Carlos Cardoso 2 anos atrás
Por milênios corrosão não foi problema pros engenheiros navais. Com navios feitos essencialmente de madeira, havia pouco risco dos navios enferrujarem, mesmo que fossem de pau-ferro. Com o advento dos navios de metal, isso mudou.
Você não precisa nem entrar na água, na verdade nem precisa ser mar de verdade, eu moro perto da Baía de Guanaraba, que é mais ou menos cocô homeopático, e tudo metálico e eletrônico aqui tem vida curta. Imagine um imenso navio de ferro ou aço, não vai durar muito.
Claro, uma boa mão de zarcão ajuda a evitar corrosão, mas só com isso em pouco tempo seu barquinho ainda assim viraria o SS Tétano, felizmente a Ciência entende razoavelmente os fenômenos envolvidos.
Primeiro de tudo, esqueça o que os ecologistas falam. Oxigênio é uma desgraça. Esse inferno de gás afeta tudo na Terra. Qualquer superfície metálica na verdade não é metal, mas uma fina camada de óxidos. Nossa atmosfera contém mais radicais livres do que uma convenção do PCCPC.
Oxigênio adora uma oxidação, ele rouba elétrons de outros átomos, e metais por sua vez adoram doar elétrons. Esse casamento resulta em uma reação chamada REDOX, Redução/Oxidação, aonde o metal se combina com Oxigênio e outros elementos, no caso da água, temos a reação-padrão:
Fe → Fe2+ + 2e−
O2 + 2H2O + 4e− → 4OH−
2H2O + 2e− → H2 + 2OH−
Fe2+ + 2OH− → Fe(OH)2
Também são formados vários outros óxidos férricos, no coletivo chamados de ferrugem, e em carros de passeio também.
Uma clássica reação REDOX. O átomo de Sódio tem elétrons a mais, o de Flúor, de menos. Um elétron é doado, os dois atingem equilíbrio e se unem formando Fluoreto de sódio. (Crédito: Wikicommons)
Sim, oxidação não precisa necessariamente de Oxigênio, mas na nossa atmosfera, ele é o preferido.
Num corpo metálico essa reação segue sempre o modelo eletroquímico de transporte de elétrons entre ânodo e cátodo. As partes com maior ou menor potencial de doar elétrons são o foco da reação, e com o avanço da oxidação as partes se movem, por isso corrosão não é uniforme.
Sabendo disso os cientistas pensaram: E se ao invés de tentar combater a corrosão com tintas e similares, a gente aproveitasse das características dela, deixando a corrosão ocorrer, mas sob nosso controle?
Eles sabiam que cada metal tem um potencial eletroquímico diferente, se você tem dois metais em contato, em um ambiente corrosivo, a corrosão vai preferir atacar primeiro o metal mais dadivoso, em termos de ceder elétrons.
Daí pra prática, foi uma questão de experimentação, achar os melhores metais, formatos, quantidade a espalhar. Hoje em dia usa-se principalmente Magnésio e Zinco, em placas instaladas nos lemes, hélices e espaçadas pelo casco.
Ânodos de Sacrifício, um antigo, e dois recém-instalados (Crédito: Jean-Pierre Bazard - Wikimedia Commons)
Pelo menos uma vez por ano elas precisam ser trocadas, mas o casco graças a isso sofre muito menos danos. A não ser em casos como o USS Independence, um navio com pouco mais de um ano de construído, que está literalmente se desfazendo. Aparentemente os projetistas esqueceram de como corrosão galvânica funciona, e instalaram partes debaixo d’água feitas de metais diferentes. Resultado? Os turbojatos de propulsão, de aço, estão valentemente defendendo o navio de alumínio da corrosão, e se esfarelando no processo.
Três blocos de zinco, espaçados protegendo o casco (Crédito: Jean-Pierre Bazard - Wikimedia Commons)
Já nos navios, barcos, lanchas, oleodutos, plataformas de petróleo e outras estruturas bem-projetadas, os ânodos estão lá, se dissolvendo como projetado, motivo aliás pelos quais são conhecidos como “metais de sacrifício”. Sacrifício aliás é um ótimo nome pra uma banda de metal.