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Louis Edward Curdes e o curioso Fogo Amigo do Bem

O fogo amigo é um problema em todas as guerras, mas ao menos uma vez o fogo amigo do bem salvou a vida de 13 passageiros de um C-47

2 anos atrás

Fogo Amigo é um problema sério, acontece o tempo todo durante operações de combate. Na confusão um lado acaba atacando sem-querer as próprias tropas. Em alguns casos só a coragem, quase um milagre consegue salvar os envolvidos.

Lockheed P-38 Lightning. Lindo e mortal. (Crédito: USAF/Domínio Público)

Foi o que aconteceu em Agosto de 1944, durante a invasão da Europa tropas do South Alberta Regiment e da 4ª Divisão Blindada Canadense foram repetidamente atacadas por Spitfires britânicos.

Sem comunicação por rádio, os soldados canadenses não tinham como avisar aos pilotos que eram amigos. Para piorar, uma falha de comunicação burocrática misturou as cores das bombas de fumaça, naquele período fumaça amarela deveria indicar que a tropa era amiga, e foi o que os soldados fizeram.

Infelizmente o Comando de Caça havia recebido as ordens do dia e para eles fumaça amarela era código para “ataque aqui”.  Essas cores e significados eram mudados constantemente pros alemães não se aproveitarem dos códigos.

Com 57 baixas causadas pelos caças, um capelão achou que já haviam chegado ao limite. Ele pegou a bandeira britânica em seu kit de sepultamentos, foi para o meio de um campo, e ergueu a bandeira, aguardando a próxima passagem dos caças. Um dos pilotos finalmente a enxergou, alertou os outros e o ataque foi cancelado.

Ivan Kozhedub, ás russo. Durante a Batalha de Berlim ele foi atacado por caças americanos, para se defender teve que derrubar dois P-51 Mustangs. (Crédito: Wikimedia Commons / Domínio Público)

Louis Edward Curdes teria uma experiência igualmente eletrizante com fogo amigo, mas antes ele viveria muitas aventuras na Europa.

Nascido em 1919, nos Estados Unidos, Louis entrou para a Reserva do Exército, fez três anos de Escola de Vôo, se formando em 1942 como Segundo Tenente. Logo depois ele foi transferido para o Mediterrâneo.

Mais um piloto novato colocado para enfrentar os veteranos da Luftwaffe, no papel ele não teria muitas chances, a expectativa de vida de um piloto de caças britânico durante a Batalha da Inglaterra era de 4 semanas.

Só que Louis era um Jedi, um piloto nato. E voava o P-38, o avião mais lindo de sua época, um caça pesado de longo alcance que precisava de freios durante os mergulhos para não entrar em regime supersônico.

Em um dia ele derrubou três caças Messerschmitt Bf 109. Em menos de um mês, mais dois. Depois disso Louis foi acumulando vitórias, seu título de ás garantido, tocando terror no Mediterrâneo e Norte da África, até que em 27 de Agosto de 1943 sua sorte deu uma engasgada quando ele enfrentou Franz Schieß, um ás nazista que viria a morrer logo depois.

Schieß faleceu em 2 de Setembro de 1943, enfrentando uma barragem de P-38s. Ele morreu com 67 vitórias, aos 22 anos.

Louis deu mais sorte, foi abatido mas conseguiu saltar de pára-quedas. Capturado por forças italianas, ficou em um campo de prisioneiros por alguns dias, até os italianos tradicionalmente mudarem de lado.

A Alemanha prontamente invadiu a Itália, Louis agradeceu a hospedagem, fugiu do campo de prisioneiros e voltou para o território aliado.

Mandado de volta para os EUA, Louis foi treinado e certificado para voar o P-51 Mustang, e enviado para o Teatro do Pacífico. Em 7 de Fevereiro de 1945 ele derrubou seu primeiro avião japonês, tornando-se um dos 5 pilotos que derrubaram aviões das três nações do Eixo: Alemanha, Itália e Japão, mas seu abate mais famoso seria... americano.

Curdes e seu Mustang, Anjo Mau (Crédito: Domínio Público)

Em 10 de Fevereiro o agora 1º Tenente Louis Curdes voava uma missão perto da Ilha de Batan, localizado e destruindo pistas de pouso e postos avançados japoneses. Durante um dos ataques um membro do esquadrão, o Tenente La Croix foi abatido, mas conseguiu pousar na água com segurança.

Louis ficou circulando, passando instruções para a base para o envio de um avião de resgate, quando reparou, bem distante, um avião em rota de pouso no pequeno aeródromo japonês.

Achando que fosse um transporte ou bombardeiro inimigo, Louis foi atrás, com sangue no olho, mas quando chegou perto viu a inconfundível forma de um C-47, a versão militar do venerável Douglas DC-3, avião tão bom que há exemplares voando comercialmente até hoje.

Um C-47 no Museu Aeroespacial do Campo dos Afonsos, Rio de Janeiro (Crédito: Carlos Cardoso / MeioBit)

Louis tentou contato com rádio, mas não obteve resposta. Voou repetidamente na frente do C-47, mas o piloto permanecia na rota. Diz ele que gesticulou tentando alertar a tripulação, eu gosto de imaginar que ele fez gestos puxando o canto do olho e apontando pra baixo, só pra dar gatilho na turma do cancelamento.

Com o tempo acabando, Louis teve uma decisão a tomar. As atrocidades da Unidade 731 ainda não eram conhecidas do grande público, mas todo soldado sabia como os japoneses eram selvagens no tratamento de seus prisioneiros de guerra. Louis racionalizou que era melhor arriscar a vida daquele povo forçando um pouso na água, do que deixar que eles caíssem nas mãos dos japas.

Curdes e sua inusitada lista de abates (Crédito: Domínio Público)

Posicionando-se, ele fez disparos certeiros e destruiu um dos motores, mas nem isso foi o suficiente para o C-47 mudar de rota. Louis então disparou contra o segundo e último motor, e o C-47 foi obrigado a fazer um pouso na água, excelente diga-se de passagem. Entre mortos e feridos salvaram-se todos, as 13 pessoas a bordo subiram nos botes salva-vidas e se uniram ao Tenente La Croix.

Confirmando que os sobreviventes eram americanos, Louis voltou para a base. Na manhã seguinte um hidroavião Catalina foi resgatar os náufragos. Louis seguiu como escolta. Na volta, a grande surpresa: Entre os passageiros estava Svetlana Valeria, uma enfermeira com que Louis havia saído uns dias antes do incidente.

Svetlana viria a se tornar a Senhora Louis Curdes.

Um belo casal (Crédito: Domínio Público)

A explicação do C-47 teimoso, foi simples: O piloto havia se perdido, em meio ao mau tempo. O rádio quebrou, ele estava com pouco combustível, e achou que a pista de pouso na ilhota era um posto avançado americano.

Louis terminou a guerra com pelo menos 12 vitórias, mas os boatos de que ele foi condecorado por derrubar o C-47 são falsos, isso daria idéias ruins aos outros pilotos. Ele ganhou, sim, o raro privilégio de pintar em seu avião uma bandeira americana, se tornando o único piloto a derrubar aviões alemães, italianos, japoneses E americanos.

Ele viveu até 1995, quando morreu aos 75 anos. Svetlana faleceu aos 87 anos, em 2013, e com certeza ABSOLUTA até o fim da vida de Louis usou “Mas você derrubou o avião em que eu estava!” para ganhar todas as discussões do casal.

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