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CRISPR contra o HIV, agora com menos polêmica

Nova técnica de combate ao HIV usa CRISPR para impedir replicação do vírus; paciente será monitorado por 12 semanas

1 ano atrás

CRISPR é hoje uma das mais promissoras técnicas de edição genética, que permite um sem número de aplicações. É possível desligar genes e até cromossomos inteiros, impedindo sua expressão e curando, ainda na fase embrionária, diversas síndromes genéticas. Ele também é aplicável até mesmo em organismos já formados, no tratamento de diversas doenças, genéticas e infecciosas.

Não obstante, o CRISPR vem há anos sendo estudado como uma arma contra o HIV, no que uma nova técnica em teste promete reduzir a contagem do vírus causador da AIDS a níveis indetectáveis, se funcionar.

Linfócito infectado liberando vírions (em verde) do HIV-1 (Crédito: C. Goldsmith/CDC's Public Health Image Library (PHIL)/ID #1197/domínio público)

Linfócito infectado liberando vírions (em verde) do HIV-1 (Crédito: C. Goldsmith/CDC's Public Health Image Library (PHIL)/ID #1197/domínio público)

O novo método foi desenvolvido (e provavelmente patenteado) pelo Excision BioTherapeutics, laboratório de biotecnologia e biomedicina de São Francisco, EUA. Segundo o CEO Daniel Dornbusch, um paciente soropositivo foi submetido em julho de 2022 a uma infusão única de material editado via CRISPR, na esperança que ele interfira com o processo de infecção do HIV a células T CD4+.

O HIV se multiplica no organismo humano ao infectar células do sistema imunológico, em especial as do grupo CD4+, como as T auxiliares, macrófagos e células dendríticas. Quem assistiu Cells at Work! conhece bem essa turma.

Uma vez que o HIV invade essas células, que não conseguem identificá-lo corretamente, elas são forçadas a replicarem seu material, e simultaneamente, o sistema imunológico do paciente soropositivo entra em colapso. O grande estrago que a AIDS causa é ao abrir caminho para inúmeras doenças oportunistas, que não fariam mal algum caso a pessoa estivesse com suas defesas ativas.

Ao longo de quatro décadas, esforços em busca de tratamentos eficazes para a neutralização do HIV se concentram em sua capacidade de se conectar às células CD4, ou seja, impedir a infecção em seu início, e o CRISPR é uma técnica em que enzimas usam uma "tesoura" genética para cortar conexões, ao identificar moléculas invasoras.

O paciente em questão, submetido ao tratamento da Excision, deixará de tomar o coquetel antirretroviral, que mantém o HIV constantemente em números baixos no organismo, no fim de outubro, e 12 semanas depois, será examinado para detectar se a contagem subiu, ou se manteve.

Dornbusch considera que o experimento será um sucesso, caso os números do HIV não se elevem desde o momento em que o coquetel parar de ser administrado; isso ainda difere de uma cura, visto que células CD4 infectadas podem ficar dormente por anos, atuando como "reservatórios" do vírus, até o momento em que ele é novamente liberado no organismo.

Neste caso, o material editado por CRISPR, uma vez que o organismo o incorpore e passe a replicá-lo, vai atuar no lugar do coquetel antirretroviral de forma permanente, sempre mantendo a contagem do vírus em cheque; apenas quando o HIV cai para números considerados indetectáveis, e por longos períodos, é que o paciente pode ser considerado curado, o que já aconteceu algumas vezes.

No entanto, este caso rendeu uma tremenda polêmica envolvendo o CRISPR, anos atrás.

Linfócitos-T infectados com o HIV (Crédito: Biophoto Associates/Science Source) / crispr

Linfócitos-T infectados com o HIV (Crédito: Biophoto Associates/Science Source)

CRISPR e as chinesas imunes ao HIV

Nos anos 1990, cientistas descobriram que uma mutação muito rara, em um gene chamado CCR5, torna as células T do indivíduo imunes à invasão do HIV, e consequentemente, essas pessoas não desenvolvem AIDS. Isso foi documentado graças ao caso de Timothy Ray Brown, que ficou conhecido como o "paciente de Berlim".

Ele, que era soropositivo, desenvolveu leucemia, e precisou de uma doação de medula após sessões de quimioterapia. O material do doador continha a mutação, chamada delta-32, no que sua carga viral caiu a níveis indetectáveis após 600 dias. Depois de 6 anos de monitoramento, Brown foi considerado em 2008 o primeiro humano curado da AIDS; ele faleceu em setembro de 2020, após a leucemia retornar.

De lá para cá, vários outros casos de cura do HIV foram documentados, alguns também devido à mutação CCR5-delta-32, no que muitos concluem ser um caso onde as células T imunes exterminam as doentes.

No passado, CRISPR foi usado como uma forma de replicar os efeitos da mutação, com poucos resultados (biologia não é uma ciência exata, afinal), mas em 2018, um time de cientistas chineses, sob o comando de  He Jiankui, anunciaram terem usado a técnica para editar o genoma de duas bebês gêmeas, chamadas no experimento de "Lulu" e "Nana", no que elas teriam nascido imunes ao HIV.

Desde então, muitos discutem sobre a validade do experimento, que violou parâmetros éticos, se era moral usar o que foi aprendido ali para aprimorar novos tratamentos. No final, a comunidade científica condenou a pesquisa, no que o governo da China concordou e a suspendeu, além de endurecer fortemente as restrições contra pesquisas envolvendo edição genética no país.

Jiankui acabou preso, multado em 3 milhões de yuans (~R$ 2,18 milhões, cotação de 10/10/2022) e condenado a três anos de prisão; ele foi solto em abril de 2022, e basicamente, sua carreira acadêmica acabou.

As gêmeas, ninguém sabe, ninguém viu, muito menos o terceiro bebê supostamente também submetido à técnica, cujas informações sobre seu nascimento inexistem. Além disso, há poucas informações sobre a técnica usada em si, sobre se haverão complicações futuras, e outros envolvidos no experimento, como o prof. Michael Deem, que participou da pesquisa e perdeu seu posto na Universidade de Rice, foram minimamente responsabilizados pela irresponsabilidade.

Hoje, é consenso entre pesquisadores que existem outras formas de usar o CRISPR em técnicas mais seguras, verificáveis, e morais no esforço de combater o HIV, e o experimento da Excision pode ser um deles, a ser usado em tratamentos futuros.

Fonte: WIRED

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