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7 tecnologias que o Brasil acabou nunca adotando

Algumas tecnologias usadas em países mais avançados demoraram tanto para chegar no Brasil que às vezes nem deu tempo, e foram superadas.

38 semanas atrás

Algumas tecnologias exemplificam bem a frase de William Gibson, “O futuro já está aqui, só não está distribuído uniformemente.” – há várias delas que foram adotadas -e abandonadas- por países de Primeiro Mundo, mas demoraram tanto para chegar para a gente aqui no mato, que acabamos pulando essas tecnologias e adotando o que veio depois.

A boa e velha tecnologia de antigamente, segundo a IA. (Crédito: Stable Diffusion)

Isso pode ser visto em muitos lugares da África, onde a infraestutura de telecomunicações era primária ou inexistente, e com o tempo lugares que nunca viram uma linha telefônica fixa passaram a ter cobertura de celular.

Vilas sem nenhum tipo de banco ou caixa eletrônico passaram a negociar com transferências via SMS, uma gambiarra sensacional, que deixou muito executivo de banco de Primeiro Mundo abismado com a idéia.

Nem todo exemplo é tão dramático, claro, mas foi possível compilar oito tecnologias que nunca pegaram no Brasil. Em alguns casos foram até implantadas, mas ninguém se interessou. Em outros, pulamos completamente. Vamos a elas:

1 - TIVO

Quando o Videocassete surgiu, foi um Deus-nos-acuda, as emissoras de TV nos EUA entraram com ações na Justiça que foram parar na Suprema Corte, no emblemático caso de 1984 Sony Corp. of America v. Universal City Studios, Inc. A alegação era que tecnologias como o videocassete violariam o copyright das emissoras, pois as pessoas poderiam gravar os programas e emprestar ou vender para os amigos.

Um Tivo Series 2. (Crédito: Jared C. Benedict / Wikimedia Commons)

Não vou negar nem confirmar que nos Anos 90 consegui contato de um sujeito que vendia episódios de Star Trek gravados da TV nos EUA, mas divago.

Nós gravávamos programas para ver depois, ou programávamos o videocassete para gravar um canal enquanto assistíamos outro, era uma tecnologia fantástica, mas o acesso ao acervo ainda era totalmente manual, procurando entre pilhas de fitas.

Nos EUA, em 1999 surgiu um aparelho novo e revolucionário, o TIVO. Era um Digital Video Recorder, um videocassete sem fita. O primeiro modelo, produzido pela Philips tinha um HD de 14GB e capacidade de digitalizar 14 horas de programação.

Um modem era usado para o TIVO discar para uma central e atualizar seu catálogo, com programas, horários e canais.  Você podia configurar o bicho para gravar séries inteiras, assim que fossem ao ar os episódios. Dava para ver TV ao vivo e pausar ou dar rewind no programa.

O TIVO liberou milhões de espectadores da ditadura dos horários das emissoras, você podia assistir suas séries, novelas e programas sob demanda. Só que isso tinha um preço. O equivalente em 2023 a US$912,75.

No Brasil o preço foi um dos principais dificultadores. Os DVRs nunca se popularizaram como produto para consumidor final. A Sky chegou a ter um decodificador com DVR, eu tenho um em algum armário, tirei o HD de 500GB para usar em alguma outra coisa.

Para piorar, a TV brasileira é notória em não respeitar horários, no tempo do videocassete a gente tinha que programar pra começar meia-hora antes e terminar meia-hora depois, e ainda assim de vez em quando perdia parte de um episódio.

Hoje em dia mesmo decodificadores de TV dos baratinhos tem recurso de gravar programas em pendrives, caso liberado pela operadora, mas o hábito simplesmente não existe. DVRs acharam um nicho onde sobrevivem e até prosperam: Guardando imagens de câmeras de segurança.

2 -Pager bidirecional

Sim, eu sou velho, eu tive um pager, mas não tão velho a ponto de ser daqueles que você recebia um sinal e ligava para uma central para ouvir a mensagem. O meu era um Motorola alfanumérico.

Como funcionava? Simples, você telefonava para uma central, dizia o número do destinatário e ditava uma mensagem curta. (mais tarde se tornou possível usar um site pra isso). Infelizmente 99% das vezes a mensagem era “liga pra mim”, ao invés da pessoa explicar o que queria.

Motorola Advisor. O primeiro pager a gente nunca esquece. (Crédito: Hades2k / WIkimedia Commons)

Em tempos pré-celular, responder a mensagem significava procurar um orelhão e ligar, mas surgiram nos EUA tecnologias que resolveriam isso. Pagers alfanuméricos de duas vias, capazes de transmitir um sinal de rádio, assim você podia acusar o recebimento de uma mensagem ou mesmo criar mensagens novas para outros pagers.

No Brasil os pagers demoraram a chegar ao público consumidor, e o investimento não era exatamente imenso, então o serviço era o que tinha, ninguém queria investir em upgrades para redes bidirecionais, e quando as empresas perceberam, os celulares e o SMS haviam chegado.

O pager bidirecional morreu sem nem ter nascido, dizimado pelo “torpedo”, e isso na época em que o SMS era pago.

3 - Telefone de Carro

Nenhuma das tecnologias citadas neste artigo é tão chique quanto o telefone de carro. Em filmes dos Anos 70/80 sempre aparecia algum personagem com um telefone no console central e era quase inimaginável esse nível de tecnologia.

Inimaginável, mas não novidade. Os primeiros telefones veiculares nos EUA apareceram em... 1946. Isso mesmo, mal acabou a 2ª Guerra Mundial, o povo (ok, o 1% do 1%) tinha telefone no carro.

A tecnologia pegou mesmo dos Anos 1960 em diante, usando redes locais de torres de rádio, ainda pré-celulares, mas mesmo com a chegada da telefonia móvel celular, muita gente ainda preferia usar os telefones nos carros, ao invés de um tijorola.

Telefone veicular em um Lexus LS 400, de 1992. (Crédito: T. Penh / Wikimedia Commons)

Quando os celulares atingiram tamanhos razoáveis, os telefones veiculares saíram de moda.

No Brasil? Bem, com a telefonia estatal não havia exatamente muito investimento em novas tecnologias, e a ausência de novas linhas telefônicas, e a ditadura dos Planos de Expansão tornavam impossível conseguir uma linha fixa. Telefone no carro? Nem sonhando.

4 - Triturador de Alimentos

Uma coisa que deixava todo mundo com a pulga atrás da orelha nos seriados americanos era o povo limpando os pratos jogando resto de comida no ralo da pia, coisa que a gente aprendia desde cedo a nunca fazer.

Com o tempo descobrimos que toda casa de série americana tem triturador de alimentos nas pias, um equipamento que fragmentava e -bem- triturava o lixo, para que ele não entupisse o encanamento.

Aqui no Brasil nossa referência é basicamente filmes de terror. (Crédito: S.J. de Waard / Wikimedia Commons)

Inventado em 1927, o triturador de alimentos está presente em 50% dos lares americanos, mas é um fenômeno local. No Canadá fica nos 3% e no Reino Unido, 6%. Alguns países querem banir o equipamento para reduzir consumo de água, outros querem incentivar seu uso.

No Brasil, incrivelmente o equipamento é vendido, mas é mais uma das tecnologias que não vão pegar nunca. Em um país onde 50% da população não tem saneamento básico e tem a mesma renda média de um carrinho de pipocas, um equipamento de R$2 mil nunca vai substituir aquela cestinha de lixo nojenta que todo mundo tem do lado da pia.

5 - Venda por Catálogo

O primeiro catálogo de produtos foi produzido em 1498, quando Aldus Manutius, um editor de Veneza publicou uma lista dos livros que estava produzindo e enviou para seus clientes, mas só com a chegada das ferrovias nos EUA que as vendas por catálogo cresceram exponencialmente.

Foram formadas empresas com grandes armazéns que acumulavam todo tipo de produto. Eles eram listados em catálogos. As pessoas recortavam os anúncios, preenchiam os dados e enviavam pelo correio, junto com o pagamento.

Em 1895 a Sears publicava um catálogo com 532 páginas de produtos, com imensa capilaridade, sendo enviados para o país todo.

Dava pra comprar qualquer coisa pelo correio. (Fonte: Catálogo da Sears, 1912 - Domínio Público)

No Brasil há uma grande indústria de vendas por catálogo, mas nunca tivemos o modelo americano em grande escala. O Brasileiro é muito desconfiado, mandar dinheiro pelo Correio é complicado e aqui não existe aquele procedimento de você usar a sua caixa de correio para ENVIAR cartas.

Comprar por catálogo significaria você ir até uma agência ou achar uma caixa de correio que não tenha sido depredada. Ah sim, e ter selos em casa, que com décadas de inflação, era inviável.

Mesmo assim, o brasileiro sempre acha um caminho. As vendas por catálogo aqui foram viabilizadas com a introdução do intermediário. Ao invés de comprar direto do fabricante, as pessoas compram das vendedoras Avon, Natura e N outros serviços menos conhecidos.

A relação se torna pessoal, você não está mais mandando dinheiro pelo correio, e tem alguém para tirar dúvidas e deixar um catálogo para você folhear com calma.

A Amiga Que Vende Natura é uma instituição que nem o ecommerce conseguiu destruir.

6 - TV Interativa

Em 2007, no finalzinho do ano começaram as transmissões de TV digital no Brasil, usando um padrão meio bizarro seguindo a tradição brasileira de reinventar a roda e torná-la quadrada. O  ISDB-TB é uma versão do padrão japonês, diferente apenas o suficiente para não ser compatível com equipamentos da Terra do Sol Nascente, garantindo uma reserva de mercado informal para os fabricantes nacionais.

A TV digital vinha acompanhada de várias promessas, a maior delas a TV interativa, com a qual iríamos consultar estatísticas de jogos de futebol, acessar detalhes sobre os filmes, ler resumos de novelas, comprar produtos anunciados na tela, jogar videogames rodando direto na TV, etc.

Ninguém quer tv interativa. (Crédito: Divulgação)

Projetos-piloto já existiam nos EUA, Europa e Japão, mas a síndrome da Indústria Nacional falou mais alto como sempre, e tome reinventar (de novo) a roda. Um sistema chamado Ginga, baseado em Software Livre foi desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Uma quantidade bem razoável de dinheiro público foi investido no desenvolvimento do Ginga e das tecnologias de TV interativa, incluindo Leis exigindo que 75% dos aparelhos de TV vendidos no Brasil fossem compatíveis com o sistema. Mesmo assim, não adiantou.

O Ginga era... ruim. Muito ruim. Terrivelmente ruim. As aplicações eram horrorosas, e tinham zero apelo.

O que nem o Governo nem os criadores do Ginga conseguiam entender é que quando o cidadão se joga no sofá pra ver TV depois de 2h no Caxias-Central, em pé cheirando suvaco alheio, ele não quer pensar. Quer ver seu jornal, sua novela e pronto.

Estatística esportiva? Isso é coisa de americano, brasileiro se resume a saber de cor a escalação do time do Flamengo campeão de 1978 - Cantareli, Toninho Baiano, Manguito, Rondinelli e Júnior; Carpegiani, Adílio e Zico; Marcinho, Cléber (Eli Carlos) e Tita (Alberto Leguelé) – e só. Ninguém liga pra chutes a gol, percentual de tempo de bola e outras bobagens.

As tecnologias desenvolvidas para tv interativa forçadas nos aparelhos de TV foram sumariamente ignoradas pelas emissoras e pelos espectadores. As Apps em Ginga eram vergonhosas, e a necessidade de uma conexão internet para interatividade tornavam mais inviável ainda o modelo.

Os fabricantes por sua vez desenvolveram soluções próprias bem mais poderosas e as Smart TVs dominaram de vez o mercado. Hoje, seja joguinhos esquisitos ou a PlutoTV, quase toda TV roda aplicativos próprios, mas lá no fundo, escondido em uma ROM empoeirada, sua TV tem capacidade de rodar Ginga. Mas não se preocupe, ninguém vai forçar a coitada a isso.

7 -Pagamento via Correio

Você já viu a cena: Nos filmes o coroa puxa aquele talão de cheques americano esquisito, preenche, coloca o cheque num envelope e deixa na caixa do correio. “Está paga a hipoteca”. Também era comum pagarem contas normais, tipo luz e telefone dessa forma.

Hoje em dia mesmo nos EUA pagamentos são essencialmente eletrônicos, com exceções tipo aluguel, que ainda trabalham majoritariamente com cheques. No Brasil, curiosamente, isso nunca aconteceu.

Nós usávamos cheque para tudo, era comum uma pessoa consumir vários talões por mês, mas os pagamentos eram todos presenciais. Nunca tivemos a praticidade de pagar algo por cheque pelo Correio.

Aqui na Terra da Lei de Gerson, um cheque enviado pelo correio dificilmente chegaria ao destino. Se chegasse, sumiria, e aí você teria uma tortuosa e longa batalha até provar que o cheque foi enviado, mesmo que estivesse cruzado e endossado.

Algumas contas nos EUA ainda são pagas em cheque nos EUA. (Crédito: Reprodução Internet)

Também não havia a praticidade da caixa de correspondência residencial funcionar como caixa de coleta, era preciso andar até uma caixa de correio, e se você postasse depois do horário de coleta... já era também.

Nós pulamos essa tecnologia e, graças à hiperinflação, desenvolvemos um sistema bancário extremamente eficiente, com soluções como depósito de cheques online. Hoje temos o Pix, que dá voltas em torno de qualquer solução bancária do planeta.

 

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