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Tango Gameworks e o insustentável peso dos jogos

Apesar do sucesso de seus jogos, a Tango Gameworks foi mais uma vítima de uma indústria muitas vezes injusta e que sofre para sustentar o próprio peso

10/05/2024 às 10:38

Mesmo com um significativo crescimento no faturamento, a indústria de games tem passado por um dos momentos mais delicados da sua história. Nos últimos meses, dezenas de milhares de profissionais perderem seus empregos, com a expectativa de que muitos outros passem pela mesma situação e estúdios conceituados encerrem suas atividades sumariamente. O Tango Gameworks foi um dos últimos a ter esse destino.

Tango Gameworks

Crédito: Divulgação/Tango Gameworks

Fundada em março de 2012, a desenvolvedora chamou a atenção do mundo pelo nome por trás da sua criação, o aclamado pai da série Resident Evil, Shinji Mikami. Como primeiro projeto, o estúdio planejou um jogo de mundo aberto inspirado no universo da franquia Duna, mas após passar por dificuldades financeiras, eles foram comprados pela ZeniMax Media.

Na época, o que agradou Mikami foi a expectativa de que os novos donos lhes permitiriam a independência que ele tanto buscava e por alguns anos o relacionamento entre as partes foi harmonioso. Embora o projeto inicial tenha sido abandonado, a Tango Gameworks conseguiu entregar dois bons títulos de terror com a série The Evil Within e quando eles anunciaram o Ghostwire: Tokyo, os fãs previram mais um sucesso.

Porém, foi naquela época em que o estúdio se viu no meio de uma forçada mudança de rota. Com um negócio avaliado em US$ 7,5 bilhões, em 2021 a Microsoft adquiriu a ZeniMax Media e consequentemente, a Tango Gameworks. Aquilo fazia do estúdio de Mikami o primeiro pertencente à Gigante de Redmond situado no Japão, mas além de um jogo mobile chamado Hero Dice e que só durou cinco meses, os únicos outros projetos entregues após a nova venda foi o próprio Ghostwire: Toky e o Hi-Fi Rush.

O detalhe é que mesmo muito elogiado, este último não conseguiu salvar a desenvolvedora. Com Shinji Mikami tendo deixado a companhia em 2023, em 7 de maio deste ano a Microsoft comunicou o encerramento do Tango Gameworks, dando um ponto final para uma desenvolvedora que, mesmo tendo lançado poucos jogos, conquistou vários fãs.

Tango Gameworks

Crédito: Divulgação/Tango Gameworks

Curiosamente, um dia após o fatídico anúncio, o chefe do Xbox game Studios, Matt Booty, fez uma reunião com seus comandados e nela deu uma declaração no mínimo infeliz e que disparou uma onda de críticas na internet. “Precisamos de jogos menores e que nos deem prestígio e premiações,” afirmou o executivo, descrevendo exatamente o derradeiro projeto da Tango Gameworks.

Tendo alcançado três milhões de cópias vendidas em apenas quatro meses (mesmo estando disponível no Game Pass) e faturado vários prêmios, incluindo aí um Game Awards, um Game Developers Choice e o BAFTA, em abril de 2023 Aaron Greenberg saiu em defesa do título. “O Hi-Fi Rush foi um grande sucesso para nós e para os nossos jogadores em todas as medidas e expectativas,” disse. “Nós não poderíamos estar mais felizes com o que a equipe da Tango Gameworks entregou com este lançamento surpresa.”

Porém, mesmo que o vice-presidente de marketing da Microsoft tenha sido sincero, tamanha alegria não foi suficiente. “Olhamos para cada estúdio, para cada equipe e olhamos para toda uma variedade de fatores quando nos deparamos com decisões e compensações como essa,” afirmou Sarah Bond, presidente da Xbox Microsoft. “Tudo se resume ao nosso compromisso de longo prazo com os jogos que criamos, os dispositivos que construímos, os serviços e a garantia de que estamos nos preparando para poder cumprir essas promessas.”

Crédito: Reprodução/storyset/Freepik

Mas o triste encerramento da Tango Gameworks infelizmente não foi o único. No mesmo dia a Microsoft também anunciou o fim da Arkane Austin (Prey, Redfall) e uma semana antes, a Take-Two Interactive acabou com a Intercept Games (Kerbal Space Program 2) e a Roll7 (OlliOlli, Rollerdrome), com só esses dois estúdios resultando em cerca de 70 demissões.

Diante de tantas pessoas perdendo seus empregos e estúdios fechando as portas, vários desenvolvedores têm lamentado a situação delicada que os profissionais da área estão encarando e uma publicação que ganhou visibilidade no X (antigo Twitter) foi a da desenvolvedora indie, Maisie Ó Dorchaidhe. Ela resumiu bem o que estamos presenciando:

“Coisas que não irão mais te manter seguro nessa indústria:

  • Um bom jogo;
  • Um jogo lucrativo;
  • Um jogo que viralize;
  • Uma grande editora;
  • Uma pequena editora;
  • Uma grande equipe;
  • Uma pequena equipe;
  • Uma empresa-mãe rica;
  • Uma empresa-mãe ‘ética’;
  • Experiência;
  • Longas horas [de trabalho] e sacrifício.”

Pois uma crítica em forma de ironia também foi feita por Emma Kidwell, roteirista na Fireaxis. Usando a mesma rede social, ela disse: “Extremamente legal e nada devastador como mesmo os estúdios e desenvolvedores que fazem jogos premiados ou mais vendidos não estão protegidos contra a ✨reestruturação✨ e o ✨desinvestimento de recursos em outro lugar✨.”

Crédito: Reprodução/storyset/Freepik

Apontar um “culpado” pelo estágio em que a indústria de games se encontra seria minimizar muito o problema, mas ao conversar com o site GamesIndustry durante a Game Developers Conference realizada em março, o cofundador da Devolver Digital, Nigel Lowrie deu uma opinião que nos ajuda a entender um pouco dessa enorme panela de pressão que se formou o meio.

“Talvez existamos nós, na extremidade do tamanho pequeno-para-médio, mas no extremo das grandes [editoras], parece que elas estão se esmagando um pouco sob o próprio peso,” disse Lowrie. “Os consumidores estão tão envolvidos com alguns desses jogos-como-serviço realmente fantásticos, mas há um limite de tempo que eles podem gastar. Então, há jogos enormes sendo lançados e pedindo uma enorme quantidade de tempo, mas não há tanto tempo disponível para as pessoas jogarem.”

Outro desafio encarado pela Devolver tem sido a concorrência com os serviços de assinatura. “Pelo lado da desenvolvedora, você precisa convencer as pessoas a colocarem dinheiro no seu jogo ao invés de serviços com 100 ou 200 jogos,” ponderou. “Isso causa um pouco de problema.”

Crédito: Reprodução/macrovector/Freepik

Ainda assim, Lowrie defende que a quantidade de oportunidades para os pequenos estúdios está aumentando. “Acho ótimo para os desenvolvedores que possam assinar com um parceiro, seja um investidor, uma editora ou encontrar alguém que os ajudem a publicar por conta própria como um consultor,” disse, para depois citar como isso tem aumentado a competição. “Está se tornando cada vez mais difícil diferenciar e apresentar argumentos claros sobre porque você deveria gastar tempo com esse jogo, ao invés daquele.”

Mas voltando à Sarah Bond, ela tem razão quando afirmou que a indústria está passando por um momento de transição e com a inteligência artificial batendo na porta de quase todas as editoras, é provável que a onda de demissões que temos visto ganhe ainda mais força nos próximos meses.

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