Carlos Cardoso 20 semanas atrás
Guerra não é só soldado em frente de batalha, e nem falo de todo o trem logístico que acompanha uma unidade de combate. Há todo tipo de atividades que não envolvem conflito direto, incluindo inteligência, monitoramento, observação, dissuasão e sabotagem.
Durante a Segunda Guerra os Aliados usaram extensamente de métodos de “guerra não-convencional”. Em 1940 Winston Churchill criou o SOE, Special Operations Executive, ou Serviço de Operações Especiais, chamado informalmente de "Ministério da Guerra Não-Cavalheiresca", uma organização para, nas palavras de Churchill, “botar fogo na Europa”.
Os EUA por sua vez, em 1942 fundaram o OSS, Escritório de Serviços Estratégicos, agência que daria origem à CIA.
Ambas as organizações se envolviam com espionagem, sabotagem, controlavam agentes em território inimigo, fomentavam e financiavam grupos da Resistência, muitas vezes com uso de equipamentos e armas totalmente fora do convencional.
Ian Fleming durante a Guerra foi assistente do Diretor da Inteligência Naval Britânica, atuando em planejamento e até mesmo participando de missões. Mais tarde essa experiência foi usada para criar James Bond, que pela quantidade de gadgets em suas histórias, dá a entender que Fleming viu muita coisa interessante na vida real.
Muitas armas foram criadas para uso por agentes secretos e membros da Resistência, como as pistolas FP-45 Liberator e Welrod, mas os equipamentos mais curiosos não eram armas em si. Vamos conhecer alguns:
Não, o Mickey não entrou para o Hamas. O caso aqui tem a ver com clima. Boa parte da Europa é bem fria, principalmente no inverno, prédios usam caldeiras e fornalhas para esquentar água, queimar lixo e principalmente aquecer o ambiente. A média em Paris no inverno varia entre 8 e 3 graus Celsius. Bem desagradável.
As unidades alemães na Europa ocupada dependiam dessas fornalhas para manter um mínimo de conforto. O SOE desenvolveu uma técnica para sabotar os equipamentos: Eles pegavam um rato morto, limpavam por dentro. Enchiam de explosivo plástico. Enfiavam um detonador no fiofó do bichinho, que nessa hora ficava feliz de estar morto.
Agentes da Resistência deixariam os ratos espalhados nos prédios e em locomotivas, a ideia era que eles seriam recolhidos pela faxina e jogados nas fornalhas com o resto do lixo.
Aqui temos um plot twist: Os ratos nunca foram usados. O primeiro lote foi interceptado pelos alemães, que descobriram imediatamente o plano.
O plot twist do plot twist é que os chucrutes acharam a ideia fascinante, ficaram intrigados e passaram a dedicar homens para patrulhar em busca de cadáveres suspeitos de ratos, o que consumiu tantos recursos que os ingleses consideraram a operação um sucesso.
Como os chucrutes aprenderam a desconfiar de ratos, que tal disfarçar sua bomba como algo que todo mundo jogaria na fornalha: um pedaço de carvão?
Essa ideia no caso não veio do SOE ou do OSS, é bem mais antiga. O primeiro carvão explosivo foi criado por um oficial confederado chamado Thomas Courtenay (cuidado, PDF), durante a 1.ª Guerra Civil dos EUA (aguardemos novembro).
O truque é simples: Uma pedra falsa de carvão, recheada de pólvora negra. Joga-se a pedra no meio de outras tantas, no depósito de um prédio, uma locomotiva ou um navio, e aí é só esperar para que eventualmente ela seja jogada na caldeira.
Esses carvões-bomba foram usados na Guerra Civil americana, na 1ª e na 2ª Guerra Mundial, aperfeiçoados com detonadores variados, funcionando não só por fogo mas também por tempo, e com o uso de explosivos plásticos, maleáveis, estáveis e bem mais poderosos do que a velha pólvora afro-explosiva.
Um bom número de navios e trens foram destruídos usando essa técnica, que o OSS usou até na China, mas o caso mais famoso foi a Operação Pistorius, que quase cortou as pernas da base industrial dos EUA.
Entre 12 e 17 de junho de 1942, um U-Boat nazista desembarcou em praias de Nova York e da Flórida oito sabotadores do Abwehr II, equivalente alemão do SOE, divididos em dois grupos. Eles levavam diversos equipamentos, além de dinheiro e carvões-bomba. O plano era jogar vários em carregamentos de carvão que seriam usados pela frota de locomotivas dos EUA, e depois tentar destruir alguns navios.
Graças à contrainteligência (provavelmente Betchley Park e suas decodificações das mensagens via Enigma) a casa dos alemães caiu, o plano foi descoberto e foram todos devidamente apreendidos antes que qualquer carvão fosse usado.
Um piloto perdido no meio do território inimigo precisa saber se orientar, e nem sempre dava para depender do Sol. Uma técnica muito usada foi disfarçar bússolas. Primeiro criaram bússolas minúsculas, que cabiam em qualquer bolso. Mais adiante elas virtualmente desapareceram.
Um dos modelos mais bem-sucedidos, de origem britânica, é este:
É um botão de camisa duplo. Quando separado, uma pequena agulha na parte superior se encaixa em um recalque na parte de baixo, permitindo que o botão gire sem esforço. Dois pontos luminosos (Yay Rádio!) indicavam o Norte, o ponto único indicava o Sul.
Uma técnica especialmente inteligente foi criada por Robley E. Winfrey, um engenheiro que se tornou um dos mais criativos inventores do OSS. Winfrey procurou a Gilette e perguntou se era possível magnetizar um dos lados de suas lâminas, que eram enviadas em pacotes humanitários via Cruz Vermelha para prisioneiros de guerra na Alemanha.
A empresa respondeu “claro, sem problemas”. E dali em diante as lâminas, quando equilibradas no suporte do barbeador, apontavam o lado com o “G” na logo da empresa para o Norte. Eles nunca cobraram pelo serviço.
Parece algo simples, mas mesmo seus sapatos podem te denunciar. Um bom rastreador, investigando uma região com um piloto abatido em fuga, consegue identificar marcas de botas militares, entre os sapatos e pés descalços da população civil.
Esse equipamento, usado amarrado na sola das botas, deixa pegadas semelhantes a um pé descalço, o que despistaria em teoria um sujeito no encalço do descalço. Na prática não há relatos se isso chegou a ser usado, ou de sua eficácia.
Esse equipamento não era usado por agentes do OSE, mais provavelmente era coisa da Inteligência do Exército. É um tratorzinho largo, com um único objetivo: Deixar marcas nas estradas iguais às esteiras de um tanque. A idéia era confundir tropas de reconhecimento avançadas do inimigo, que veriam as marcas e achariam que forças blindadas estavam na região.
Em um tempo antes de celulares, drones e satélites, provavelmente funcionou.
Uma das primeiras coisas que um sabotador aprende é não estar por perto quando sua sabotagem for descoberta, então idealmente você usa detonadores remotos. Se a tecnologia ainda não for suficiente para isso, você coloca o povo do SOE e OSS para pensar. E rapaz, como eles pensaram.
Ninguém usava aquele pavio de desenho animado, foram criados meios bem mais sutis. Um detonador usava um frasco de ácido que era quebrado, começava a corroer uma mola que após algumas horas, era rompida e iniciava a espoleta.
Outro problema: Como colocar uma bomba em um avião para que explodisse quando estivesse voando? Um detonador sensível à pressão atmosférica foi inventado. A bomba era escondida no tanque de combustível ou no trem de pouso, e quando o avião atingia altitude de cruzeiro... cabum.
Uma das mais criativas ideias foi este detonador aqui. Usava eletrônica da década de 40, basicamente barro fofo e pedra lascada, mas era sofisticado e inteligente.
Descarrilhar um trem era um incômodo, mas era algo que os nazistas conseguiam consertar rapidamente. Já se o acidente fosse em um túnel, tudo se tornava muito mais complicado.
O detonador do SOE usava células fotoelétricas para detectar variações bruscas de iluminação, como um trem entrando em um túnel. Caso fosse detectava a variação, um timer de alguns segundos era iniciado e os nazistas acabavam com semanas de trabalho para limpar o túnel.
O equipamento era inteligente o suficiente para detectar a variação lenta entre o dia e a noite, e não detonar por causa disso.