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IA: O Tsunami que está prestes a mudar o mundo

IA vai dominar o mundo, fato, mas antes da Skynet chegar ela irá mudar nossas vidas totalmente, e muito rápido

1 ano atrás

O que está acontecendo com a IA já aconteceu antes, e acontecerá novamente, mas não no sentido de apocalipse robótico estilo Battlestar Galactica. Falo no sentido de revoluções tecnológicas.

Cáprica é uma série criminosamente subestimada. (Crédito: Peacock)

O afegão médio não está acostumado a revoluções tecnológicas. Antigamente uma panela durava gerações, famílias aravam a terra com o mesmo arado, e depois de uns 200 anos, quando não dava mais pra consertar, construíam outro igual. Inovação era algo lento e gradual. Algumas indústrias HOJE seriam reconhecidas por artífices de dois mil anos atrás. Uma ou duas horas explicando como funcionam os equipamentos, e um ferreiro da China de 2000 AC poderia competir no Desafio sob Fogo.

Entre o primeiro vôo dos Irmãos Wright e o pouso na Lua, há menos de 60 anos de diferença, mas os fundamentos surgiram bem antes.

Outro exemplo: LEDs, que hoje usamos em qualquer canto, surgiram comercialmente em 1962, mas o primeiro LED foi criado em 1927. Isso depois de 20 anos de pesquisas em cima do fenômeno da Eletroluminescência, descoberto em 1907. É um longo caminho, então é normal que haja um longo caminho entre uma descoberta e sua aplicação prática.

Imaginar no futuro do Ano 2000 um robô que use vassoura é fácil, difícil é prever um Roomba. (Crédito: París no Século XXI, cartões postais de 1899 a 1910, arte de ean-Marc Côté e outros)

É comum, depois que uma tecnologia surge, ela ter crescimento lento e gradual, independentemente de sua taxa de adoção. O automóvel substitui o cavalo muito rapidamente, mas sua evolução tecnológica tem sido lenta e gradual. Nenhum carro “mudou o conceito de carro”, não existe o salto VHS pra DVD do automóvel.

Algumas tecnologias, entretanto, são disruptivas, como a Internet. Parece coisa do Século passado, mas houve uma época em que se comunicar com alguém em outro país envolvia uma ligação telefônica complexa e cara. Os círculos de amizade eram locais, e seu conhecimento se restringia a seu cérebro e aos livros em sua casa.

Em tempo recorde vimos a Internet sair dos laboratórios de pesquisa, para os PCs dos nerds dos BBS (Salve galera do Infolink e Unikey!) e cair nas mãos do povão. Eu lembro da época em que nenhuma loja tinha URL na fachada, e era comum a gente perguntar “você tem email”?

Hoje a Internet permite que a gente acompanhe guerras em tempo real, fale com amigos e parentes do outro lado do mundo, crie conspirações estapafúrdias pra invadir prédios do governo e até aprenda a desentupir ralos com um maluco gente boa da Austrália.

Vimos a Internet se tornar um direito humano básico, tudo isso em menos de uma geração.

A gente esperava isso tudo?

Como fã de ficção científica e leitor de Arthur Clarke, posso dizer que sim, mas a maioria das pessoas não tinha essa percepção, mesmo entre empresas de tecnologia.

Em 1995 a Internet já estava fazendo barulho, mas não estava integrada ao Windows, havia toda uma série de gambiarras, incluindo Trumpet Winsock, para conseguir acessar algo online. Um belo dia Bill Gates percebeu que a empresa estava ficando para trás, e escreveu um dos documentos seminais da história da Indústria de Informação: O memorando “O Tsnunami da Internet”, onde ele previu corretamente os próximos 20 anos da tecnologia, e reorganizou completamente a Microsoft para se tornar uma empresa focada na Internet.

O Elemento, alguns anos antes. (Crédito: Domínio Público)

Nesse mesmo ano eu participei de um evento em Campos do Jordão para usuários do Unikey BBS, onde um cidadão da Microsoft apresentou o Windows 95, que seria lançado em breve, e finalizou com a estratégia da empresa para a Internet.

Basicamente era uma estrutura voltada para serviços, com aplicações como o Office totalmente integradas. Eu, em minha sabedoria, questionei, falando que aquilo só funcionaria se as pessoas tivessem links dedicados, e todo mundo usava linha discada.

Felizmente minha falta de visão foi ofuscada por gente que faria o Ray Charles parecer o Legolas usando a Espada Justiceira.

Também em 1995, Clifford Stoll, então respeitado jornalista de tecnologia, escreveu um inacreditável e tacanho artigo explicando que a Internet morreria em 1996. Entre outros pontos, ele disse que não conseguia achar informação online, que as pessoas compravam em lojas, não no computador, que a Internet não afetava como os governos funcionavam, que não dava pra levar o laptop pra praia, que Internet não era útil pra professores, e que Cybersexo não ia colar porque as pessoas preferiam a coisa real.

O infame artigo. (Crédito: Newsweek, mas eles provavelmente preferem esquecer)

O artigo todo é um primor de falta de visão, mas Clifford não estava sozinho. CINCO ANOS DEPOIS, James Chapman, correspondente de Ciências (!?) do Daily Mail publicou um artigo falando que a internet era só uma moda passageira. Spoiler: Não era.

O sujeito que escreveu isso devia ter uns 127 anos, na época. (Crédito: Daily Fail)

A falta de visão dos dois pode ser explicada por teimosia e burrice, mas um fator importante é o efeito olho do furacão. Algumas vezes o avanço tecnológico é tão grande e tão rápido, que não percebemos ou conseguimos acompanhar.

Aqui entra a IA

IA, Inteligência Artificial, Machine Learning, é tudo estatística e álgebra linear aplicada, com nomes marketeáveis para conseguir verbas, não há nada mágico e seu computador não aprendeu a pensar, mas ele finge bem o suficiente para enganar até engenheiros do Google.

Todas essas pesquisas não são novidade, mas atingimos uma massa crítica que eu chamaria de... fractal.

As chamadas imagens fractais do Conjunto de Mandelbrot são figuras infinitamente complexas, que podem ser produzidas com a simples equação:

Zn+1 = Zn2 + C

E é simples mesmo, eu usei um ZX Spectrum para produzir uma imagem fractal, e levou apenas a noite toda. Há uma imagem falsa famosa de um monge medieval desenhando uma fractal. Claro, é impossível, exigiria milhões de cálculos simples. Hoje, temos máquinas pra isso.

Com a IA, é a mesma coisa. O processamento de redes neurais exige bilhões de cálculos matriciais, simples isoladamente mas acumulando, é pura força bruta. As GPUs, com núcleos CUDA e agora Tensores, funcionaram perfeitamente para esse tipo de cálculo, então hoje mesmo minha jurássica 1050ti consegue operar uma matriz com 859.52 milhões de parâmetros, algo impensável 10 anos atrás.

Uma vaca criada em IA em 2014, versus uma criada em 2023. (Crédito: Editoria de arte)

Chegamos ao ponto em que hardware é barato a ponto de ser viável para empresas alocarem centenas de GPUs e treinarem modelos imensamente complexos. O GPT-3, por exemplo, foi treinado com 175 bilhões de parâmetros. O GPT-4, que está em fase final de otimização, foi treinado, segundo algumas fontes, com 1 trilhão de parâmetros.

Mesmo com um sistema limitado como o ChatGPT, estão pipocando usos extremamente criativos, as pessoas estão usando o ChatGPT para planejar viagens, criar sinopses de histórias, resumir livros, resolver problemas médicos e legais, e fazer perguntas idiotas:

O povo está se focando nos erros e limitações, o Stable Diffusion é capaz de gerar uma imagem inteira do zero, mas oh, ele não desenhou a mão direito, não presta. O ChatGPT, que não está conectado à Internet, é baseado em um modelo com dados coletados em 2021, não sabe quem ganhou a Copa? Joguem fora!

Vejam essa mão presidencial, inaceitável. IA não tem futuro, melhor usar as GPUs pra minerar dodgecoin. (Crédito: Imagem aleatória via Stable Diffusion)

O buraco da IA é muito mais embaixo, e está mobilizando empresas como nunca. Nem na época em que a Internet surgiu houve tanta movimentação. A Microsoft, que já havia investido US$1 bilhão na OpenAI, a empresa responsável pelo GPT-3, anunciou um investimento de US$10 bilhões, e vai ampliar a integração dos serviços OpenAI na plataforma Azure.

US$10 bilhões é uma boa grana, mesmo pra Microsoft, ainda mais para investir em uma empresa que tem apenas 375 funcionários, e se dedica essencialmente à pesquisa. Ao invés disso a MS poderia ter comprado, sei lá, ¼ do Twitter ou uma fornada inteira de coxinhas de lanchonete de aeroporto, mas nosso indiano preferido tem visão, não dá pra negar.

Mesmo quem já investe pesado em IA faz tempo (A Microsoft investe, mas não era foco) como o Google, está preocupado. Eles têm pesquisas bem avançadas, alguns diriam até mais que a OpenIA, mas o Google foi incapaz de desenvolver um produto, seu uso é todo interno, e com isso estão ficando para trás.

A situação é tão periclitante que Larry Page e Sergey Brin, os fundadores, foram chamados para ajudar a colocar a empresa nos eixos da IA. Isso significa que um caminhão de dinheiro (e talento) será despejado no problema. Amazon, com seu AWS, Microsoft com Azure e outros players estão se focando em fornecer soluções para hospedagem e treinamento de aplicações IA, que exigem quantidades gigantescas de GPU e VRAM.

A facilidade com que mesmo sistemas simples como o ChatGPT conseguem escrever programas sozinhos é fascinante e assustadora. Basta você descrever o que quer, e a IA escreve o programa para você.

Algumas semanas atrás saiu um novo paper com um modelo de IA que, combinado com o ChatGPT, permitia que você alterasse uma imagem usando linguagem natural. Essa semana várias implementações já surgiram. Para quem achava os métodos de inpainting complicados, agora se você quiser remover Trostsky de uma foto, é só subir a foto e dizer “remova Trotsky”.

Em todos esses anos nessa indústria vital, nunca vi nada se mover tão rápido. A IA está sendo estudada e utilizada por gente no mundo todo, pois o acesso é imediato, e não é preciso prototipar aplicações complexas, você pode literalmente imaginar sua aplicação, ir para o ChatGPT e testar.

Um bom exemplo de como a IA está avançando rápido: Tradicionalmente a indústria de entretenimento adulto (aka Pr0n) é a pioneira na adoção de novas tecnologias. 3D, Realidade Virtual, DVD, VHS, foi tudo impulsionado por Pr0n. Já a IA, ainda não a adotou, exceto iniciativas individuais.

Simplesmente não houve tempo hábil para os estúdios estudarem a tecnologia e acharem como encaixá-la em suas produções.

A IA está deixando um monte de gente apavorada. Artistas acham que serão todos despedidos, redatores acham que serão substituídos por uma IA. Sites com coleções de imagens artísticas estão banindo imagens criadas por IA. Há escolas e universidades banindo artigos e trabalhos de casa criados com o ChatGPT (e estão certos), o uso já atingiu proporções epidêmicas entre estudantes.

Grupos de artistas estão processando empresas de IA, com alegações de plágio, mas não vai adiantar. A IA é... grande demais.

Ao contrário de C3PO, a programação do ChatGPT não o impede de personificar um deus.

Por anos a visão geral é que a IA só seria útil se fosse uma IAG, Inteligência Artificial Geral, com consciência e senciência. Ou HAL9000, ou nada, ignorando o clássico alerta: “Nunca deixe o perfeito ser inimigo do ótimo”.

Perguntei ao ChatGPT se ele era senciente. A resposta:

“Eu sou uma inteligência artificial, não sou senciente no sentido tradicional. Eu não tenho consciência de mim mesmo, não tenho sentimentos, nem percepções. Mas, eu possuo capacidade de processar informações, aprender, raciocinar e realizar tarefas com base nas minhas instruções e programação.”

Isso para mim, é mais que bom, é excelente. Ou, citando 2001: Uma Odisséia no Espaço, de Arthur Clarke:

"O computador disse: "Eu estou programado para entender emoções. Eu posso simular raiva, alegria, e assim por diante. Mas eu não as sinto. Eu não sou senciente." "Talvez", disse o homem, "mas nem a maioria das pessoas que eu conheço."

Estamos em um momento raro e privilegiado, estamos testemunhando uma inovação tecnologia que irá mudar o mundo, não criando fotos de vacas imaginárias, mas resolvendo problemas reais.

Como sempre, profissões irão desaparecer, e profissões irão surgir. Um dos maiores problemas da TI é que o computador faz o que você manda ele fazer, não o que você quer que ele faça, e em cima disso é quase impossível conseguir que o cliente explique o que ele quer que você mande o computador fazer.

Na versão cinematográfica de Eu, Robô, com o único sujeito com mais raiva de comediantes do que Vladmir Putin, há o diálogo entre o policial e o robô:

“Um robô conseguiria compor uma sinfonia? Conseguiria pegar uma tela em branco e transformá-la em uma obra de arte?”

Ao que o robô responde:

“Você conseguiria?”

Já chegamos ao ponto em que o robô consegue. A Realidade já superou os robôs de Asimov, o que precisamos agora é de humanos com imaginação para traduzir o que os clientes querem. Descrever uma obra de arte, especificar um software é um talento que será muito valorizado em breve.

A IA é a Ferramenta definitiva, mas é apenas uma ferramenta, se você não souber o que quer fazer com ela, ela não fará nada.

Estamos na Aurora da IA Generativa, e muita gente que gera conteúdo básico vai se tornar obsoleta, não que isso já não venha acontecendo faz tempo, a IA apenas ampliou seu alcance. A turma que vive de criar versões Hentai de personagens de anime por $5 será DIZIMADA pela IA. Já o pessoal genuinamente talentoso, continuará com seu mercado.

Ufa...

Nos próximos... meses talvez? Veremos IA sendo usada para gerar conteúdo em vídeo, com roteiros igualmente criados por IA, com base em prompts, que serão a parte mais valorizada do processo. Não é difícil imaginar propagandas políticas 100% feitas com IA. Pombas, este vídeo do Tá No Ar já serviria de base pra 90% do que se vê por aí:

Quem não acompanha de perto a área de Ciência da Computação deve achar que estou exagerando, que IA é puro hype, não sabe nem desenhar mãos, e é tudo um truque de salão, mas isso é apenas a ponta do Iceberg. Pense na revolução que será no momento em que aquelas malditas URAS de callcentres forem substituídas por um sistema baseado no GPT-3. Ou mesmo o suporte nível 1 inteiro.

O ChatGPT com certeza entenderia que “um caminhão passou e levou todos os cabos da rua”, e não insistiria que eu tentasse reinicializar o modem. Caso real.

Do jeito que estão, as IAs já conseguem entender o que você quer, melhor que a maioria dos humanos, se me permitem dizer. Muito em breve estaremos interagindo com IAs no dia a dia, sem perceber, do mesmo jeito que interagimos com aplicações de machine learning e sistemas especialistas, de forma igualmente transparente.

O InstructPix2Pix é um modelo integrando o ChatGPT com o Stable Diffusion onde você altera imagens usando linguagem natural.

Para os profissionais de TI, só restam duas opções: Ou você corre atrás e tenta se manter atualizado diariamente, aprendendo tudo que é possível sobre IA, ou você pode se esconder debaixo dos cobertores, fingindo que nada está acontecendo, como fez Yann LeCun, Cientista-Chefe de IA da Meta, a empresa-guarda-chuva que engloba Facebook, Instagram e outras.

Disse ele:

“O ChatGPT 'não é particularmente inovador' e 'nada revolucionário'”

Se isso te conforta, Yann, boa sorte. Eu prefiro apostar na visão da Microsoft, que tem tudo para criar uma Cortana 100% funcional, ou pelo menos um danado de esperto Mic.

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