Carlos Cardoso 3 anos atrás
Red Son, que no Brasil ganhou o pitoresco título "Superman entre a foice e o martelo" é uma excelente mini-série em quadrinhos que virou uma animação da Warner, que como todos sabemos ou erram muito ou acertam muito, em geral caindo para a segunda opção. Desta vez o resultado vai depender do observador.
Quem conhece a história original, resenhada aqui, vai sair decepcionado. Quem nunca leu o quadrinho, terminará gostando bastante da animação. Curioso, né? Continue lendo e entendera.
Ah sim:
(leia o artigo anterior mesmo)
O conceito do Superman crescer na Ucrânia, sob o comunismo soviético, se tornando um fiel servo do Estado por si só é excelente, e abre altas discussões filosóficas, sobre como o poder absoluto corrompe mesmo uma criatura essencialmente moral como o Superman, e Lex Luthor cria uma utopia não por gostar do povo, mas para derrotar o comunismo soviético viabilizado pela existência de Kal-El.
O filme faz um bom trabalho em apontar que o ocidente capitalista não foi competente em cuidar dos menos favorecidos, mas o comunismo aonde dissidência era crime capital e não havia liberdade também não era a resposta. Infelizmente isso tudo fica meio superficial, por falta de vontade dos autores em cortar uma ou outra cena de ação em prol do diálogo.
O grande problema dessa adaptação é esse, a simplificação. Vários personagens foram cortados, e como veremos mais tarde, o final não existe, embora termine de forma satisfatória para quem não leu o original de Mark Millar, quem leu vai ficar com cara de bunda "como assim acabou?"
Vejamos algumas dessas modificações:
No quadrinho Bruce Wayne (ou melhor, seu equivalente soviético) é filho de dissidentes políticos que protestam contra Stalin, e obviamente são perseguidos por Pyotr Roslov, chefe do NKVD, a agência antecessora da KGB, responsável por assassinatos políticos, gulags, censura, espionagem interna e todo tipo de maldade que Tio Joseph adorava. Roslov mata os pais de Bruce, que o olha com ódio, sendo nascida aí a fagulha que geraria o Batman.
No filme o Superman descobre as atrocidades de Stalin e investiga um gulag subterrâneo, entre os prisioneiros um garoto, com os dois pais mortos. O garoto cheio de ódio diz para Superman "Dizem que você pode ouvir uma folha caindo a 1000Km, mas não ouvia nossos gritos?" com direito a morceguinhos ao fundo. Uma origem muito fraca para o Batman.
Aqui, outra simplificação. No original Superman só descobre as atrocidades de Stalin depois que ele morre envenenado, Kal-El é praticamente empurrado para a presidência, ele não quer o poder. Na versão animada, talvez para manter a imagem de bom-moço do personagem, Lois Lane dá a Kal-El um dossiê com a verdade sobre Stalin. Os dois se confrontam, Stalin diz que Superman precisa entender que para o sistema funcionar, algumas pessoas precisam morrer.
"Sábias palavras", diz Kal-El antes de matar Stalin.
Sim, Superman mata Stalin. Parece ser mais palatável do que ele ter ignorado décadas de atrocidades, mas isso apenas enfraquece o personagem, que também de forma bem pouco característica, imediatamente assume o poder. Em uma cena digna do General Zod, quando os guardas e o principal general de Stalin entram e percebem o que aconteceu, todos se ajoelham diante de Kal-El.
A Rainha Hypolita foi cortada, a única amazona da história é Diana, que é, como no original capturada por Batman e usada em um plano para tentar aprisionar Superman, plano que termina com a morte de Batman e Diana se ferindo gravemente, ficando com cabelos brancos. Mais tarde ela aparece em uma batalha aonde no original deveria enfrentar Kal-El, aliada a Luthor, mas apenas declara neutralidade.
No quadrinho Superman Red Son Lex se elege Presidente em meio a uma imensa crise econômica, as últimas duas democracias do mundo são os EUA e o Chile. Luthor bola um plano de recuperação econômica brilhante, fecha a economia, tornando o país autossuficiente. Em um mês a qualidade de vida dobra e o mundo passa a ver os EUA como uma alternativa, sem o totalitarismo soviético, que não admite opiniões contrárias e teve os Gulags de Stalin substituídos por uma cirurgia cerebral que reprogramava os dissidentes em cidadãos leais ao Estado.
Luthor é bem menos genial no filme, não fica claro que tudo fazia parte de um plano de mais de quarenta anos para derrotar o Superman.
Presidente Luthor passando o cargo para o Vice-Presidente James Olsen. Sim, isso é pura ficção. Os EUA nunca elegeriam um presidente careca.
Nas duas versões Brainiac encolhe Stalingrado, que Luthor usa para chantagear Superman, que acaba invadindo os EUA junto com Brainiac, devidamente lobotomizado, apenas para se voltar contra Superman. A diferença é que na versão animada Brainiac destrói Stalingrado, Superman e Luthor se aliam e Kal-El acaba se sacrificando para salvar a Terra.
No quadrinho Red Son Luthor está aprisionado por Brainiac, Superman prestes a invadir a Casa Branca, quando Lois Lane, a Primeira-Dama sai com uma carta de Luthor para Superman. É o grande momento, quando ele percebe que apesar das boas intenções não era em nada diferente dos inimigos que tanto odiava.
Na animação Brainiac admite que estava manipulando Kal-El todos esses anos, e explica didaticamente tudo. Ao invés de uma percepção pessoal, Superman apenas ouve que estava errado. De novo, ficou... fraco.
Superman e Luthor atacam Brainiac, que é destruído mas aciona sua autodestruição, Superman leva a nave de Brainiac para o espaço profundo, ela explode e nunca mais se escuta falar de Superman. O Presidente Luthor renuncia, após anunciar que os Estados Unidos irão abraçar o povo soviético e ajudá-lo a sair de sua crise econômica. Lois olha para a platéia e por um momento parece ter visto um sujeito de sobretudo muito parecido com Superman. THE END.
COOOOOMO ASSIM?
Exato, crianças. A animação acaba ali.
No quadrinho Luthor estuda as idéias de Superman e Brainiac, aproveita várias, cura doenças, estende a expectativa de vida da humanidade, elimina pobreza, fome, miséria, cria um modelo econômico que não é capitalismo nem comunismo, mas Lutherismo, e morre com mais de 800 anos de idade. Seus descendentes são igualmente geniais, a Terra conquista o Sistema Solar, o planeta é uma utopia, até que milhões de anos no futuro, um descendente de Alexander L. Luthor, Jor-L, também cientista tenta alertar que o Sol, agora uma gigante vermelha, corre risco de virar uma nova.
Ninguém acredita, a sociedade perfeita é acomodada e não acredita em mudanças. Como forma de salvar seu filho e mudar o futuro da Terra, Jor-L manda seu único filho em uma nave temporal para a Terra do passado, e o pequeno Kal-L pousa em 1938, na Ucrânia.
NADA DISSO ACONTECE NA ANIMAÇÃO.
Eles basicamente refilmaram O Império Contra-Ataca e tiraram a parte em que Luke descobre ser filho do Vader. Eles sumiram com a cereja do bolo.
Sim, a proposta de Red Son era "O que aconteceria se o Superman fosse comunista?" e eles entregaram, mas abriram mão do epílogo que transformou uma boa história em um épico. É uma decisão sem-sentido, quase do nível da imensamente questionável inclusão de um romance basicamente incestuoso entre a Batgirl e o Batman, na versão animada do Dark Knight, de Frank Miller. DESNECESSAURO.
O prólogo, com o jovem Kal-El na Ucrânia não existe nos quadrinhos. Vemos sua amizade com Svetlana, uma óbvia mas não usada nos quadrinhos variação do nome de LANA Lang, e quando mais tarde Superman a encontra no Gulag, seu crime conhecer quem Superman era antes da fama, torna seu reencontro muito mais forte, e logo em seguida ela morre, talvez o momento em que o limite foi ultrapassado.
Lois Lane tem muito mais agência, participando ativamente de vários momentos, inclusive a denúncia dos crimes de Stalin, algo que também ficou melhor. Superman é essencialmente BOM, ele não seria cúmplice do Holodomor e tantos outros genocídios. Ele ser ativamente mantido no escuro não funcionaria por muito tempo, e o dossiê (preparado por Lex) adiantou o inevitável.
Em um momento de deliciosa ironia, em Berlim, 1961 o Ocidente constrói um muro para tentar impedir o avanço do comunismo, e Superman destrói o Muro, com direito a "TEAR DOWN THIS WALL!" e tudo.
Essa enorme e desnecessária resenha foi feita alternando entre dois pontos de vista, e é realmente confuso. Me colocando no lugar de quem não leu Superman Red Son, eu vejo uma boa e instigante peça dramática, com momentos bem fortes, excelente diálogo e animação bem melhor que o irregular traço da mini-série original, e recomendo, bastante.
Por outro lado, conhecendo o original confesso que fiquei decepcionado. Faltou o principal, em minha opinião. Faltou a surpresa, faltou o ciclo se fechando.
2/5 Super-comunistas pra quem leu o quadrinho
4/5 Super-comunistas pra quem não leu o quadrinho