficial do System Shock, a Prime Matter publicou a imagem que abre esse artigo, acompanhada do seguinte texto:

“Olhe para você, hacker: uma criatura patética feita de carne e osso. Seu corpo, fraco, frágil. Como você pode desafiar uma máquina perfeita? Imagine, como o meu corpo imortal se parece? Criado por uma máquina imortal para uma máquina imortal.”

Até aí tudo bem, uma chamada até interessante que se encaixava bem na atmosfera do System Shock, mas o que incomodou muita gente, foram as duas hashtags presentes no final da publicação: #midjourney #rogueAI. Somadas a última frase, elas deixavam claro que a ilustração tinha sido feita com uma inteligência artificial e não demorou para que as críticas surgissem.

Para tentar amenizar a situação, a conta respondeu dizendo que eles estavam usando uma IA para imaginar como seria a forma física de uma IA, afirmando que este era o ponto de início da conversa e que não poderia ficar mais “meta” do que isso. Eles também garantiram que a ideia nunca foi utilizar a tecnologia para criar artes conceituais, apenas aproveitá-la para imaginar como a inteligência artificial se vê.

System Shock

Crédito: Divulgação/Prime Matter/Night Dive Studios

Porém, as justificativas não parecem ter sido suficientes para estancar as reclamações, com diversas pessoas dizendo que eles deveriam pagar um artista para fazer esse trabalho ou que nem comprariam mais este novo System Shock.

Baixada e poeira e com o jogo já disponível, o diretor de negócios do Night Dive Studios foi questionado se eles chegaram a recorrer à IA para ajudar no desenvolvimento e Larry Kuperman garantiu que isso nem chegou a ser considerado. “Cada aspecto do jogo, particularmente com o estilo de arte, foi intencional e deliberado,” afirmou. “Queríamos fazer algo com um visual moderno, mas que também claramente fizesse uma homenagem ao estilo original. Isso é algo que apenas os nossos artistas humanos (risos), nossos sacos de carne, seriam capazes de criar.”

Já para Stephen Kick, CEO do estúdio, um grande problema naquela situação esteve na mensagem em si. Para ele, ao utilizar a imagem da SHODAN criada pela Midjourney, foi fácil as pessoas traçaram uma linha entre a maneria como a personagem se torna má e o medo com que as pessoas estão encarando a ideia de uma IA se tornar senciente.

No entanto, Kick não descartou a presença da tecnologia na criação de jogos. “Em termos de utilizar a IA para o desenvolvimento de jogos, acho que haverá espaço para isso, mas ela nunca substituirá realmente o lado humano das coisas,” declarou o executivo. “Se for usada como uma ferramenta, então poderá haver um bom equilíbrio.”

Crédito: Divulgação/Cyan Worlds

Este parece ser mesmo um caminho sem volta, mas aqueles que já se dispuseram a traçá-lo estão se vendo obrigados a encarar a insatisfação de parte dos jogadores. Um exemplo disso é o pessoal da Cyan Worlds, que recentemente lançou o Firmament. Financiado coletivamente através de uma campanha que aconteceu em 2018, ele teve uma recepção mediana tanto por parte da crítica quanto do público,

O que muitas pessoas não sabiam era que, para criar esse jogo o estúdio consagrado pela série Myst recorreu à inteligência artificial e a lista de pontos que receberam este auxílio é extensa: “diários, logs, checklist, jornais, histórias, músicas, poemas, cartas, papéis espalhados; todos os porta-retratos de apoiadores; todos os porta-retratos de fundadores; as pinturas de ‘por do sol’; os papéis de parede art-noveau nos corredores do dormitório Swan; faixas de propaganda; kits de adesivos; todas as vozes de mentores, locutores, fundadores e outros discursos, conteúdo exclusivo para apoiadores.” Ufa!

Segundo a desenvolvedora, a contribuição da inteligência artificial para a criação do Firmament não passou disso, uma ajuda. Como exemplo eles citaram o conteúdo sonoro, que teria sido interpretado inteiramente por atores reais, cabendo à tecnologia apenas tratar o “timbre, volume e tom” das vozes e sempre com a anuência dos dubladores.

Detalhe: embora o jogo credite a utilização da inteligência artificial na dublagem, o mesmo não acontece com aqueles que emprestaram suas vozes para dar vida àquele universo. A Cyan Worlds também não explicou qual foi o papel da IA na criação de partes tão importantes para um jogo assim, como os muitos documentos e pedaços da história que encontramos pelo cenário. Será que eles recorreram a algo como o ChatGPT para criar esse conteúdo? Será que um ser humano ficou responsável por apenas dar um acabamento a esses textos? E quanto as artes, será que todo o trabalho sujo também foi relegado a uma máquina? Talvez nunca saibamos.

Crédito: Divulgação/Cyan Worlds

Vale lembrar que na época em que o jogo foi financiado, ele arrecadou mais de US$ 1,4 milhão no Kickstarter e por mais que eu saiba que esse é um valor que pode ser considerado baixo para um título de médio/grande porte, ele foi superior ao valor inicial estipulado pela desenvolvedora. Então, a minha dúvida é: eles calcularam mal a quantia que precisavam ou desde o início já estavam planejando recorrer à inteligência artificial?

Independentemente de qual tenha sido o motivo, é quase unanime a opinião de que, por mais que aqueles que estão se valendo desta tecnologia não estejam fazendo algo errado, no mínimo estão agindo de maneira antiética e no caso do Firmament, isso se intensifica por a prática não ter sido revelada desde o início.

Este é um debate que ainda parece muito longe de ter um desfecho e provavelmente ainda veremos muitas críticas e desculpas surgindo nos próximos meses. E isso porque ainda nem chegamos nas grandes editoras ou desenvolvedores. Se hoje as pessoas estão revoltadas com estúdios menores “apelando” para a IA, imagine o que acontecerá quando uma Take-Two, uma Activision, uma EA ou uma Ubisoft fizerem o mesmo, o que é apenas questão de tempo.

Fonte: VG247 e Kotaku

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