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Míssil Javelin, o maior pesadelo dos tanques russos

Javelin é um míssil anti-tanque extremamente caro e eficiente, a Ucrânia está recebendo várias centenas deles, e são muito bem-vindos

2 anos atrás

Tanques são veículos formidáveis, mas são vulneráveis a mísseis como o Javelin, o que ninguém esperava é que fossem tão vulneráveis, como os russos descobriram da pior forma, ao invadir a Ucrânia.

A ogiva é armada por gravidade então se o motor principal não funcionar, o míssil cai alguns metros adiante, sem risco (Crédito: US Army)

O Javelin é um míssil portátil, autoguiado, e é o top de linha, mas muito estrago também está sendo feito com mísseis mais simples e mais baratos, como o Anglo-sueco NLAW e o sueco AT-4, esse usado contra blindados e veículos leves.

Com um metro de comprimento, ele vem em um tubo lançador descartável e uma unidade de mira e controle. Essa unidade tem um visor infravermelho com ampliação de 4x, e lente grande angular. O operador seleciona o alvo, a uma distância de até 4.7km e o marca.

Um indicador passa a acompanhar o movimento do alvo, indicando que o Javelin já sabe o que deve acertar. Feito o disparo, o míssil é completamente autônomo.

Se estiver em modo anti-tanque, ele irá procurar a parte mais fina da blindagem: O topo.

O Javelin acompanhará o movimento do alvo, enquanto sobe em um arco, até uns 150 metros de altura. Quase em cima ele descreverá uma curva acentuada, descendo em um ângulo de 90 graus, atingindo o tanque inimigo na escotilha da torre, a área com blindagem mais fina.

Uma carga explosiva dupla inicialmente irá desabilitar a blindagem reativa do tanque. A segunda carga pulverizará um cone de cobre criando um jato de metal incandescente que atravessará até 750mm de blindagem como se fosse manteiga, enchendo o interior do tanque com fragmentos, ondas de choque, estilhaços e, bem, metal incandescente, algo que não faz bem à saúde.

Se havia algo vivo dentro do tanque, não há mais.

 

O javelin, claro, não nasceu pronto, mas antes de descobrirmos de onde ele veio, temos que entender sua necessidade.

Quando o tanque de guerra foi usado pela primeira vez ele era uma enorme e desajeitada geringonça, se movendo a parcos 4km/h e atolando toda hora nas trincheiras da Primeira guerra Mundial.

Mesmo assim os tanques ingleses deixaram os alemães apavorados. Eles eram invencíveis, as armas de mão dos alemães não faziam nem cosquinha, enquanto isso as metralhadoras e canhões dos tanques dizimavam as tropas tedescas.

Tanque britânico Mark I. Parece um trambolho. E era. (Crédito: Domínio Público)

Pausa para curiosidade: Assim como os floquinhos do Tumblr, os primeiros tanques de guerra tinham mais de um gênero. Os tanques armados com metralhadoras eram considerados fêmeas, os armados com canhão seguiam o simbolismo óbvio e rasteiro, e eram considerados machos.

Fora canhões com excelente mira e muita sorte, e ataques suicidas com explosivos, pouco ou nada podia ser feito pelos alemães, mas com o tempo foram desenvolvidas armas anti-tanque, baseadas em rifles para caçar elefantes. Essas armas eram razoavelmente eficientes, perfurando a blindagem mínima dos tanques da época.

No começo da Segunda Guerra Mundial os nazistas desenvolveram o Panzerfaust, uma arma simples e barata: Um tubo contendo propelente sofria ignição. A detonação propeleria uma carga explosiva até o alvo.

Como o alcance do Panzerfaust era bem pequeno, era uma arma arriscada de se usar, muitas vezes o atirador era atingido por estilhaços do alvo, quando o tanque explodia.

Mais tarde os alemães inventariam o Panzerschreck, que ao contrário do antecessor não era descartável. O Panzerschreck seguia o mesmo princípio da bazuca americana, um tubo de metal, com uma mira e um foguete de 88mm, giroestabilizado. O alcance era bem maior, e por ser estabilizado o projétil era bem mais consistente em sua trajetória.

O primeiro Panzerfaust e, 80 anos depois, o Panzerfaust 3 (Crédito: Reprodução Internet)

Outro modelo de arma anti-tanque bem eficiente era o PIAT, que apesar do nome não era italiano, mas britânico, é sigla de Projector, Infantry, Anti Tank. Quem joga Battlefield V conhece bem o PIAT.

Todos esses armamentos tinham algo em comum: Não eram guiados. Na Segunda Guerra Mundial nada era, mas vários projetos tentavam quebrar essa barreira, e em 1943 começou o desenvolvimento do Ruhrstahl X-4. Ele era um míssil primitivo que seria lançado de um caça fora do alcance do armamento defensivo do bombardeiro inimigo.

O Ruhrstahl X-4 é ligado ao caça através de um fio, e controlado por um joystick. O piloto pilotaria o caça e o míssil ao mesmo tempo. Quando ele estivesse bem próximo do bombardeiro, seria detonado através de uma idéia genial:

Os motores dos bombardeiros B17 tinham uma frequência de ressonância de 200Hz. Um detonador no míssil era calibrado para explodir a ogiva caso captasse um som muito alto nessa exata frequência.

Apesar de testes bem-sucedidos, não houve tempo para o Ruhrstahl X-4 ser aperfeiçoado e colocado em serviço, mas todo mundo prestou bastante atenção nas idéias desenvolvidas ali, inclusive neste aqui, a versão anti-tanque do Ruhrstahl X-4.

Ruhrstahl X-4. Fala que não é fofinho e vintage. (Crédito: Museu Nacional da Força Aérea dos Estados Unidos)

Embora pareça soltar pipa com estilo, um míssil controlado por fios tem inúmeras vantagens, principalmente é imune a qualquer interferência de rádio do inimigo. Até hoje a tecnologia é usada em mísseis anti-tanque, como o russo 9K111 Fagot (calma, é fagote, em russo) e o americano BGM-71 TOW, muito popular entre os Rebeldes do Bem na Síria. Não, não tente entender a Guerra na Síria. Se você acha que consegue entender a Guerra na Síria, veja esta tabela dos grupos combatentes.

Mísseis como o Fagot e o TOW são excelentes mas pecam na mobilidade, não dá pra carregar um conjunto desses nas costas. Para isso abrimos mão do alcance de mais de 3km, e optamos por armas mais leves, como o AT-4 sueco e o alemão Panzerfaust 3, que são evolução diretas do venerável Panzerfaust.

Aqui vemos um rebelde da Síria ackbar com um tanque russo T90 usando um TOW.

Com alcance teórico de quase 1Km, e prático bem menor que isso, os dois são ideais para combate urbano como na Ucrânia e na Síria, onde um tanque inimigo não sabe o que pode aparecer na próxima esquina, ou na próxima janela.

Em campo aberto eles não são tão úteis, com tanques, artilharia e infantaria conseguindo atingir alvos a bem mais de um Quilômetro, alcance máximo teórico dessas armas anti-tanque.

Os ingleses se juntaram aos suecos e produziram uma arma intermediária bem interessante, o NLAW, um lançador de mísseis anti-tanque descartável. Ele tem um sistema óptico e um computador que calcula a distância e direção do alvo. Depois de rastrear por três segundos, ele repassa para o míssil esses dados, o míssil é disparado e mantém uma trajetória que o colocará no ponto preciso onde o alvo estará, a menos que mude de direção ou velocidade subitamente.

https://youtu.be/6DX-TYedQk0

Um NLAW destruindo um tanque russo na Ucrânia.

O NLAW tem um alcance prático de 1Km mais ou menos.

Todas essas armas são eficazes a curto alcance, mas e quando precisamos atingir tanques a uma distância muito grande, sem abrir mão de mobilidade? Quem preenche essa lacuna é o FGM-148 Javelin, que entrou em operação em 1996 e continua sendo aperfeiçoado.

O javelin é formado por uma unidade de controle e um tubo descartável com o míssil. O tubo pesa 15.9kg, a unidade de controle, 6.4kg. Não é leve mas dá pra um sujeito sozinho levar, enquanto outros carregam mísseis de reserva.

Como os Estados Unidos decidiram depois da Guerra do Vietnã que deveriam ser tão eficazes de dia quanto de noite, o Javelin é equipado com um visor térmico, que permite a localização de alvos usando visão noturna.

Ele tem vários modos de zoom, 4x, 12x e um modo de 9x de ampliação, que é o modo de tiro.

O operador marca o alvo, e todos os dados de distância, velocidade, direção e assinatura térmica são passados para o míssil que tem sensores próprios. Assim que é disparado o míssil inicia sua trajetória ascendente, até 150m de altura, seguindo em direção ao alvo.

Ao se aproximar ele determina a posição aproximada e seus sensores começam a procurar a assinatura térmica. Quando a encontra, ele mergulha direto e sua ogiva detona sobre o alvo, destruindo-o.

Repare a janelinha no tubo pro míssil poder ver o alvo, sem paralaxe. (Crédito: Reprodução Internet)

O FGM-148 Javelin também tem um modo de tiro direto, usado para alvos próximos ou estruturas, quando você precisa atingir um prédio ou um grupo de inimigos em uma trincheira.

Na Guerra da Ucrânia tanques russos estão sendo dizimados pelos Javelin, e as grades de proteção que funcionaram contra RPGs na Síria não funcionam contra o Javelin. Infelizmente Javelins não dão em árvore, e o maior inimigo dessa arma é seu preço.

Somente a unidade de controle custa US$200 mil em valores de 2022. Cada míssil custa US$121 mil.

É caro? Bagarai, mas o T-80, o tanque mais usado pela Rússia custa US$3 milhões a unidade. Já começa a fazer mais sentido.

Comparando, o Panzerfaust 3 custa US$11,108 o lançador, e US$297 cada projétil. O NLAW custa US$37 mil e o AT-4 custa US$1480,00.

Idealmente deve-se comprar o Javelin para não ter que usar mais tarde as outras opções.

Agora a Ucrânia vem recebendo doações de armas anti-tanque de todos os lados. Contabilizando por alto:

 

É mais que suficiente para explodir várias vezes tudo que a Rússia mandar, mas o trabalho pesado será feito pelos preciosos Javelin, que os soldados ucranianos já têm familiaridade.

 

Neste vídeo uma tropa francesa na Síria está sendo atacada por um terrorista do ISIS, em um carro-bomba. eles tenta atirar com armas automáticas, depois com um míssil MILAN, semelhante ao TOW. O MILAN erra. A situação começa a ficar preocupante, aí alguém pega um Javelin e resolve o problema.

Em 2018 a Ucrânia comprou 210 Javelins dos Estados Unidos. Em Outubro de 2021 os EUA mandaram mais 180, e logo antes de estourar a Guerra, doaram mais 300, totalizando 690 mísseis.

Dentro dos mísseis, seus pequenos cérebros eletrônicos devem estar sorrindo de satisfação. Depois de tantos anos, tantas gerações e tantos desvios pelo mundo, eles estão finalmente cumprindo a função para a qual foram projetados: Destruir tanques russos nas planícies da Europa.

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