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Fabricante dos mísseis Stinger avisa: Tem mas acabou

O Stinger é um míssil que está ajudando muito a Ucrânia, mas agora o fabricante avisou: não tem como produzir mais unidades

2 anos atrás

O Stinger é um dos vários equipamentos que os Estados Unidos estão enviando para a Ucrânia. É um míssil antiaéreo de curto alcance, não muito eficiente contra ameaças modernas. Felizmente a Rússia está colaborando, usando aeronaves da Guerra Fria e táticas da Segunda Guerra Mundial.

Míssil Stinger sendo lançado durante exercício no Alasca, 2018 (Crédito: Lance Cpl. Cody J. Ohira / US Marine Corps)

Parte da família dos MANPADs — sigla em inglês para Sistema de defesa aérea portátil, o Stinger é uma rara arma que não tem sua origem na Segunda Guerra Mundial. Sim, eu sei, você joga Battlefield V e usa o Fliegerfaust, que realmente existiu:

Só que o Fliegerfaust não era um míssil, era um lançador de foguetes, que disparava nove pequenos projéteis, que em teoria atingiram um caça de mergulho inimigo até uns 500 metros de distância, e na prática nunca deu certo. Há um único registro de uso do Fliegerfaust, uma foto da defesa de Berlim, com três deles usados e jogados no chão.

A diferença para o Stinger e seus antecessores, como o RedEye é que eles são mísseis guiados, projetados para serem usados por soldados com um mínimo de treinamento, leves e portáteis, mas capazes de destruir alvos aéreos inimigos nas proximidades.

Réplica do Fliegerfaust (Crédito: Plbcr / Wikimedia Commons)

O programa que desenvolveu o FIM-92 Stinger começou em 1967, e resultou em um míssil que era uma pequena maravilha tecnológica. Um detector criogênico miniaturizado (para os padrões de 1967) identificava a assinatura térmica dos motores do alvo, e seu primitivo computador se preparava para segui-lo.

O sistema era alimentado por uma unidade de bateria e gás refrigerante, no caso Argônio. O gás era usado para resfriar o detector infravermelho. A bateria tinha energia para 45 segundos. Uma antena de IFF (Identify Friend or Foe) detectava se o alvo era amigo. Caso contrário, assim que o sinal de alvo travado soasse, o operador fazia o disparo.

Os primeiros Stingers tinham detonador de contato, explodindo ao atingir o alvo. Seu computador interno determinava a direção do inimigo, e calculava para atingir no meio da fuselagem, não no ponto mais quente, que era o motor e aumentava as chances de erro.

O Stinger teve um gênese difícil, só entrou em produção realmente em 1978, seu primeiro uso em combate foi na Guerra da Falklands, derrubando alguns alvos argentinos (yay!). Depois disso ele participou de quase todo conflito global que atraía os olhos dos Estados Unidos. Eles foram o terror dos soviéticos no Afeganistão, mais que o Rambo.

Na Ucrânia os russos também não estão tendo bons sonhos com o Stinger, ou outros mísseis semelhantes:

Com o tempo a tecnologia de contramedidas foi se aprimorando, o inimigo passou a conhecer melhor o Stinger, e flares foram desenvolvidos, são em essência fogos de artifício que geram uma assinatura térmica mais atraente do que a do avião.

Os projetistas responderam atualizando o software do Stinger e em alguns modelos incluindo detectores de ultravioleta, que comparam o fundo do céu com o alvo. Com o inimigo bloqueando a luz ultravioleta, temos uma sombra, que somada ao sinal infravermelho, indica alvo. Um flare tem o sinal infravermelho mas não bloqueia a luz UV.

Apesar desses melhoramentos, como um todo ele é um projeto bem velho. Mísseis melhores, bem mais rápidos que o mach 2,5 do Stinger já foram ou estão sendo desenvolvidos.

Claro, a Ucrânia mostrou que o Stinger ainda é excelente em combate, e isso meio que preocupou os EUA, que despejaram uma fração razoável (mais de 1500 unidades) do míssil na mão dos ucranianos. Ainda não é preocupante, mas está começando a deixar as unidades americanas, principalmente na Europa, com poucos mísseis.

Diagrama do lançador do Stinger (Crédito: Reprodução Internet)

Isso parece um excelente presente para a Indústria Bélica, quem não quer um contrato polpudo para produzir mais mísseis? Bem, o contrato saiu ainda em março de 2022, US$3.7 bilhões para repor estoques de armas doadas para a Ucrânia, entre elas o Stinger.

Exceto que não é tão simples. Veja o que declarou Greg Hayes, CEO da Raytheon Technologies, a atual fabricante do Stinger:

“Estamos trabalhando com o Departamento de Defesa nas últimas semanas, estamos tentando ativamente obter alguns materiais, mas infelizmente, o Departamento de Defesa não compra um Stinger há cerca de 18 anos e alguns dos componentes não estão mais comercialmente disponíveis.”

Contratos militares em geral funcionam dessa forma. Você faz uma concorrência para produzir um caça, um tanque, um canhão. Seu contrato especifica um número de unidades. O fabricante constrói aquele número e produz peças de reposição para durarem XX anos.

Como lançar um Stinger

Feito isso, há duas possibilidades: se o equipamento pode ser exportado para nações amigas, o fabricante pode decidir continuar produzindo novas unidades. Se for algo muito estratégico e o Governo é o único cliente, ele pode pagar para manter a linha de montagem armazenada ou de prontidão, ou, o mais comum, os moldes e ferramental são destruídos.

Economicamente não compensa para a empresa manter uma linha de montagem parada. O último caça F-22 saiu da linha de montagem em 2011. Imagine manter todo o ferramental E funcionários treinados para construir aquele avião específico por 11 anos, pagando salários, sem ganhar um centavo.
No caso do Stinger, contratos de upgrades foram feitos depois do fim da fabricação dos mais de 10 mil mísseis contratados, no último grande pacote de produção, mas nenhum novo foi construído, com exceção de alguns que estão sendo feitos para Taiwan, usando peças de reposição.

Remontar a linha de montagem do Stinger não vai ser fácil. É um projeto de 1967 que vem sendo atualizado na base da gambiarra desde então. Vários componentes nem existem mais, fornecedores fecharam as portas, tudo precisa ser reavaliado, componentes alternativos precisam ser encontrados, testados e certificados, e o míssil como um todo terá que provar ser ao menos tão eficiente quanto seus parentes de 20 anos atrás.

AN/TWQ-1 Avenger, basicamente um jipinho que carrega 4 Stingers e pode disparar em movimento. (Crédito: US Army / Domínio Publico)

A Raytheon prevê que talvez consiga começar a entregar Stingers em quantidade em 2023, mais provavelmente, só no começo de 2024. E isso se tudo der certo.

Esse problema não é exclusivo do Stinger. O tanque padrão dos Estados Unidos, o M1A1 Abrams teve mais de 10 mil unidades produzidas, futuros contratos foram cancelados e a linha de produção só sobrevivia com contratos de upgrades de unidades já existentes. Em 2016 havia 100 pessoas produzindo um tanque por mês.

No caso dos submarinos, é pior ainda. Os Estados Unidos precisam encomendar submarinos que não precisam, do contrário perderão todo o know-how de construção desses barcos. Estaleiros dependem de trabalhadores passando seu conhecimento para aprendizes. Se os veteranos se aposentarem, chegará o momento em que uma encomenda de um submarino nuclear irá chegar e ninguém saberá como construir o bicho.

Quanto ao Stinger, os EUA já estão pensando em seu sucessor. O Exército chama o projeto de M-SHORAD, Maneuver-Short Range Air Defense. Ainda não há especificação se esse míssil usará infravermelho, laser ou radar, mas deverá ser efetivo contra aviões, helicópteros e drones, e com certeza excederá o alcance de 4,8 km de distância e 3.8 km de altitude do Stinger.

O M-SHORAD em teoria deverá ter seu primeiro protótipo testado em 2024 e deverá entrar em produção em 2027. Espero que Putin tenha paciência de esperar.

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