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Alan Wake, Stephen King e o programa Dollar Baby

Segundo Sam Lake, a frase de Stephen King que aparece no início do Alan Wake foi cedida por apenas US$ 1. Prática é relativamente comum para o escritor

37 semanas atrás

Eu sempre gostei muito de histórias de terror e entre os meus autores preferidos, aquele que mais gosto é o Stephen King. Imagine então a minha alegria quando joguei Alan Wake pela primeira vez, título que considero "o melhor jogo baseado numa história do King, mas que ele não escreveu".

Alan Wake

Crédito: Divulgação/ Remedy Entertainment

Lançado em 2010 para PC e Xbox 360, aquela criação da Remedy Entertainment contava a história de Alan Wake, um renomado escritor que vai passar férias na pequena cidade de Bright Falls, Washington. Pouco após chegar lá, o protagonista descobre que sua esposa desapareceu e os eventos mostrados em seu último livro — que ele não lembra de ter escrito — estão ganhando vida.

Sempre considerei que essa é uma premissa que poderia muito bem ter sido proposta por Stephen King e os criadores do jogo nunca esconderam que seus livros tiveram influência na produção. Isso está presente até mesmo na abertura do Alan Wake, quando podemos ler as seguintes palavras:

“O Stephen King certa vez escreveu que ‘os pesadelos existem além da lógica e há pouca diversão nas explicações; eles são antiéticos à poesia do medo.’

Em uma história de terror, a vítima fica perguntando ‘por quê?’ Mas pode não haver explicação e não deveria haver. O mistério sem resposta é o que permanece conosco por mais tempo e é aquilo que nos lembramos no final. Meu nome é Alan Wake, sou escritor.”

Alan Wake

Crédito: Divulgação/ Remedy Entertainment

Servindo como uma bela introdução para toda a loucura que viveremos pelas próximas horas, usar uma frase do mestre do terror foi uma sacada brilhante da Remedy Entertainment. O que eu não sabia é que por pouco ela poderia não ter sido aproveitada. Bem pouco mesmo, coisa de US$ 1.

Essa história extremamente saborosa foi contada por Sam Lake, diretor de criação do estúdio finlandês e que conversou com o site Eurogamer enquanto se preparava para palestrar no Tribeca Festival.

“Criando o Alan Wake original, eu realmente queria desesperadamente uma citação dele para começar,” revelou o também roteirista. “Pelo que entendi, ele queria US$ 1 para obtermos os direitos de uso. [Ele] foi muito generoso.”

Retirada de um artigo que Stephen King publicou em 2008 na revista Entertainment Weekly e onde discutia a dificuldade que Hollywood tinha para capturar o medo, a frase pode ser considerada uma grande conquista. Porém, o próprio Lake admitiu que aquele não foi um privilégio exclusivo do seu estúdio, já que o escritor costuma “vender” suas criações por US$ 1 (sim, UM dólar!) para alguns projetos.

Famoso também pelo seu lado filantropo, King mantêm uma fundação em conjunto com sua esposa e entre suas contribuições estão a ajuda a escolas, bibliotecas e até departamentos de bombeiros. Mas como um dos autores mais prolíficos do gênero e que já escreveu mais de 200 contos, permitir o acesso a essas obras talvez seja a sua mais importante devolução a quem está começando.

Alan Wake

Crédito: Divulgação/ Remedy Entertainment

Conhecido como programa Dollar Baby (ou Dollar Deal), a ideia é permitir que estudantes, cineastas iniciantes e produtores de teatro adaptem alguma das histórias curtas criadas por Stephen King, com essas pessoas precisando pagar apenas US$ 1 para isso.

Tal conceito surgiu há bastante tempo, quando o escritor começou a fazer sucesso. Ele falou sobre isso na introdução que escreveu para o roteiro publicado do filme Um Sonho de Liberdade, baseado no conto Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank, que por sua vez está presente no livro Quatro Estações:

“1977 foi o ano em que jovens cineastas — estudantes universitários, em sua maioria — começaram a me escrever sobre histórias que eu havia publicado (primeiro em Sombras da Noite, depois em Tripulação de Esqueletos), querendo fazer curtas-metragens baseados nelas. Apesar das objeções do meu contador, que viu todos os tipos de problemas legais, estabeleci uma política que ainda levo comigo hoje. Concederei a qualquer estudante de cinema o direito de fazer um filme a partir de qualquer conto que eu tenha escrito (não os romances, isso seria ridículo), desde que os direitos dos filmes continuem sendo meus para cedê-los.”

Ainda segundo King, além do dólar pago pela concessão, a outra parte terá apenas que se comprometer a não exibir o filme comercialmente e enviar uma fita com o trabalho finalizado. Publicada em 1996, a proposta segue valendo até hoje, inclusive com o autor mantendo uma página em seu site onde lista os contos que estão disponíveis atualmente, assim como um formulário para os interessados em fechar negócio.

Aqui vale um adendo: Um Sonho de Liberdade, um dos filmes mais cultuados de todos os tempos, foi dirigido por Frank Darabont, um participante do programa Dollar Baby. Em 1983 ele adquiriu os direitos e produziu uma adaptação para o conto The Woman In The Room e aquilo abriu as portas para que o rapaz criasse roteiros para vários filmes, até que em 1992 acabaria sendo indicado ao Oscar pela emocionante história protagonizada por Andy Dufresne.

Um sonho de Liberdade, de Frank Darabont (Crédito: Divulgação/Columbia Pictures)

Porém, no caso do Alan Wake aparentemente Stephen King abriu uma exceção para suas regras, afinal o jogo seria um produto comercial e renderia alguns milhões aos seus criadores, inclusive com uma continuação estando no forno.

Talvez ele tenha se sensibilizado com a homenagem que o jogo lhe faria, talvez tenha apenas se enxergado naquele personagem que, assim como muitos dos seus, também é um escritor que precisa lidar com situações sobrenaturais.

Contudo, o importante é que King não dificultou a utilização de uma das suas muitas frases, mesmo com ela não tendo vindo diretamente de um livro. Tudo bem, o jogo não seria pior caso não contasse com aquela introdução e a associação com as obras do autor aconteceria da mesma maneira. De qualquer forma, acho bacana ver os videogames citando outras mídias, uma demonstração de que seus criadores também possuem ídolos, assim como nós.

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