Minhas Aventuras com o Superman — o amigo voltou, ainda bem

Minhas Aventuras com o Superman é a primeira animação do escoteiro azul desde Superman: A Série Animada, encerrada em 2000 (sim, tudo isso). A produção da Warner no estilo anime deixou alguns fãs com o pé atrás, mas tudo o que define o personagem, em seus 85 anos de história, está no seu lugar.

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A série, aliás, resgata o espírito altruísta original do Super, posto de lado em produções recentes em prol de um personagem que se comporta mais como um deus, distante e frio, e volta a posicioná-lo como um herói, que usa a Esperança como seu maior poder.

Afinal, o Homem do Amanhã voltou a se encontrar na animação? Confira nossa resenha, com vários SPOILERS, dos dois primeiros episódios.

Sai o Supermarrento, entra o Superamigo

A série começa com um flashback em que o jovem Clark, ainda em Smallville, salvando um carro desgovernado de se esborrachar em uma árvore, para seu próprio espanto. Foi a primeira vez que ele tomou consciência de que tem poderes, o que leva, no segundo episódio, à cena em que seus pais desenterram a "nave" que caiu no quintal deles, com ele ainda bebê.

Ao tocar no aparato, ele ativa uma gravação em holograma de Jor-El, que fala em uma língua que ninguém, nem mesmo Clark, entende. Ele não faz ideia do que é, de onde veio, e não tem noção nenhuma sobre Krypton até a idade adulta. Por medo, Clark não acessa nada e volta a enterrar a nave no chão.

Isso é uma reminiscência do reboot do personagem nas HQs pós-Crise nas Infinitas Terras, no que John Byrne definiu que o Superman começou sua carreira sem saber quase nada sobre seu planeta natal.

A trama inicial de Minhas Aventuras com o Superman gira em torno de "quem" o Homem de Aço é, algo que nem o próprio Clark entende por completo. Ele tem poderes, mas faz de tudo para ocultá-los, fazendo o bem aqui e ali sem que ninguém saiba, como, claro, salvar um gato de uma árvore.

No presente, Clark mora em Metrópolis e divide um apartamento com Jimmy Olsen, um enérgico fotógrafo cheio de teorias da conspiração na cabeça. Ambos são os novos estagiários do jornal Planeta Diário, e serão treinados pela estagiária veterana, a intrépida aspirante a repórter Lois Lane.

Lois e Clark se encontram antes de chegarem ao jornal, em uma cena onde fica bem claro que este Superman é bem mais próximo do interpretado por Christopher Reeve: com os óculos, ele é um homem de bom coração, atrapalhado e introvertido. Ele até anda curvado igual ao Reeve, que dentro e fora dos filmes definiu o personagem, antes de qualquer coisa, como "um amigo".

E é isso que ele voltou a ser.

No Planeta, Lois, Clark e Jimmy se conhecem de forma apropriada, como colegas de trabalho, e vemos que esta Lois, como todas as outras, quer de todo jeito publicar furos de notícias, aqui, para deslanchar sua carreira. O que tira seu chefe, o sempre irritado Perry White (não importa a mídia) do sério.

White não quer saber de Lois e os novatos se metendo onde não devem, sua função é simplesmente fazer trabalho de estagiários, como servir café, operar o scanner, essas coisas.

Lois tem uma pista sobre um suposto roubo de robôs militares na cidade, mas é proibida por White de deixar o prédio e tentar bancar a repórter enxerida. Ela, claro, acaba mentindo para cooptar Clark e Jimmy para seu lado, dizendo a eles que teve a aprovação do chefe, a fim de seguir suas pistas e descobrir a verdade.

Após coletar novas pistas com os informantes juvenis da Lois, o trio vai parar em um depósito que estava sendo usado pelos ladrões, mas que já havia sido esvaziado. Nessa hora, White liga para Clark, que descobre a mentira, e deixa Lois e Jimmy para trás, enquanto volta para jornal.

A dupla, claro, acaba encontrando os robôs roubados em um pier, e o grupo de ladrões, liderados por Leslie Willis, ativa um deles para dar cabo dos xeretas. Nisso, uma das informantes vê a cena, que alcança e avisa Clark. Ciente do perigo, ele corre para salvar os amigos.

No meio do rolo, Clark usa uma roupa de estivador para se disfarçar e espanca um dos robôs, com certa dificuldade, no que Leslie ativa os restantes para eliminar o misterioso homem voador. Lois se coloca na linha de fogo, e Clark, desesperado para salvá-la, acaba desbloqueando um novo nível de poder, ao causar uma reação na "nave" lá em Smallville.

Os bandidos fogem, Lois e Jimmy são salvos, e nenhum dos três é demitido, graças às evidências em fotos (desfocadas) do herói voador, que Lois chama de "Superman". Clark agora tem um problema, ele foi visto usando seus poderes em público, e não pode mais se esconder por muito tempo.

"S" de Esperança... e de Shōnen. Shōjo também

No segundo episódio, Lois e Jimmy seguem as pistas da gangue de Leslie, esperando que ao encontrá-la, achem também o Superman, enquanto Clark dá uma desculpa de estar doente e volta para Smallville, para acessar de novo a "nave" e descobrir o que ele é.

Ao fazer isso, o aparato de Krypton o "puxa" para dentro, onde o holograma de Jor-El, de novo falando apenas em kriptonês, interage mais diretamente com nosso herói, que vê imagens de Krypton, sua mãe Lara, e do pequeno Kal-El sendo salvo da destruição do planeta.

No fim do processo, a nave dá a Clark o traje kryptoniano, em uma cena de transformação que é uma homenagem descarada a Sailor Moon, mas também remete à fase d'Os Novos 52 das HQs, onde Clark consegue o uniforme no meio de espólios de Krypton coletados por Brainiac.

A série faz um meio-termo com esta e a versão original da criação do traje, costurado por Ma Kent; aqui, ela adicionou a sunga vermelha e o cinto, por achar que "faltava alguma coisa".

Em Metrópolis, Lois e Jimmy rastreiam Leslie até um parque, enquanto esta tentava negociar um acordo com seu suposto contato, um agente black-ops que estava na cola dela. A coisa degringola, e os dois saem na mão, com a jovem ativando um traje que canaliza descargas elétricas. O traje, e o cabelo arrepiado para cima da vilã quando ela usa seus poderes, é uma referência direta a Dragon Ball Z.

Quando Lois e Jimmy estão prestes a irem para o saco (de novo), Clark surge com pompa e circunstância, pronto para pela primeira vez agir em público, usando seus dons para fazer o bem e proteger a todos.

O confronto entre Clark e Leslie, que vai evoluir para a vilã meta-humana Curto-Circuito, é resolvido da maneira Clark de ser: ele não tem a intenção de machucá-la, e diz com todas as letras: "estou aqui para ajudar".

ISSO é o Superman. Ele sempre está comprometido em fazer a coisa certa, a ajudar quem precisa, e a estender a mão a todos, sejam inocentes, heróis, ou mesmo vilões. Seu coração genuinamente humano, e seu ímpeto de fazer o bem, não importa a quem, colocando-os acima de seus dons especiais, é o que o difere de todos os demais.

Muita gente costuma ver o Superman como um herói chato, por ser indestrutível e invulnerável, mas suas melhores histórias são aquelas que exploram seu lado humano, e não seus poderes basicamente divinos.

Essa esperança e crença inabaláveis no potencial e no espírito humano, de sempre buscarmos sermos melhores do que éramos ontem, é o que faz do Superman um símbolo para tantos outros heróis, dentro e fora da DC.

O episódio termina com a história do primeiro ato público do Superman ganhando a primeira página do Planeta Diário, para felicidade do trio, mas ela dura pouco, pois Perry White creditou três jornalistas profissionais do periódico, e não os estagiários. Lois, claro, fica fula da vida.

Enquanto isso, Leslie é interrogada pelo agente que a atacou no parque, agora revelado como Slade Wilson, o Exterminador. Atrás dele só gente legal: Amanda Waller e general Sam Lane, pai da Lois.

De cara, a série entrega a existência da Força Tarefa X, aka Esquadrão Suicida, da qual Slade parece fazer parte. Ao mesmo tempo, Leslie diz que toda a tecnologia que roubou dos militares está agora nas mãos dos bandidos de Metrópolis, ou seja, mais trabalho para o escoteiro.

Minhas Aventuras com o Superman é visualmente um anime, produzido pelos coreanos do Studio Mir, responsáveis pela série Voltron: O Defensor Lendário e pelo episódio Jornada à Cabeça Sombria, da 2.ª temporada de Star Wars: Visions, além de A Lenda de Korra e Steven Universo.

Há uma série de piadas e elementos dos animes e mangás, de ambos gêneros shōnen (para garotos) e shōjo (para garotas), mas a essência continua sendo a de uma animação ocidental. Tecnicamente, a série lembra produções recentes como My Hero Academia e One-Punch Man, que não por acaso, são homenagens aos super-heróis do ocidente.

Outro ponto positivo é a série tratar os protagonistas como um time, ao invés de dois sidekicks e personagens acessórios ao Super. Lois é bem mais pró-ativa e determinada, mas tanto ela quanto Clark são igualmente perspicazes, com um completando as conclusões do outro.

Já Jimmy, embora acredite piamente em suas teorias, continua sendo um fotógrafo competente, capaz de observar, e capturar com sua câmera, coisas que Lois e Clark deixam passar batido.

As referências

Os dois primeiros episódios de Minhas Aventuras com o Superman tiveram uma boa dose de referências e easter eggs, além dos já citados.

O apelido que Jimmy usa nas redes sociais, por exemplo, é "Pássaro Flamejante" (Flamebird no original), um codinome da época em que foi um vigilante mascarado na cidade engarrafada de Kandor, em histórias das HQs dos anos 1970.

Ele era inclusive o parceiro de Clark, que atuava sem poderes sob a alcunha de... Asa Noturna.

Os informantes juvenis de Lois, liderados por Flip Johnson, são a nova versão da Legião Jovem, um grupo de crianças que vendia jornais e ajudava o herói Guardião, que por sinal, aparece na versão impressa do jornalzinho dos garotos, nas tirinhas desenhadas por um deles.

Flip também menciona um monte de nomes aparentemente aleatórios, mas que fazem referência a roteiristas do azulão nos quadrinhos, como Louise Simonson e Jon Bogdanov, co-criadores de John Henry Irons/Aço, e Dan Jurgens, que também é um dos mais lembrados artistas do Superman, principalmente pela saga da Morte e Retorno, além de ser o "pai" do Gladiador Dourado.

Jimmy solta, entre suas teorias malucas, uma série de palpites acertados, que fazem referência a Aquaman e Atlântida, Starro, o Conquistador Estelar, e até Monsieur Mallah, o gorila francês superinteligente, e "namorado" do vilão Cérebro, ambos inimigos da Patrulha do Destino.

Os três repórteres que "publicaram" a matéria sobre o Superman também são bem conhecidos: Cat Grant, Ron Troupe, e Steve Lombard.

A cena em que Clark se estapeia com os robôs gigantes, por sua vez, é uma referência dupla: trata-se de uma alusão à antológica série animada dos irmãos Fleischer, o episódio em que o Superman enfrenta os monstros mecânicos, que aqui, remetem a um visual próximo dos EVAs de Neon Genesis Evangelion.

Mesmo mais de 80 anos depois, essa produção, que hoje se encontra em domínio público, continua sendo referenciada e inspirando produções modernas. Aliás, foi dela que saiu o clássico bordão "É um passaro? É um avião?", recitado no segundo episódio, por Lois e Clark, além do "Mais rápido que uma bala...", provavelmente guardado para os próximos episódios.

Conclusão

Minhas Aventuras com o Superman venceu o receio inicial do público, que não estava tão a vontade para um anime estrelado pelo herói, e no momento em que esta crítica vai ao ar, conta com 100% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes, e 84% do público. Dessa forma, os dois primeiros episódios foram um sucesso inquestionável.

Tudo o que se espera de uma boa produção do Super e de animes shōnen está lá: ação, aventura, Lois e Clark agindo como repórteres investigativos, mesmo sendo ainda estagiários, e os dois, com Jimmy, sendo uma equipe em que todos se completam, sem que o azulão se destaque à frente dos demais.

E claro, há uma dose generosa de romance, com os dois pombinhos flertando de modo desajeitado, como em um bom anime shōjo.

Na minha opinião, Minhas Aventuras com o Superman é um bem-vindo resgate do Clark bondoso e generoso, que andava de escanteio graças a produções que ou tentaram torná-lo mais sério, ou convertê-lo em um vilão, como a série Injustice, que migrou dos games para os quadrinhos, e é uma clara influência para o Super mais extraterrestre e deus que humano do DCEU, do Zack Snyder.

Quem é fã de boas histórias de heróis altruístas vai adorar Minhas Aventuras com o Superman; agora, se você tem ojeriza a animes só lamento, estará perdendo uma obra de alta qualidade.

Onde assistir:

Minhas Aventuras com o Superman está disponível no HBO Max, em áudio original e dublado. E sim, temos Guilherme Briggs de volta.

Nota:

5/5 James Olsen Negão Responsa™️ de Supergirl.