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Resenha: Adão Negro – Com Spoilers

Adão Negro é um personagem pouco conhecido fora do mundo dos quadrinhos, mas é um dos melhores vilões da DC, agora em um filme com The Rock

1 ano atrás

Adão Negro tinha tudo para seguir a trope de que todo filme da DC é dark, depressivo, escuro, com personagens atormentados e problemáticos. Tipo o Super-Homem ter que depender do amigo rico pra mãe não ser despejada. Só que Adão Negro não é nada disso.

Teth-Adam (Crédito: Warner)

Quem é Adão Negro?

Adão Negro, Black Adam, ou no seu nome original Teth-Adam era um egípcio, por volta de 3055 AC. Ele foi escolhido pelo Mago Shazam para ser o campeão contra o Mal que assolava o mundo. Ao dizer o nome do Mago, Teth-Adam ganhou o poder dos deuses:

  • A sabedoria de Salomão;
  • A força de Hércules;
  • A resistência de Atlas;
  • O Poder de Zeus;
  • A coragem de Aquiles;
  • A Velocidade de Mercúrio.

Mesmo ignorando o detalhe de que nem Salomão nem Aquiles eram deuses, dá pra imaginar a a confusão do pobre Teth-Adam pensando “quem são esses caras?” Afinal, Zeus é um Deus Grego e a civilização Micena, que daria origem aos gregos só surgiria em 1750 AC. Hércules e Mercúrio são romanos. Salomão nasceu por volta de 990 AC, mas divago.

Batizado de Poderoso Adão, ele se tornou um campeão da Justiça, mas logo foi corrompido pelo Poder, matou o Faraó e instaurou um reino de terror. O Mago Shazam o rebatizou para Adão Negro, e como não podia tomar seus poderes de volta, exilou Teth-Adam para a estrela mais distante do Universo.

Anos 40 eram punk. Fredric Wertham tinha razão (Crédito: Fawcett Comics)

5.000 anos depois um novo campeão foi escolhido, Billy Batson, um adolescente, humilde de bom coração, que se torna o Capitão Marvel, até que um processo da Marvel Comics faz com que a Fawcett Comics o rebatize como Shazam, criando a bizarra situação do personagem que não pode dizer o próprio nome.

Adão Negro – Primeira Aparição

O Capitão Marvel foi criado em 1940. Logo surgiram os agregados, que se tornaram a Família Marvel. Em 1945 eles ganharam uma revista própria, e no primeiro exemplar uma história recapitula a origem dos personagens. Nessa história eles enfrentam um vilão misterioso que está tocando terror na cidade.

O Mago Shazam explica que aquele é o Adão Negro, seu antigo campeão, que fora exilado para a estrela mais distante do universo (sim estou repetindo) e que depois de 5.000 anos voando à velocidade da luz, agora está de volta.

<Neil DeGrasse Tyson Mode On>

A história implica que o Universo tem 10 mil anos-luz de diâmetro, o que é absurdamente pequeno. Só a Via Láctea, nossa galáxia, tem 100 mil anos-luz de diâmetro. A galáxia (de verdade) mais próxima, Andrômeda, fica a 2,5 milhões de anos-luz da Terra.

Em 1945 o Universo era bem menor, pelo visto.

</Neil DeGrasse Tyson Mode Off>

Como Adão Negro é invulnerável e a Família Marvel tem os mesmos poderes, não há como detê-lo, a não ser que ele diga a palavra mágica e volte à sua forma humana vulnerável. O Tio Dudley consegue enganar Adão Negro, que fala “Shazam!”, e como tem cinco mil anos de idade, se transforma em um idoso enrugado e retorcido, e nas palavras de Shazam, “se tornará um esqueleto em momentos”.

Adão Negro morre, é esquecido e ninguém escreve uma linha sobre ele em 30 anos, The End.

Adão Negro Returns

Em 1976, em Shazam #28, o Dr. Silvana constrói uma máquina de reencarnação, reconstitui o corpo do Adão Negro e o solta em uma jornada de vingança. Nessa história há todo um retcon, com Billy Batson questionando o Mago como o Adão Negro poderia ter recebido poderes de Hércules, Salomão e Aquiles se eles ainda não haviam nascido 5.000 anos atrás. O Mago diz que ele recebeu poderes de deuses egípcios.

Uma página inteira pra um retcon. Alguém estava com preguiça (Crédito: DC Comics)

Para alegria de Neil DeGrasse Tyson, Adão Negro agora voa acima da velocidade da luz, então levou 5.000 anos para voltar da estrela mais distante do Universo, em velocidade supraluminosa.

O resto da história é meio repetição da de 30 anos antes, com o mesmo final, mas depois disso Adão Negro, que era um personagem de uma história só, sem originalidade ou motivação real além de vingança genérica, caiu nas graças dos roteiristas.

Boa, Billy, boa (Crédito: DC Comics)

Aos poucos sua história foi sendo aprimorada. Agora ele era nativo de Kahndaq, uma nação fictícia no norte da África. Adão Negro começou como herói, se tornou vilão, mas era muito mais que isso. Como defensor de Kahndaq, ele era implacável, indo além dos limites dos ditos super-heróis. Ele não hesitava em matar para defender seu povo.

Adão Negro nos quadrinhos se tornou um dos personagens mais complexos da DC, com vários arcos de redenção e queda, e toda a complicada relação com os heróis, que não sabem se podem confiar nele.

Adão Negro No Cinema

O filme com Dwayne Johnson começa contando a origem de Teth-Adam, um garoto escravizado por um rei malvado em Kahndaq, e como ele é salvo pelos Magos da Rocha da Eternidade e ganha os poderes ao falar “Shazam!”. A tragédia ocorre, Adão Negro morre (de novo) e a história avança 5.000 anos.

Kahndaq está sob controle da Intergangue, uma organização criminosa multinacional, que procura uma relíquia lendária, a Coroa de Sabbac. Adrianna Tomaz, uma arqueóloga local, consegue identificar a localização da coroa, mas a Intergangue vai atrás. Além da coroa, acham a tumba de Teth-Adam, e no desespero, prestes a ser morta pela Intergangue, Adrianna recita o encanto e traz o Adão Negro de volta à vida.

Aí, meu amigo, minha amiga, você percebe que não está num filme da Marvel. Adão Negro barbariza a Intergangue. Ele desintegra capangas com eletricidade, quebra pescoços, esmaga cabeças. Adão Negro luta pior que o Homelander. Ele é mais cruel do que o Omni-Man, pois não tem aquele ar de superioridade, ele oblitera os inimigos sem dó, e aparenta estar entediado.

Blackadão tá com sangue no olho! (Crédito: Warner)

O surgimento do Adão Negro não passou em branco para o resto do mundo, ele é visto como uma ameaça, afinal matou dezenas de soldados em alguns minutos, e o Governo dos EUA, na figura de Amanda Waller, manda um grupo de heróis para apreendê-lo: A Sociedade da Justiça.

Aqui, mais uma vez, não parece filme da Marvel NEM da DC. Não há história de origem, grandes diálogos explicativos, nada. Em poucos minutos saímos da Waller falando com um sujeito, para a chegada de Kent Nelson, o Senhor Destino, do Esmaga-Átomo e da Ciclone. O sujeito que eles foram encontrar? Carter Hall, o Gavião Negro.

Melhor personagem do filme, fácil (Crédito: Warner)

Em uma conversa rápida com Amanda Waller, Hall explica quem são os três membros que recrutou para a missão, de forma extremamente sucinta, basicamente Ciclone é esperta e manipula vento, Senhor Destino mexe com magia, Esmaga-Átomo é o porradeiro. Sem flashbacks mostrando origens, sem discussões detalhadas sobre poderes.

O mais novato do grupo é o Esmaga-Átomo, numa ótima interpretação de Noah Centineo, ele lembra de vez em quando o Flash daquele que não deve ser nomeado. Ele é sobrinho do Esmaga-Átomo original, é inexperiente, mas não tem nenhuma neura por causa disso.

Nenhum dos membros da Sociedade da Justiça é atormentado, mesmo o Senhor Destino, que tem visões da morte de um dos membros da equipe, internaliza isso sem virar um personagem dramático.

A química entre todos é excelente, o Gavião (Aldis Hodge) e o Senhor Destino (Pierce Brosnan) são amigos de longa data, os dois mais novos tentam se ajustar, e naturalmente gravitam em direção um ao outro, mas sem casalzinho.

Pierce Brosnan excelente como sempre (Crédito: Warner)

Nesse ponto Adão Negro poderia ter virado o Eternos da DC, com um monte de personagens que ninguém nunca viu, sem carisma, sem apego emocional, mas como Adão Negro é antes de tudo farofa de super-heróis, sem a pseudo-pretensão do filme de Chloé Zhao, somos mais generosos, e logo a simpatia dos personagens nos contagia.

O primeiro encontro entre todos acaba desastroso, os heróis tomam uma piaba federal, e descobrem que o povo em Kahndaq vê Teth-Adam como seu salvador. Ele é literalmente um herói de lendas imemoriais que voltou no momento em que seu povo mais precisa.

Mais adiante Adrianna aponta a hipocrisia dos ditos heróis, que dizem defender verdade e justiça mas nunca chegaram nem perto de Kahndaq, deixando o povo ser escravizado pela Intergangue. Criticar Teth-Adam por seus métodos, e não fazer nada, não ajuda muito.

Adão Negro por sua vez está puramente reativo, ele não quer ser herói ou salvador, mas escuta as dicas de Amon, filho de Adrianna e o avatar para os nerds da platéia. Ele ensina as manhas, como ter uma frase de efeito. Adrianna tenta convencer Teth-Adam a usar seus poderes para o Bem.

Óbvio que eles não se bicam (Crédito: Warner)

A Sociedade da Justiça explica a Adrianna que Teth-Adam não é quem diz ser, que ele na verdade ficou ganancioso e maligno. Ela não abriu uma tumba, mas uma prisão. Só que essa não é a única reviravolta do filme, e Adão Negro também não é quem a gente achava que ele não era.

Forçado a cooperar com os heróis para salvar Amon e recuperar a coroa de Sabbac, Adão Negro continua um assassino implacável com os vilões, mas demonstra pingos de afeição pelos humanos que o libertaram, e pelo povo de Kahndaq.

Assim como nos quadrinhos, ele varia, há momentos em que é um vilão pura e simples, em outros ele se torna mais e mais ambíguo. É justo dizer que Adão Negro é um... anti-vilão. Ele não chega a ser um anti-herói, ele é determinado demais para isso, mas ao mesmo tempo não tem ambições de reinar sobre Kahndaq ou qualquer um.

Depois da luta com o vilão (sim, há um vilão, mas contar quem é seria dar spoilers demais), Adão Negro percebe que não há lugar para ele no mundo moderno, e que “alguns homens não estão destinados a ser heróis”.  Ele aceita se entregar e renunciar a seus poderes, é levado para uma prisão clandestina e colocado em animação suspensa, The End.

Sim, um filme da DC terminaria aqui, com no máximo alguma dica de que o personagem voltaria, mas na Nova DC, a situação se descontrola, surge um Final Boss e a Sociedade da Justiça precisa da ajuda de Adão Negro para derrotá-lo.

Segue-se um momento não de redenção, mas de crescimento, onde Teth-Adam entende que ele não decide se é um herói ou não. Seu senso de fazer a coisa certa falará mais alto, e mesmo que ele não se veja como alguém merecedor do título, outros o verão como herói.

Obviamente, depois de tudo que aconteceu, a Sociedade da Justiça desiste de levar Adão Negro preso, em troca de ele se comprometer a não sair de Kahndaq. Na cena pós-créditos, percebe-se que ele não vai obedecer a esse conselho.

Então Adão Negro é violento?

Veja bem, é complexo. Há violência extrema, mas sem gore. Não se vê sangue e tripas no estilo The Boys, mas mais de uma vez vemos um capanga ser segurado pelo pescoço e desintegrado até só sobrar o esqueleto. Gente é atirada a quilômetros de distância, para a morte certa e horrível, mas o momento é cômico, e a gente ri.

Ao mesmo tempo, a morte de personagens do bem são sinceras e sentidas, estou olhando para você, Eternos.

Como esse doce de candura pode ser violento? (Crédito: Warner)

Adão Negro é engraçado?

Como um filme despretensioso da Marvel, os fãs do estilo angustiado, dark e sofredor dos filmes da DC vão odiar, mas não se preocupem. Não é um filme bobo, Adão Negro o personagem se leva bem a sério, ele é um personagem trágico, só não contamina os outros com isso.

Tem cenas pós-créditos?

Tem sim, talvez a cena pós-créditos mais vazada da história dos filmes de super-heróis. À essa altura todo mundo já viu o vídeo do Henry Cavill anunciando oficialmente sua volta como o Escoteiro Azulão.

Ele havia sido discretamente demitido por Walter Hamada, presidente da DC Films, mas com a compra da Warner pelo grupo Discovery, Hamada acabou demitido, e todas as ações embarreirando Cavill desapareceram, e Dwayne Johnson conseguiu finalmente colocar o amigo numa cena pós-créditos.

Qual o futuro do DCEU?

Quem saberá? Adão Negro está indo muito bem nas bilheterias, os fãs estão adorando. No Rotten Tomatoes o filme está com 90% de aprovação do público, o que é bom sinal, e 39% de aprovação da crítica, o que é melhor ainda. Se a crítica não gostou, o filme é bom.

O filme da Batgirl foi devidamente cancelado, ninguém sabe se Besouro Azul vai sair. Vem aí Aquaman 2, Flash e Shazam 2, todos feitos da forma meio desconjuntada com que os filmes da DC eram produzidos, sem muita ligação entre eles, não há um Plano Mestre que vá levar a uma Guerra Infinita.

Por outro lado, a fórmula de Black Adam funcionou muito bem, ela pode ser usada para introduzir (epa!) muitos personagens e histórias, bem rapidamente, criando uma narrativa coesa espalhada por vários filmes, sem termos que esperar 10 anos.

Conclusão

Black Adam é um filme competente, sem ser brilhante. O ator que faz o adolescente Amon é bem ruinzinho, a idéia de usar a Intergangue é boa, mas as levas e levas de NPCs fazem o filme parecer um videogame. O ritmo corrido deixa muitas perguntas sem resposta, principalmente para quem não conhece os personagens dos quadrinhos.

A própria ambiguidade do personagem pode desagradar quem espera uma história com lição de moral simples e clara, com lado do Bem e lado do Mal bem definidos.

Já quem não se preocupa com esses detalhes, vai ver uma divertida aventura com um raro personagem quase onipotente, amoral mas sem malícia, fazendo tudo o que a gente secretamente queria que o Super-Homem fizesse.

Cotação:

4/5 Mary Marvels

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