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Cinco hábitos que a tecnologia simplesmente dizimou

A tecnologia é uma coisa ótima para mudar nossos hábitos, e nem percebemos. Que tal relembrar alguns que abandonamos de vez, tempos atrás?

49 semanas atrás

Algum tempo atrás escrevi sobre tecnologias que melhoraram nos últimos anos, e mencionei de leve hábitos que mudaram, mas parando para pensar, foi mais que isso. Muita coisa que era natural antigamente simplesmente foi dizimada pela tecnologia. Ainda bem.

Mais um artigo trabalhado no saudosismo. (Crédito: Reprodução Internet)

O mais fascinante é que mudanças graduais, quando a gente percebe, se tornam absolutas e bruscas. Eu sei que fui aos poucos abandonando hábitos como preencher cheques, mas a sensação é que um dia acordei e o mundo havia mudado e cheque não existia mais.

Vamos então relembrar cinco hábitos que abandonamos quase sem perceber:

1 – Mix Tapes e gravar música de rádio

Uga chaca Uga chaca Uga chaka. OK, aqui o link da Playlist (Crédito: Peter Quill)

Até o final dos Anos 80 um dos rituais de corte entre jovens era gravar uma Mix Tape para a menina que a gente estava de olho. Isso envolvia pelo menos uma vitrola e um gravador, ou se você desse sorte, acesso ao Som daquele seu amigo que se gabava de todos os equalizadores Nashville que o pai tinha.

Era um trabalho do cão, tudo feito em tempo real, música a música. Mas havia um problema: As músicas mais legais estavam tocando nas rádios, a gente nem sempre tinha em disco ou fita K7. O jeito era ficar monitorando sua estação FM preferida, e assim que a música começasse a tocar, apertar REC (e Play) e rezar pro locutor não enfiar vinhetas no meio da música ou não esperar o final para começar a falar.

Na prática quase sempre era o que acontecia, a chance de gravar a música limpa era nas madrugadas, quando os locutores de plantão apertavam o F (em respeito aos ouvintes que queriam gravar suas músicas) e deixavam as canções rolarem direto sem interrupção.

Sonho de consumo. (Crédito: Reprodução Internet)

Também era comum programas onde você ligava e dedicava uma música a uma menina, mas só os corajosos faziam isso, o risco de zoação no colégio no dia seguinte era bem alto. Lembro também de uma rádio em Bom Jesus do Norte, ES, onde você ia pessoalmente até a estação, pagava algo como R$1,00 e dedicava uma música.

Depois disso, veio o MP3 e montar uma mix tape se resumia a copiar arquivos em um diretório, e mais tarde com Spotify e similares, o trabalho de montar uma playlist é zero, tirando todo o valor da mix tape.

2 – Se perder

Era mais ou menos assim, antes do GPS (Crédito: Image by Joshua Woroniecki from Pixabay)

Eu consigo me perder em qualquer lugar. Sou pior que o Dr Marcus Brody. Já me perdi dentro de um Shopping em São Paulo, do nível ter que pedir ao segurança para me ajudar a achar a saída. Em viagens eu, como todo brasileiro, levava um Guia Abril e um Guia Rex, cansei de parar em estrada para desfraldar um mapa, de forma tradicional e cômica, tentando me achar.

O que eu usava não era tão antigo, juro! (Crédito: Reprodução Internet)

Todo mundo carregava décadas de conhecimento popular sobre como cada povo dava informação, do mineiro, com seu “são só dez passos” que significava dezenas de quilômetros, ao paulista, mal-humorado que não dava informação, ao carioca, que dava a informação alegremente. Errada.

Visitar amigos pela primeira vez, churrascos em sítios, tudo demandava planejamento logístico. A gente fazia e xerocava mapas com instruções de como chegar, pois sem celular, não havia como ligar dizendo “tou perdido”. Um belo dia os celulares se tornaram poderosos o bastante para usar GPS, recursos como o Nokia Maps apareceram  hoje é possível calcular rotas, planejar viagens, escolher os melhores trajetos e até ver no Street View os arredores do seu destino.

iPhone em 2007, o Mapas já funcionava no Brasil. (Crédito: Acervo Pessoal)

É absolutamente ficção científica ter uma caixinha com uma moça dentro que te pega pela mão e acompanha por todos os passos do caminho.

Dica: Use o recurso de mapas offline para não ficar na mão se sua conexão 4/5G não funcionar

3 – Lembrar números de telefone

Mais do que figurar entre hábitos, decorar números de telefone era uma necessidade. Todo mundo sabia de cor e salteado números de casa, de amigos, locais de trabalho e o Disque-Piada, 137. Hoje em dia eu mal consigo decorar o meu próprio número e o de emergência no Reino Unido, “0118 999 881 999 119 725 3”.

Havia toda uma indústria de cadernetas de telefone, desde os modelos minúsculos de bolso aos maiores, de mesa. Com o tempo ficavam desatualizados, com novos números substituindo os rabiscados.

A caderneta de telefones do Sammy Davis Jr. A de todo mundo era essa mesma nojeira. (Crédito: Reprodução Internet)

Números de telefone eram valiosos, era importante que fossem decorados, fora eles não havia outro meio de entrar em contato com empresas e comércios (fora carta e sola de sapato). Os Classificados d´O Globo se basearam no popularíssimo samba de Noel Rosa, Conversa de Botequim:

Nele em um trecho Noel canta:

Telefone ao menos uma vez para 34-4333

O Globo comprou o número 234-4333 e aproveitou o slogan pronto, por muitos e muitos anos, até que foi forçado pela TELERJ a mudar de estação e o número virou 534-4333, o que acarretou uma campanha publicitária imensa para reforçar o novo número.

Um belo dia os japoneses (sempre eles) inventaram a calculadora com Memory Bank, guardando números telefônicos, e em seguida vieram os Organizadores Pessoais, agendinhas que funcionavam como lista telefônica, bloco de notas e calendário, nos modelos mais sofisticados.

Agenda eletrônica com 8Kb de memória. O mais incrível? Ainda vende! (Crédito: Americanas)

Foi o princípio do fim do caderninho de telefone, e com isso nossos cérebros foram liberados de milhares de bytes que agora podiam ser usados para pesquisar a Cura do Câncer, ou guardar trívia de Star Trek. Mais comumente, guardar trívia de Star Trek.

Hoje em dia as pessoas não guardam nem mais a URL do Google. Eu conheci um sujeito que para entrar no Google abria o Cadê, digitava “google” e clicava no primeiro resultado. Uma vez um estagiário veio me perguntar onde baixar os drivers da impressora HP.

“Talvez no site da HP?”

“Mas qual site que é?”

“Sei lá, p##a, já pensou em tentar, talvez, www.hp.com?”

O cara ainda saiu magoadinho me chamando de grosso.

4 – Revelar Fotos

Quiosque de revelação de fotos nos anos 70/80 (Crédito: Reddit)

O Jovem™ não tem idéia de como era limitada a fotografia nos Anos 80 e pra trás. Viagem de férias significava comprar 3 ou 4 rolos de 36 poses, e pensar umas 5 vezes antes de fazer cada foto. Sem nenhuma idéia se o enquadramento, iluminação, foco, obturador estavam corretos.

Depois de cada rolo usado até o fim, rolava (dsclp) o stress de rebobinar sem o filme prender, e então o rolo se tornava um peso morto até a viagem acabar, a menos que você topasse os preços exorbitantes dos serviços de revelação local.

Em casa, você precisava ir até um Shopping ou farmácia, deixar seu rolo de filme, e pagar por cada foto, mesmo as ruins. Você saía com um álbum que era filho único, raríssimas vezes as pessoas usavam os negativos para fazer novas cópias. Esses álbuns passavam de mão em mão, e se uma foto sumisse, era game over.

As câmeras digitais mudaram a forma com que a gente tirava fotos, e muita gente esperou um boom na revelação, com muito mais fotos sendo impressas. Em mesmo tive uma impressora de fotos da HP, que usei várias vezes até ter que comprar mais papel e tinta.

O fogo logo baixou, os smartphones substituíram as câmeras digitais, e é muito mais prático você passear por centenas de fotos na tela, do que em um álbum de papel. As pessoas pararam de imprimir fotos a torto e a direito. Há uma pletora de sites online oferecendo o serviço, mas no dia-a-dia nem avós mostram mais fotos em papel dos netos.

Há até serviços on site tentando capturar esse interesse, mas eu não investiria nessa máquina:

Não acho que o público jovem vá se interessar. Crédito: Acervo pessoal)

5 – Guias de Programação

Revista Super TV (Jornal do Brasil) nº 40 12/02/1999 (Crédito: Issuu)

Antigamente a TV formava hábitos, por pura necessidade. Era comum a gente correr pra chegar em casa e não perder nosso seriado preferido, ou a novela da vez. Quem ditava o horário era a Globo.

Nós, espectadores, acompanhávamos a programação lendo jornais, que traziam a grade do dia, ou com revistas especializadas, que traziam a programação da semana. Muitas vezes a programação mudava, e no caso do SBT, tudo dependia da cabeça do Sílvio, mas a grade era um bom começo.

Lembre-se, depois que um episódio de uma série era exibido, ele só voltaria a passar quando a temporada acabasse, e começasse o período de reprises, o que podia levar meses.

A gente conversava no colégio sobre os filmes da semana, a hora do recreio era a nossa sala de chat. O povo mais velho, principalmente as tias noveleiras, desenvolveram hábitos quase alienígenas: Enquanto hoje a maioria odeia spoilers, as revistas que cobriam novelas traziam resumos da programação às vezes de até duas semanas inteiras.

As mulheres se encontravam e ficavam disputando quem sabia mais reviravoltas e surpresas dos capítulos vindouros, e ninguém se importava, quando assistiam fingiam surpresa.

Entre a garotada o momento mais esperado do ano era quando a Globo anunciava, em março, os filmes do ano. Às vezes a gente nem esperava o dia seguinte, ligávamos para os amigos para comentar “Você viu? Você viu? Segredo do Abismo, cara!”.

Me surpreendeu descobrir que hoje, em 2023, ainda existe essa chamada dos filmes do ano:

A Grade ainda existe nas TVs por assinatura, mas o vídeo on demand libertou o espectador dos grilhões dos programadores dos canais de TV, a não ser no caso de séries hypadas que todo mundo TEM que ver assim que são disponibilizadas.

Hoje fazemos nossa própria grade, no nosso próprio tempo, e não é preciso sair correndo desembestado pelo meio da rua, por ter esquecido que era quase hora da Sessão Espacial na TV Manchete:

 

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