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A Morte do Superman, 30 anos depois

30 anos depois, descubra os fatores que levaram à Morte do Superman nas HQs, e como o evento influencia diversas mídias até hoje

1 ano atrás

A Morte do Superman, um dos maiores eventos em quadrinhos já publicados, completou 30 anos em 2022. Fruto de decisões tomadas por pressões externas à DC Comics, e pela baixa venda de HQs que afligia o setor na época, a história foi acusada de ter sido um golpe para vender mais gibis (o que é verdade), mas mesmo assim, influenciou a mídia e histórias que seriam lançadas nos seguintes.

Golpe publicitário ou não, A Morte do Superman teve repercussões enormes na indústria de quadrinhos (Crédito: Reprodução/DC/Warner Bros. Discovery)

Golpe publicitário ou não, A Morte do Superman teve repercussões enormes na indústria de quadrinhos (Crédito: Reprodução/DC/Warner Bros. Discovery)

A Morte do Superman teve repercussões não apenas dentro da DC, mas também em outras editoras, como a Marvel, em outras mídias, como cinema e TV, e foi o primeiro evento de quadrinhos a ter repercussão na imprensa global. Afinal, como poderia o Homem de Aço, o símbolo da Verdade, Justiça e do American Way, morrer?

Superman: Entre a Morte e o Altar

No início dos anos 1990, o Superman era publicado em 3 revistas distintas, sendo Action Comics e The Adventures of Superman (originalmente chamada Superman, lançada em 1939) e a lançada em 1987 Superman, na esteira do reboot do personagem pós-Crise nas Infinitas Terras, por John Byrne.

A fase de Byrne nas revistas do Superman foi excelente, e recriou totalmente a mitologia do personagem (nota: procure a série O Mundo de Krypton), mas após sua saída, as vendas começaram a declinar. A decisão da DC em lançar uma quarta revista, Superman: The Man of Steel (1991), também não ajudou.

Heróis e anti-heróis mais violentos, como Wolverine e Justiceiro, vendiam bem mais, e a entrada da Image Comics no mercado, capitaneada pelo Spawn de Todd McFarlane, complicou ainda mais as coisas para o "escoteiro". Esse interesse em histórias mais dark foi impulsionado por obras de autores como Frank Miller (Batman: O Cavaleiro das Trevas) e Alan Moore (Watchmen, V de Vingança), entre outros.

A fase de John Byrne foi uma das melhores do Superman nas HQs (Crédito: Reprodução/DC/Warner Bros. Discovery)

A fase de John Byrne foi uma das melhores do Superman nas HQs (Crédito: Reprodução/DC/Warner Bros. Discovery)

Se o público não se interessava por histórias de um personagem fundamentalmente bom e altruísta, invencível e infalível, o que resta? Em 1991, os autores e o editor das HQs do Superman, Mike Carlin, começaram a trabalhar em cima de uma velha trope do Homem de Aço, para casá-lo com Lois Lane, mas houve um problema.

A Warner Bros., matriz da DC Comics, já havia encomendado a estreia de uma nova série de TV para 1993, que hoje conhecemos como Lois & Clark: As Novas Aventuras do Superman, centrada no romance entre os dois protagonistas. Os autores das HQs foram proibidos de casar o Super antes da série, pois a Warner desejava capitalizar em cima de um evento duplo simultâneo, que só aconteceu em 1997.

Foi então que Jerry Ordway, um dos roteiristas, repetiu uma piada que havia contado em 1988, quando John Byrne saiu das revistas, e o time estava tendo problemas para decidir novas histórias:

"Então vamos simplesmente matá-lo."

A diferença é que desta vez, ao contrário do que aconteceu em 1988, ninguém riu.

Louise Simonson, na época roteirista de Superman: The Man of Steel, explicou que, baseada em sua experiência anterior como editora das revistas dos X-Men, "matar um personagem relevante reforça sua importância para seus aliados, inimigos, e para o mundo" em que está inserido.

Por mais que o Superman não vendesse tanto, ele era (é) o maior super-herói de todos os tempos, e um símbolo. Fazê-lo abotoar o paletó de madeira, e de uma maneira convincente, teria repercussões dentro e fora das HQs; a comoção seria generalizada, e de alcance mundial.

Carlin gostou da ideia, e os trabalhos para desenvolver um evento centrado na morte do Homem de Aço (e seu eventual retorno) começaram. A primeira preocupação era o "como", e a conclusão foi de que o Super precisava de um carrasco à altura.

Apocalipse, diferente de vários inimigos do Superman, era uma besta irracional (Crédito: Reprodução/DC/Warner Bros. Discovery)

Apocalipse, diferente de vários inimigos do Superman, era uma besta irracional (Crédito: Reprodução/DC/Warner Bros. Discovery)

Surge Apocalipse

Nos primeiros brainstorms, os autores decidiram que, diferente de outros adversários do Super, o responsável por sua morte não deveria se apoiar no seu intelecto, como Lex Luthor, ou em tecnologia. As primeiras sugestões delinearam o inimigo como uma "besta", movida apenas por instinto e desejo de destruição. O nome veio do quadro de sugestões de Mike Carlin, que ele nomeou de "Doomsday for Superman".

Na história foi planejada e dividida em 3 partes, sendo a morte, o funeral e o retorno, e foi publicada nas revistas do Homem de Aço entre dezembro de 1992 e outubro de 1993. Na primeira parte, Doomsday (no Brasil, Apocalipse) se liberta de uma cápsula-prisão enterrada no meio-oeste dos Estados Unidos, e sai destruindo e matando tudo o que encontra pelo caminho.

A Liga da Justiça Internacional, chamada para contê-lo, é avassalada pelo monstro, com uma mão amarrada nas costas, literalmente. O Superman se envolve e a partir daí, começa um confronto que, obviamente, é concluído em Metrópolis.

No fim, Superman e Apocalipse matam um ao outro.

RIP Superman (Crédito: Reprodução/DC/Warner Bros. Discovery)

RIP Superman (Crédito: Reprodução/DC/Warner Bros. Discovery)

A cena do Superman morto, nos braços de Lois Lane, é icônica até hoje (obviamente uma reprodução da Pietá de Michelangelo), e foi inevitavelmente reproduzida no crossover Crise nas Infinitas Terras, do CW:

Apenas sai Apocalipse, e entra Lex Luthor:

O impacto foi óbvio: a revista Superman #75, que trouxe a batalha final, vendeu mais de 6 milhões de exemplares. O evento foi destaque em noticiários do mundo inteiro, Brasil incluso.

Por aqui, a Editora Abril colocou o carro na frente dos bois: para capitalizar em cima do buzz, ela publicou a saga apenas um ano após lançada nos Estados Unidos, sendo que ela estava muito à frente da cronologia dos gibis mensais.

Do Funeral ao Reino dos Supermen

A morte do Super era a primeira parte do evento, que iria trabalhar como o mundo reagiria a uma (na cabeça de todos) impossível  derrota definitiva do Homem de Aço. A trama da segunda parte, Funeral Para um Amigo, se focou no sentimento de luto de pessoas próximas a Clark Kent, como seus pais (Jonathan Kent sofre um infarto próximo do final), Lois e Jimmy Olsen, mas também dos demais heróis, e até vilões.

Esta história tratou de explicar o sumiço do Clark, no que ele foi dado como morto por consequência da devastação causada por Apocalipse em Metrópolis. Há também um mini-plot em que o corpo do Superman é roubado, para fins que ficaram claros na sequência da história.

O funeral do Super foi um evento por si só (Crédito: Reprodução/DC/Warner Bros. Discovery)

O funeral do Super foi um evento por si só (Crédito: Reprodução/DC/Warner Bros. Discovery)

A terceira e última parte do evento, The Reign of the Supermen (O Retorno do Superman no Brasil; a Abril não tinha imaginação), criou um cenário de mistério em volta da possível ressurreição do Homem de Aço, ao apresentar quatro novos personagens (na verdade, dois) que clamavam ser o verdadeiro Kal-El.

No fim um 5.º Superman, trajando preto, armado até os dentes e bem mais fraco, se revelou como o verdadeiro, enquanto o Ciborgue era um antigo vilão, se passando pelo herói para destruir a Terra. O "Superman do Visor", chamado de Último Filho de Krypton, era o perigoso Erradicador, uma das criações de John Byrne, semi-reformado (mas extremamente violento), e responsável direto por reviver o Super.

O Superboy, embora um clone, resgatou o antigo personagem à moda dos anos 1990, enquanto Aço era um homem em uma armadura, uma forma que a DC encontrou de introduzir um herói negro sem apelar para (muitos) estereótipos. A ideia de amarrar sua história com a lenda de John Henry, e fazer dele um "Tony Stark da classe operária", foi interessante.

Mas o filme com Shaquille O'Neal foi um desastre.

A conclusão do evento trouxe novos (e velhos) personagens, que se tornaram populares nos anos seguintes (Crédito: Reprodução/DC/Warner Bros. Discovery)

A conclusão do evento trouxe novos (e velhos) personagens, que se tornaram populares nos anos seguintes (Crédito: Reprodução/DC/Warner Bros. Discovery)

Vale mencionar que A Morte do Superman foi adaptada em outros formatos de mídia, desde livros a duas animações distintas (a segunda, dividida em duas partes, é mais fiel), e rendeu inclusive um game para Super NES e Mega Drive, The Death and Return of Superman.

Na minha opinião, a única adaptação realmente decente do Homem de Aço para videogames, além do título para Atari 2600 (céus, ninguém merece Superman 64).

A Morte do Superman — Consequências

Hoje, é fácil apontar a influência d'A Morte do Superman na mídia, seja nas séries da CW, ou nos filmes de Zack Snyder, no que sua versão para Liga da Justiça resgatou inclusive o uniforme preto (para nossa sorte, os mullets ficaram de fora). No entanto, muitos apontam o evento como um simples golpe publicitário, criado para vender gibis gerando uma polêmica.

Dan Jurgens, Roger Stern, Louise Simonson, Jerry Ordway e Karl Kesel, que escreveram a saga, negam até hoje que o intuito da história era inicialmente mercadológico, embora reconheçam o fenômeno de vendas decorrente de matar (e ressuscitar) o Homem de Aço.

Não obstante, críticos apontam A Morte do Superman como o catalisador do que ficou conhecido como "A Década Perdida" das HQs, com roteiristas correndo atrás sempre para criar situações chocantes, ou para transformar heróis em versões mais violentas e radicais.

A minissérie A Queda do Morcego, em que Bane quebra a coluna do Batman, seria a primeira consequência dos rumos editoriais, ditados com A Morte do Superman.

Depois do Super, foi a vez do Batman (Crédito: Reprodução/DC/Warner Bros. Discovery)

Depois do Super, foi a vez do Batman (Crédito: Reprodução/DC/Warner Bros. Discovery)

Daí por diante, seguiram-se histórias como Magneto arrancando violentamente o adamantium do esqueleto de Wolverine, o Capitão América tendo o soro do supersoldado removido de seu sangue, a Saga do Clone, a transformação de Hal Jordan, o Lanterna Verde, no vilão Parallax (uma consequência direta da saga do Superman), Diana perdendo o posto de Mulher-Maravilha, e por aí vai.

Isso, e o aumento no número de edições impressas, impulsionado por uma bolha especulativa, causaram o Crash das HQs em 1996, culminando com a falência da Marvel Comics. Para se salvar, a empresa vendeu direitos de seus personagens para quem quis comprar, e foi assim que o Homem-Aranha caiu nas mãos da Sony.

Ainda assim, A Morte do Superman é vista hoje como uma história que introduziu mais variedade nas HQs, ao trazer personagens que se tornaram populares depois, como Aço e Superboy/Conner Kent, este tendo evoluído muito desde então.

Ela também permitiu que personagens mais apagados ganhassem mais destaque, como a Matriz/Supergirl, na época uma massa de protoplasma de outra dimensão, que podia mudar de aparência, e gênero, sempre que quisesse. Ela inclusive se passou pelo Super por um tempo, antes de assumir sua forma final.

De certa forma, a Supergirl Matriz foi a primeira personagem genderfluid das HQs (Crédito: Reprodução/DC/Warner Bros. Discovery)

De certa forma, a Supergirl Matriz foi a primeira personagem genderfluid das HQs (Crédito: Reprodução/DC/Warner Bros. Discovery)

Experiências como essas, buscando maior variedade e representatividade, foram bases para personagens que temos hoje, como Jon Kent/Superman, assumidamente bissexual, e outros.

A Morte do Superman pode não ser um exemplo de boa história, há inúmeros clichês da época, e a necessidade de chocar para vender gibis, que se tornou um mal perene durante os anos 1990 em todo o setor, mas é preciso reconhecer que como evento, ele influenciou, e continua influenciando, diversos autores, roteiristas e artistas, tanto nos quadrinhos, quanto em outros formatos.

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