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Berserk e a marca deixada por Kentaro Miura nos games

Conheça algumas das inspirações que Kentaro Miura forneceu aos games através de Berserk, um dos mangás mais vendidos da história

3 anos atrás

A morte do mangaká Kentaro Miura, autor de Berserk, no dia 6 de maio e divulgada em nota oficial pela sua editora nesta quinta-feira (20) pegou todo mundo de surpresa. Vitimado por complicações devido a uma dissecção aórtica, o artista e roteirista de apenas 54 anos era considerado uma das mais influentes forças criativas das últimas décadas.

O traço refinado e extremamente detalhado de Berserk, aliado a decisões específicas de design e narrativa, foram replicados e/ou referenciados em diversas mídias, de outros mangás e animes a filmes e quadrinhos também no ocidente. E claro, games também não escapam.

Com Berserk, Kentaro Miura influenciou diversas obras intermídias (Crédito: Reprodução/Hakusensha/Shueisha/Dark Horse Comics)

Com Berserk, Kentaro Miura influenciou diversas obras intermídias (Crédito: Reprodução/Hakusensha/Shueisha/Dark Horse Comics)

Publicado desde 1989, a trama de Berserk foi compilada em 40 volumes até o momento. Miura fez diversas pausas na publicação ao longo das décadas, principalmente por conta de problemas de saúde. O problema que vitimou o autor é relacionado a hipertensão e mais comum entre pessoas a partir dos 60 anos, mas curiosamente, é considerado um quadro clínico muito raro de ocorrer em asiáticos.

Há de se levar em conta que seus problemas de saúde podem ou não ter sido causados/agravados pelo ritmo insano que as editoras japonesas impõem aos mangakás, para que estes mantenham a periodicidade de suas obras, mas divago.

Uma das características do trabalho de Kentaro Miura era o que o diretor da Capcom Hideaki Itsuno (Power Stone, Devil May Cry, Dragon's Dogma) chamou de "incluir elementos que um garoto de 14 anos acharia legal", mesmo Berserk sendo por definição um mangá seinen, voltado para homens entre 18 e 45 anos, ao invés de um shōnen que mira adolescentes do sexo masculino, como os imensamente populares Dragon Ball, One Piece, Naruto e similares.

Kentaro Miura raramente era capturado em fotos (Crédito: Junichi Saji/Hakusensha/Shueisha)

Kentaro Miura raramente era capturado em fotos (Crédito: Junichi Saji/Hakusensha/Shueisha)

De qualquer forma, Berserk é hoje um dos mangás mais vendidos de todos os tempos, tendo atingido a marca de 50 milhões de cópias, incluindo versões digitais, em 32 anos de publicação.

Ainda que Miura não tenha criado o estilo literário de Fantasia Sombria, que reúne autores como H. P. Lovecraft, Anne Rice (As Crônicas Vampirescas), Stephen King (A Torre Negra) e Neil Gaiman (Sandman), entre outros, o mangaká era frequentemente referenciado entre outras obras, por ter implementado um estilo único com roteiros tensos e macabros, um traço afiado e cheio de detalhes, e elementos de impacto característicos de mangás shōnen, uma mistura que deu muito certo.

As referências mais óbvias ao trabalho de Miura em Berserk podem ser vistas em diversos jogos, dentre os quais listamos alguns a seguir.

A relação entre Berserk e Hidetaka Miyazaki

Ainda que tenha declarado várias vezes ser fã de Berserk, o diretor da FromSoftware e mente criativa por trás da série Souls, Bloodborne e Sekiro: Shadows Die Twice não conseguiria esconder a influência do trabalho de Kentaro Miura em seus jogos, nem se quisesse.

Falamos primeiro da série Souls, em específico da trilogia Dark Souls. Os títulos mesclaram elementos de progressão e jogabilidade se focando primariamente nos games mais antigos, buscando emular a altíssima dificuldade que era entregue na maioria das vezes por limitações na hora de programar. O estilo Souls-like, hoje copiado por diversos outros jogos, busca sempre em primeiro lugar punir e enfraquecer o jogador por qualquer deslize cometido, a fim de aumentar o desafio enormemente.

Por outro lado, o visual gótico e alguns recursos, além de diversos inimigos e NPCs, vieram direto de Berserk. Os mais óbvios incluem Godo/Andre of Astora e as armaduras usadas por Bazuso e Siegmeyer of Catarina, e os insuportáveis Wheel Skeletons, quase literais copy-pastes.

Bloodborne também teve sua cota de inspiração em Berserk, ainda que não tenha sido um jogo tão popular quanto a trilogia Dark Souls, em parte por ser exclusivo do PS5 e PS4. Uma das mais óbvias referências é o visual do Caçador, profissão que compartilha com o apóstolo Irvine, quando este está forma humana.

Outras semelhanças incluem os Mensageiros, que têm inclusive o mesmo nome em ambas obras, o chefe Ludwig do DLC The Old Hunters, que é muito semelhante ao cavalo possuído que aparece no mangá de Miura, e runa da Marca do Caçador, similar em design e função à Marca do Sacrifício.

O design do caçador de Bloodborne é bem semelhante ao de Irvine (Crédito: Reprodução/Hakusensha/Shueisha/Dark Horse Comics/FromSoftware/Sony Interactive Entertaiment)

O design do caçador de Bloodborne é bem semelhante ao de Irvine (Crédito: Reprodução/Hakusensha/Shueisha/Dark Horse Comics/FromSoftware/Sony Interactive Entertaiment)

Mesmo Sekiro: Shadows Die Twice tem um bom número de referências a Berserk, ainda que sua ambientação não tenha nada do tom medieval da obra de Kentaro Miura, e se alinhe mais aos antigos filmes de samurai. No entanto, é evidente que o protagonista, o Lobo/Sekiro foi desenvolvido tendo Guts como modelo. Ambos são órfãos, foram adotados e tiveram que matar suas respectivas figuras paternas, após serem traídos.

Além disso, a prótese ninja que Sekiro usa é muito similar à de Guts, também no braço esquerdo e podendo ser aprimorada com a adição de um canhão, além de outros apetrechos.

O Mikiri Counter de Sekiro: Shadows Die Twice também veio de Berserk (Crédito: Divulgação/FromSoftware/Activision)

O Mikiri Counter de Sekiro: Shadows Die Twice também veio de Berserk (Crédito: Divulgação/FromSoftware/Activision)

Outro ponto interessante, visto em Sekiro: Shadows Die Twice é o Mikiri Counter, um contra-ataque específico em que Sekiro pisa na espada do inimigo, de forma a abrir sua defesa para um golpe certeiro. A técnica foi vista em Berserk pela primeira vez no Volume 3, com Griffith a usando contra Guts.

Posteriormente, o protagonista do mangá usa a mesma técnica contra três inimigos ao mesmo tempo.

A influência de Miura em Final Fantasy

A franquia Final Fantasy veio antes de Berserk, com o primeiro game para o NES sendo lançado em 1987, mas alguns elementos usados em jogos lançados a partir dos anos 1990 foram inspirados, direta ou indiretamente, na obra de Miura.

Uma das mais óbvias é a Buster Sword de Cloud Strife, protagonista de Final Fantasy VII e de seu remake, ainda que o paralelo para ela e a Dragonslayer de Guts sejam espadas reais confeccionadas durante a Idade Média, como a Zweihänder e a Claymore.

No entanto, Cloud e Guts manuseiam a Buster Sword e a Dragonslayer de formas muito similares, inclusive com apenas uma mão, algo impossível na vida real dado o enorme peso de ambas as espadas.

Qualquer semelhança entre Guts e Cloud não é mera coincidência (Crédito: Reprodução/Hakusensha/Shueisha/Dark Horse Comics/Square Enix)

Qualquer semelhança entre Guts e Cloud não é mera coincidência (Crédito: Reprodução/Hakusensha/Shueisha/Dark Horse Comics/Square Enix)

Outra referência escancarada veio na expansão Heavensward de Final Fantasy XIV, com a adição da profissão de Cavaleiro Negro (Dark Knight) entre as disponíveis para o jogador. Os visuais dos sets de armaduras disponíveis, e a possibilidade de usar Greatswords como arma principal, similares à Dragonslayer, são elementos com raízes bem fortes ligadas a Berserk.

Embora as origens da profissão remontem a Leonhart/Leon em Final Fantasy II, e o membro mais conhecido da ordem dos Cavaleiros Negros dentro da franquia da Square Enix seja Cecil Harvey, o protagonista de Final Fantasy IV, mesmo este tendo virado um Paladino no decorrer da história, é fato que o mangá de Kentaro Miura tenha influenciado os desenvolvedores de Final Fantasy XIV, o suficiente para justificar a referência.

E lembrando mais uma vez que a comunidade do jogo é uma das mais sadias entre os MMOs disponíveis, diversos jogadores fizeram homenagens a Miura dentro de Final Fantasy XIV, em quase todos os servidores, com filas de Cavaleiros Negros pagando seus respeitos ao autor. Com direito a outros jogadores tocando ingame o tema de Guts.

As referências em Monster Hunter e Dragon's Dogma

Assim como Hidetaka Miyazaki, o diretor Hideaki Itsuno nunca escondeu sua admiração por Miura e Berserk, tendo inclusive emulado sua decisão de incluir coisas que jovens achariam legais para atrair a atenção para seus jogos. O primeiro e mais evidente resultado dessa abordagem foi a franquia Devil May Cry, uma divertida colagem de momentos absurdos e insanos, embora voltada mais para o humor e menos para o horror e violência gráfica.

Na franquia Monster Hunter, Itsuno se voltou para um elemento em específico também encontrado no mangá, o de mercenários que tiram seu sustento de caçar monstros. De novo o elemento dramático ficou de fora, mas há dicas e referências aqui e ali, como a Dragonslayer, que pode ser encontrada.

A Dragonslayer pode ser encontrada em Monster Hunter Freedom Unite (Crédito: Reprodução/Capcom)

A Dragonslayer pode ser encontrada em Monster Hunter Freedom Unite (Crédito: Reprodução/Capcom)

Já em Dragon's Dogma, título lançado originalmente para o PS3 em 2012, Hideaki Itsuno se permitiu ir ainda mais a fundo nas referências a Berserk, usando suas similaridades como um fator para alavancar as vendas do jogo. Além da temática mais sombria, alguns dos personagens guardam semelhanças físicas, de personalidade e até de histórico entre as obras, como Casca/Mercedes e Charlotte/Aelinore.

A intenção foi inclusive alinhada com a editora de Berserk, já que as armaduras de Guts e Griffith foram introduzidas em Dragon's Dogma.

Dragon's Dogma trouxe armaduras inspiradas em Guts e Griffith (Crédito: Divulgação/Capcom)

Dragon's Dogma trouxe armaduras inspiradas em Guts e Griffith (Crédito: Divulgação/Capcom)

Jogos baseados em Berserk

Por ser uma obra publicada durante mais de 30 anos, é claro que Berserk também teve sua cota de games próprios. O primeiro foi Berserk Sennen Teikoku No Taka Hen Wasurebana no Shō, localizado como Sword of the Berserk: Guts' Rage.

Lançado em 1999 para o Sega Dreamscast, na mesma época que Shenmue, ele trazia uma história situada entre os volumes 22 e 23 do mangá, e um elemento considerado inovador na época, os Quick Time Events, em que o jogador precisa apertar um botão no momento certo para desencadear uma ação rápida.

Mecanicamente o jogo teve alguns problemas. A jogabilidade era limitada por Guts não conseguir usar a Dragonslayer de forma eficiente em ambientes estreitos, que compunham a maior parte dos cenários, pois a espada ficava constantemente batendo nas paredes.

A desenvolvedora Yuke's (série WWE 2K) corrigiu as falhas do primeiro jogo com Berserk Sennen Teikoku No Taka Hen Seima Senki no Shō, lançado em 2004 para o PS2 apenas no Japão. A narrativa adapta parte da história do Arco do Falcão do Império Milenar, indo do volume 22 até o 27 (a saga foi encerrada na 35ª edição do mangá), com Guts buscando uma forma de resgatar a sanidade de Casca.

Aqui, o recurso de motion capture foi usado com modelos poligonais mais detalhados que os de Sword of the Berserk: Guts' Rage, e por empregar ambientes mais amplos, este jogo não limitava as ações de Guts durante os combates.

Mesmo hoje, considerando as limitações do PS2 frente aos consoles atuais, e uma inevitável comparação com a série Souls, este game ainda é interessante.

O mais recente game divide opiniões. Berserk and the Band of the Hawk, lançado em 2016 (2017 no ocidente) para PS4, PS3 e Windows, é mais um título estilo Musou da desenvolvedora Omega Force, a divisão da Koei Tecmo responsável pelos games das franquias Dinasty Warriors, Samurai Warriors e Warriors Orochi, além da série Hyrule Warriors do Nintendo Switch, estrelada pelos personagens de The Legend of Zelda.

Embora muita gente não goste desse estilo de jogo, com um personagem contra hordas infindáveis de inimigos, este é o game que abrange o maior roteiro dentre os disponíveis, cobrindo os 35 volumes iniciais de Berserk, desde o primeiro capítulo até o fim do Arco do Falcão do Império Milenar.

Considerando o que é possível fazer hoje em desenvolvimento de games, graças ao poder dos PCs e consoles de mesa, seria muito interessante ver um jogo, ou mesmo uma série de jogos, adaptando a íntegra da história de Berserk, usando elementos de jogabilidade similares às obras que inspirou, como a série Souls, de forma a fechar um ciclo.

Seria uma homenagem muito justa à vida e obra de Kentaro Miura, que deixaram marcas profundas na indústria de games como um todo.

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