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Resenha: Três Corpos – a magnífica série de Ficção chinesa

Três Corpos é uma série chinesa baseada no aclamado livro de Liu Cixin, uma história complexa e grandiosa

1 ano atrás

O Problema dos Três Corpos, ou apenas Três Corpos, como os fãs costumam encurtar é talvez a melhor coisa que já veio da China desde a pólvora, a bússola e a AliExpress.

Uma cena em um acelerador de partículas (Crédito: Tencent)

Primeiro livro de uma trilogia, O Problema dos Três Corpos foi lançado em 2014. Seu autor, Liu Cixin foi quem cometeu o livro que serviu de base para aquela abominação chamada The Wandering Earth, o filme que conta a história da Terra, movida por foguetes, sendo realocada para outro sistema solar.

Dito assim, é quase cômico ver Liu Cixin sendo chamado de “Arthur Clarke Chinês” e de “um dos maiores autores de ficção científica da atualidade”,  é o equivalente a chamar o Uwe Boll de cineasta.

Sim, é óbvio que eu não li (ainda) O Problema dos Três Corpos, mas fui de mente aberta para a série, afinal, eu gostei até de Velma.

Eu estava errado. Eu nunca estive tão errado. Liu Cixin é um mestre do kung fu shaolin literário. Três Corpos é uma obra-prima da ficção científica, lida com acontecimentos em escala cósmica, tem um senso de grandiosidade que faria Arthur Clarke bater palmas.

Três Corpos – A história da história

Publicado na China em 2007, o livro “O Problema dos Três Corpos” é o primeiro da trilogia “Remembrance of Earth's Past”. Em 2014 o livro foi traduzido para o inglês e publicado nos Estados Unidos, ganhando o prêmio Hugo, o Oscar da Ficção Científica, no ano seguinte.

O caminho inevitável era o cinema, e um longa foi produzido, mas brigas internas e boatos da péssima qualidade fizeram com que o filme finalizado fosse engavetado. Amazon se mostrou interessada, a Netflix estaria produzindo uma série, mas a única coisa concreta que aconteceu foi o lançamento em 2023 de uma série com 30 capítulos, pela Tencent Video, uma espécie de Netflix chinesa.

Sinopse

Três Corpos pode ser sobre uma invasão alienígena, ainda não estou certo, mas se for, é o equivalente à Alemanha de Hitler invadindo uma colônia de bactérias. As escalas são quase comicamente desproporcionais.

A série começa com um cientistas, prestes a realizar um experimento com um acelerador de partículas, recebendo uma mulher misteriosa, que o entrega papéis com os resultados do experimento que ainda não aconteceu.

Algumas horas depois, o experimento acontece, e o resultado é o mesmo dos papéis. Isso é rigorosamente impossível. O cientista depois é encontrado morto, por suicídio, deixando uma nota com as palavras “A Física não existe”.

O policial observa Miao trabalhar (Crédito: Tencent)

Pelo mundo outros cientistas estão morrendo de forma parecida. Wang Miao, um físico especializado em nanotecnologia e fotógrafo amador fica abalado quando Yang Dong, uma jovem e promissora cientista comete suicídio.

Há uma ligação entre as mortes e uma organização chamada Fronteiras da Ciência, e Wang Miao é recrutado por Shi Qiang, um policial investigando as mortes, para se infiltrar, mas nem é preciso. Shen Yufei, a mulher misteriosa, recebe o professor Miao de braços abertos, mas o alerta para parar com seus experimentos.

Miao descobre que suas fotos estão todas marcadas com um contador misterioso, em horas, minutos e segundos. Mesmo as fotos analógicas, feitas com filme, ganham o tal contador. Mais tarde ele passa a enxergar a contagem regressiva em seu campo de visão.

Shen Yufei pede mais uma vez que ele pare com seus experimentos, e como prova dos poderes de quem quer que esteja por trás de tudo, manda que em um dia específico ele observa a radiação cósmica de fundo em micro-ondas, um sinal de rádio muito fraco, produzido durante o Big Bang e encontrado em todo lugar, com a mesma intensidade.

Se você sintonizar sua TV em um canal vazio, exibindo apenas estática, 1% dos pontos na tela são produzidos pela radiação cósmica. Você está literalmente assistindo ao Big Bang (ok, talvez não literalmente) em sua TV.

Um observatório, dentro do jogo (Crédito: Tencent)

Com ajuda de uma amiga, Miao vai até um observatório onde explica a um astrofísico o que quer fazer. O outro cientista diz que a variação na radiação cósmica de fundo é mínima, mas tudo bem, ele tem acesso a três satélites diferentes.

Quando chega na hora marcada, para total incredulidade do astrofísico, a radiação de fundo começa... a variar. Pulsando em lindas ondas quadradas. Vários satélites pegando o mesmo sinal. Desesperado o astrofísico liga para um observatório distante: Estão captando o mesmo sinal.

O UNIVERSO estava piscando. Mais ainda: Miao percebe que os pulsos são separados em curtos e longos. Ele deduz que é código Morse, converte e o Universo está piscando o valor da contagem regressiva.

Miao mal consegue conceber a hipótese de uma raça alienígena capaz de feitos daquela escala. Ele entende que os cientistas que se mataram não conseguiram suportar a ideia de que todo seu conhecimento, toda sua ciência era... nada. Ou estava tudo errado, ou era apenas o básico do básico.

Três Corpos segue com Shi Qiang pressionando Miao mas ao mesmo tempo se afeiçoando ao atormentado cientista, que aproveita um período de manutenção para desligar seus experimentos, a contagem regressiva desaparece de seus olhos, mas quando no dia seguinte os aparelhos são religados, ela volta.

Entre os membros da Fronteira da Ciência também há especulação sobre a contagem regressiva, e Miao é apresentado a uma das hipóteses mais perturbadoras, baseada no Problema da Indução, proposto por David Hume, em 1739.

Digamos que você veja o Sol nascer todos os dias. Você faz cálculos para suportar suas observações, consegue prever o exato momento em que o Sol nascerá em qualquer dia do ano. Suas conjecturas levaram a uma hipótese, que se tornou uma Lei. Exceto que por força da observação, você é induzido a achar que a Lei descoberta é que o Sol nasce no Leste todos os dias.

O mundo dentro do jogo (Crédito: Tencent)

Aí um mini-buraco negro atravessa o Sistema Solar, destrói o Sol e todo mundo tem um péssimo final de semana. Sua Lei Científica estava errada.

Na série é dado o exemplo de uma fazenda de perus. Todo dia um fazendeiro traz alimento para os perus às 11h e vai embora. Os perus enxergam o fazendeiro como um deus benevolente, até que chega o dia de Ação de Graças. O fazendeiro explica para os perus que 11h será a hora da comida. Quando dá o horário, o fazendeiro mata todos os perus.

É uma metáfora apontando para o perigo de focar as narrativas em si mesmo. Os perus nunca questionaram sua situação, e mesmo diante de um aviso explícito, o interpretaram de forma favorável.

Mais adiante Miao é convidado a jogar um MMORPG em Realidade Virtual chamado... Três Corpos. No jogo, o objetivo é sobreviver em um mundo devastado. O mundo é dividido entre Eras Caóticas e Eras Estáveis.

Nas Eras Estáveis o Sol nasce e se põe normalmente. Nas Eras Caóticas o Sol pode não nascer por meses, ou se aproximar e queimar o planeta. O Sol pode nascer por alguns minutos e se por, ou reverter seu movimento. Ninguém conseguiu ainda descobrir o padrão, ou mesmo se há padrão a ser descoberto.

A civilização é sempre destruída no final. Algumas duram várias Eras Caóticas, construindo pirâmides para se proteger. A população possui um recurso... diferente. Você pode escolher se desidratar, se tornando um pedaço de pele ressecada, enrolada como um pergaminho. Outros guardam seu corpo até uma Era Estável, quando você é jogado na água e reidratado.

Shen Yufei diz que aquele é o mundo dos Alienígenas, mas ainda não dá pra saber se ela falou metafórica ou literalmente.

A Produção de Três Corpos

Confesso que não sou muito fã do moderno cinema chinês, prefiro coisas como o maravilhoso Shaolin Soccer ou os deliciosos filmes de kung fu como Operação Dragão Gordo e outras da turma da Ópera de Pequim, como Bruce Lee, Jackie Chan, Sammo Hung, Yuen Biao e muitos outros.

Três Corpos é o oposto do que eu imaginava. Não é parado, a produção tem dinheiro à vontade, não tem draminha nem romancinho e a história... avança. Não sei bem como explicar, estou no episódio 14 e meu conhecimento sobre os aliens aumentou muito pouco, mas mesmo assim sinto que está tudo andando.

Os visuais são bem interessantes (Crédito: Tencent)

A série é uma ode à Ciência, mesmo ela não existindo mais. Wang Miao tem seus momentos de desespero. É compreensível. Ele está vendo todo seu conhecimento científico ser desmentido, e ainda tem um timer nos olhos lembrando-o que em alguns dias algo terrível irá acontecer. Mesmo assim, talvez por teimosia, ele segue adiante.

O Problema Dos Três Corpos

Em Física é trivial você calcular as órbitas de um sistema binário, um planeta e uma lua, por exemplo. Aplicando fórmulas simples você consegue prever a posição dos elementos, sem maiores problemas. A situação começa a complicar quando você adiciona um terceiro corpo.

Três corpos interagindo apenas pela gravidade, de forma caótica (Crédito: Wikimedia Commons / Dnttllthmmnm)

Dessa vez não são dois corpos girando em torno de um centro de gravidade em comum, são três corpos, um influenciando o outro. A cada momento um corpo é influenciado pela gravidade dos outros dois, resultando em um sistema caótico. A única forma de resolver esses sistemas é por força bruta.

O lado curioso de Três Corpos

A série mostra muito do dia-a-dia da sociedade chinesa, ao menos do povo de classe média alta como cientistas, e é interessante ver como estão globalizados. O apartamento de Miao é bem familiar a qualquer um do ocidente, não há aquele fetiche orientalista de botar todo mundo em trajes típicos, como o cinema ocidental adora fazer, em nome da diversidade.

Também há uma razoável quantidade de críticas à Revolução Cultural de Mao Tse-Tung, com uma das personagens penando na mão da polícia política, em um flashback.

O resto do mundo “participa” do problema, mas da mesma forma que nos filmes de Godzilla, o ocidente aparece mais em telas de comunicação, com um ator desconhecido em entradas pontuais, só pra dizer que existe.

Três Corpos é um problema de proporções cósmicas, que desperta um senso de deslumbramento com as escalas envolvidas que dá mais medo que qualquer filme de slasher da vida. A sensação de insignificância é... aterradora. Esqueça Thanos, a sensação de impotência é muito maior.

Não é nem pelo que é dito, é pelo que é inferido, e música, direção, efeitos sonoros, tudo contribui. A cena da radiação de fundo cósmico é assustadora e tudo que você vê é um sinal em uma tela de computador.

Três Corpos é uma das melhores séries de Ficção Científica que já vi, e pelo visto um dos melhores livros que ainda não li. Se você vai assistir uma série de FC chinesa este ano, assista Três Corpos.

Onde assistir Três Corpos:

Como o Partido Comunista Chinês provavelmente é contra a propriedade privada, não devem ficar irritados se eu falar que a série está disponível na Locadora do Paulo Coelho, no bit torrent mais próximo de sua casa.

Claro, você também pode assistir direto no Youtube, a Tencent está disponibilizando os episódios, com legendas em inglês.

Cotação:

10/10 Monolitos

Trailer:

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