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Vagrant Story: a mistura perfeita de jogabilidade e narrativa

Celebrado como um dos melhores jogos do PlayStation, Vagrant Story foi um RPG que não se prendeu aos padrões do gênero e assim entrou para a história

2 anos atrás

As grandes editoras costumam ser criticadas pela reciclagem de ideias, por raramente permitirem que seus funcionários deem vida a jogos inovadores. Quando essa liberdade acontece, algumas vezes somos presenteados com títulos que entram para a história pelo seu brilhantismo e o Vagrant Story é um representante de como uma equipe talentosa pode surpreender.

Vagrant Story

Crédito: Reprodução/Reddit

Fruto da genialidade de Yasumi Matsuno, que assinaria o jogo como diretor, produtor, designer e roteirista, o desenvolvimento do Vagrant Story teve início em 1998. Foi naquele ano em que, graças ao seu currículo, a Square decidiu dar o aval para ele iniciar um novo projeto.

Após ter dirigido jogos como Ogre Battle: The March of the Black Queen, Tactics Ogre: Let Us Cling Together e Final Fantasy Tactics, Matsuno queria trabalhar em algo novo, que não aproveitasse ideias vindas de uma franquia já estabelecida.  Para isso ele contaria com a ajuda de profissionais com que trabalhara nos títulos anteriores, como os artistas Akihiko Yoshida e Hiroshi Minagawa, o programador Taku Murata e o compositor Hitoshi Sakamoto.

Já nas primeiras reuniões o game designer apresentou uma ideia que se transformaria num dos símbolos do Vagrant Story: sua ambientação. Apesar de o enredo se passar no reino fictício de Valendia, a cidade que serviria como pano de fundo, Leá Monde, teria seu visual fortemente inspirado em Saint-Émilion, que fica localizada em Bordeaux.

Famosa por suas vinícolas, a região francesa havia sido visitada por um amigo de Matsuno e ao ver as fotos do lugar, ele ficou fascinado pela arquitetura medieval. Após convencer aqueles que já faziam parte do projeto, alguns foram enviados à cidade com o intuito de absorver o estilo e em setembro do mesmo ano seria formada uma equipe composta por cinco pessoas (incluindo Matsuno) para que cuidasse da direção artística.

Crédito: Reprodução/Unicorn Lynx/MobyGames

Um apaixonado por cinema, o diretor ainda buscaria inspiração não só nos clássicos de Hollywood, mas também em obras produzidas na Europa e Ásia, e até no trabalho de outros game designers, especialmente no de Hideo Kojima. Foi no ano em que o Vagrant Story entrou em produção que Kojima lançou o Metal Gear Solid, um título que devido à sua abordagem cinematográfica, mudaria completamente a maneira como os jogos passariam a ser feitos.

“Enquanto fazíamos o Vagrant Story, experimentamos o que gosto de chamar de ‘Choque Metal Gear’,” declarou Matsuno em entrevista ao livro-guia Ultimania. “Foi impressionante, o alto nível de sensibilidade naquele jogo e a qualidade da jogabilidade. Era verão de 98, o nosso Vagrant Story seria lançado um ano após aquilo, mas ele nos fez nos curvar e perceber o desafio que enfrentaríamos.”

Entre as melhorias motivadas pelo sucesso da aventura protagonizada pelo Solid Snake estavam as expressões faciais. Segundo Yasumi Matsuno, eles não queriam que os personagens contassem com emoções que fossem transmitidas apenas pela fala ou movimentos. Aquilo mostrou-se um desafio e tanto, mas o diretor disse ter sido muito importante para a história que queriam contar.

Hoje é fácil perceber como eles fizeram uma aposta e tanto, afinal o jogo estava sendo desenvolvido numa época em que os gráficos poligonais ainda não contavam com o nível de detalhes que só veríamos a partir da próxima geração. Esse inclusive foi um dos pontos de divulgação do PlayStation 2, que com o seu “revolucionário” processador batizado como Emotion Engine, enfim permitiria que os personagens contassem com expressões faciais mais detalhadas.

Aquela também seria a primeira vez em que Matsuno e sua equipe trabalhariam em um jogo 3D, o que se mostrou um grande desafio principalmente para o programador Murata. Quem também não teve a vida facilitada foi o pessoal da arte. Para conseguir manter um bom desempenho com tantos polígonos sendo mostrados na tela, a equipe precisou focar em um aspecto dos personagens e como eles queriam que mesmo aqueles que só aparecessem brevemente contasse com o mesmo nível de detalhes dos protagonistas, o trabalho foi bastante desgastante.

Vagrant Story

Crédito: Reprodução/Rui Maruyama/ArtStation

Curiosamente, mesmo se tratando de um dos títulos tecnicamente mais impressionante do PlayStation, estruturalmente seus personagens eram bem inferiores a outros RPGs da época, como o Final Fantasy VII e VIII. No caso desses, geralmente os personagens eram formados por 700 polígono, enquanto no Vagrant Story a contagem não passava de 320.

Porém, devido ao talento dos artistas, no jogo de Matsuno os heróis e vilões pareciam ainda mais bonitos e realistas, com o resultado sendo superior até ao título que serviu como parâmetro para o projeto. O próprio Hideo Kojima admitiu nunca ter visto um jogo tão bonito para o primeiro PlayStation, com muita dessa percepção devendo ser creditada também às fantásticas tomadas de câmeras criadas pelo diretor de cutscenes, Jun Akiyama.

Mas assim como acontece com várias grandes produções, uma grande parte do que havia sido planejado não pôde ser implementado no jogo, devido à falta de tempo e capacidade de processamento do console. Entre os maiores problemas estavam a limitação de memória, o que levou a equipe a ajustar desde a interface até o mapeamento de texturas. Porém, aquela remoção que pode ser considerada a mais importante é a companhia de um personagem controlado pelo computador, fazendo com que toda a aventura seja encarada sozinhos.

Contudo, não seria correto dizer que o jogo se tornou pior por causa dessa ausência de companheiros. Desde o início o Vagrant Story foi proposto como um jogo que não precisaria se adequar a um gênero, contando com elementos de vários títulos e quebrando vários paradigmas do que passaria depois a ser conhecido como JRPGs.

Crédito: Reprodução/DreinIX/MobyGames

Fugindo das tradicionais batalhas por turnos disparadas por encontros aleatórios e sem nos entregar um sistema de evolução de personagens, Vagrant Story parecia tudo, menos um jogo da Square. Nele as batalhas aconteciam ao acionarmos uma esfera que nos permitia escolher qual parte do inimigo atacar e não tínhamos lojas onde poderíamos comprar armas ou equipamentos, muito menos um mapa-múndi que nos permitiria ir de uma cidade a outra.

Na criação de Matsuno, caberia aos jogadores criar as armas e armaduras que lhes dariam melhores condições de enfrentar os desafios. Outro aspecto que poderia ser a diferença entre o sucesso ou o fracasso estava na definição das habilidades que poderiam ser utilizadas durante os confrontos, adicionando assim uma boa dose de estratégia ao título.

Com essas mudanças e a adição de alguns quebra-cabeças espalhados pelas salas, os criadores do Vagrant Story conseguiram acabar com alguns elementos que remetiam à origem dos RPGs e que começavam a demonstrar sinais de desgaste, como a repetição e a falta de incentivo à exploração. Até a menor quantidade de confrontos mostrou-se benéfica, com as lutas proporcionando um nível de desafio bem superior ao que normalmente víamos em jogos do gênero.

E para coroar toda essa qualidade e inovação na jogabilidade, faltava um bom enredo e aqui temos outro grande acerto de Matsuno. Com uma temática bastante sombria, Vagrant Story abordava temas como religião, guerra civil, política e consciência de classes. Nesse turbilhão encontrava-se Ashley Riot, um agente de elite conhecido como Riskbreaker e que precisa ir à Leá Monde investigar a relação do líder de um culto e um membro do parlamento.

Repleta de detalhes e sendo muito interessante, a história se passará uma semana antes da missão do protagonista, nos levando a uma sequência de eventos que nos permitem conhecer o quão complexa é aquela sociedade e os personagens que a habitam.

Muito bem recebido pela crítica na época, chegando a ser o único jogo para o PlayStation a receber a nota máxima da revista Famitsu, Vagrant Story teria chegado a fazer Hironobu Sakaguchi chorar enquanto o jogava. Ainda assim, ao ser lançado no ano 2000, ele chegou num período de transição de gerações, sendo ofuscado por gigantes como Final Fantasy IX e Chrono Cross.

Isso fez com que o título alcançasse apenas a quinta colocação na lista dos mais vendidos de setembro de 2000, com apenas cem mil cópias no período. Talvez tenha sido o desempenho abaixo das expectativas o que impediu a produção de uma continuação, mas a história do universo de Ivalice — que nasceu no Final Fnatasy Tactics — não acabaria ali.

Em 2006, o PlayStation 2 veria o lançamento do Final Fantasy XII, jogo que trazia diversas referências ao Vagrant Story. Outro que de alguma forma manteria vivo aquele mundo seria o Final Fantasy XIV: Stormblood, mas o que os fãs realmente gostariam é de uma sequência direta ou até mesmo o remake de um do RPGs mais fantásticos de todos os tempos.

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