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Como seria uma guerra Brasil x Estados Unidos? Spoiler: Nós perdemos

Guerra Brasil x Estados Unidos? Sim, nosso magnífico Presidente insinuou que poderia ir às vias de fato, mas como funcionaria essa briga?

3 anos atrás

Não é de hoje que esse espantalho de que querem roubar a Amazônia é usado por políticos de todas as cores, mas agora o assunto voltou por causa de uma declaração infeliz do nosso glorioso Presidente da República, que no pior cenário pode até acabar em uma guerra Brasil x Estados Unidos, mas não se preocupe, não vai acontecer.

Metáforas, metáforas. (Crédito: Marvel/Depto de Arte)

Tudo começou no debate presidencial dia 29 de Setembro, o então candidato Robinette (sério, pode checar) Biden foi questionado sobre a Amazônia, e se saiu com uma clássica promessa de campanha:

“Eu estaria reunindo e garantindo que vários países do mundo juntassem US$ 20 bilhões e diria:‘ Aqui estão US$20 bilhões. Parem de destruir a floresta. E se vocês não fizerem isso, vocês sofrerão conseqüências econômicas significativas. '”

Feio? Sim. E provocou reações esperadas, com Ministros perguntando se eram US$20 bilhões por ano. A pauta, ao contrário das queimadas, acabou se extinguindo, mas em um discurso dia 10 de Novembro o POCOTOPUS trouxe de novo o tema à baila, proferindo:

"Assistimos há pouco aí um grande candidato a chefia de Estado dizer que, se eu não apagar o fogo da Amazônia, ele levanta barreiras comerciais contra o Brasil. E como é que podemos fazer frente a tudo isso? Apenas a diplomacia não dá, não é, Ernesto? Quando acaba a saliva, tem que ter pólvora, senão, não funciona. Não precisa nem usar pólvora, mas tem que saber que tem. Esse é o mundo. Ninguém tem o que nós temos."

Isso mesmo. Sem-querer, já que dificilmente ele abriu um livro de estratégia (do grego Strategos, em inglês, Strategy..) Bolsonaro repetiu a frase do general Prussiano Carl von Clausewitz:

"A guerra é a continuação da política por outros meios."

É algo meio sem-sentido você ameaçar de guerra um país que não quer mais negociar contigo, soa como uma relação abusiva, só que no caso o candidato a abusador é um Hobbit e a esposa é a She-Hulk.

Ameaçar a maior superpotência do planeta não é uma boa idéia em qualquer tempo, nem os russos faziam isso diretamente, nos bons tempos, quando a estratégia para manter a paz se chamava MAD – sigla em inglês para Destruição Mútua Assegurada.

Talvez Bolsonaro não tenha lido com atenção os relatórios do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, mas dificilmente mesmo o maior sicofanta ou mesmo sicocrush sequer cogitaria a idéia de uma ação militar contra os EUA, mas como uma idéia ruim não deixa de ser divertida, podemos especular.

Como seria uma guerra Brasil x Estados Unidos?

Parte 1 – Pressões Econômicas

Em um cenário inimaginável da Europa e Estados Unidos pressionando o Brasil com sanções econômicas severas, o Brasil responde congelando bens de cidadãos americanos e nacionalizando empresas estrangeiras, coisa que a Venezuela fez e não deu em nada, em termos de ações militares.

Com o confisco de navios e aeronaves americanos em território brasileiro, aumentaremos a frota, necessário para negociarmos com os únicos países que ainda nos aceitarão: Cuba, Venezuela, Irã, China e Melhor Coréia.

Washington então partiria para um bloqueio naval, mas aqui há uma pegadinha. Embora a 4ª Frota esteja delegada para cuidar do Caribe e do Atlântico Sul, não há nenhum navio alocado para ela; forças navais teriam que ser deslocadas, e sem querer dar combustível pro Ornitomito, um bloqueio naval do Brasil não é fácil.

USS Ronald Reagan no Rio de Janeiro em 2004. (Crédito: US Navy)

Temos 8000Km de costa. Um F-18 Super-Hornet tem um alcance prático de 1000Km sem reabastecimento em vôo (os 2346Km da Wikipedia não levam em conta que o cara tem que ir e voltar, floquinho). Um Porta-Aviões na altura da nossa estratégica base de Alcântara só teria alcance até o Rio Grande do Norte.

Óbvio que não é preciso um porta-aviões para um bloqueio naval, isso pode ser feito com destróiers classe Arleigh Burke, dos quais os EUA possuem 66. Entre convertas e fragatas, a composição básica de nossa frota de ataque de superfície, nós temos... 9 navios.

Esses destróiers Arleigh Burke, são capazes de se defender perfeitamente de aviões, mísseis e submarinos, não que a gente tenha muito de qualquer um dos três.

Alcance de um F/A-18, ida e volta sem reabastecer. (Crédito: Google Earth)

2 – As Peças são posicionadas

Biden provavelmente colocaria umas duas forças-tarefa de porta-aviões, uma cobrindo o Nordeste, outra cobrindo o Sudeste. Posicionando um porta-aviões a 900Km da costa de São Paulo, há alcance de sobra para os caças-bombardeiros cobrirem os portos de Tubarão, Santos, Rio e Vitória. E principalmente dar apoio aéreo aos destróiers que farão as abordagens dos navios civis que tentarem furar o bloqueio.

Ironicamente submarinos são inúteis para isso. Um submarino não pode ameaçar um navio debaixo d'água, ele tem que se expor, e se expondo ele vira um alvo. Submarinos são ótimos para afundar navios, não policiá-los.

Tripulação do USS Pensylvania (Crédito: US Navy)

Não quer dizer que Biden não fosse mandar submarinos para cá. Eles protegeriam as forças-tarefas de ataques de navios e principalmente, de outros submarinos, pois mesmo um submarino a diesel como os que o Brasil tem, se for bem comandado pode chegar a uma posição de disparo contra um porta-aviões nuclear, como aconteceu em 2005 em um exercício, quando um submarino sueco “afundou” o USS Ronald Reagan.

O problema é que o Brasil possui cinco submarinos, o Tupi, o Tamoio, o Timbira, o Tapajó e o Tikuna. Seis se cancelarmos os testes de certificação do Riachuelo.

S-30 Tupi, um dos submarinos brasileiros. (Crédito: Gaceta Marinera)

Os EUA possuem 15 submarinos nucleares Classe Virgínia, 3 Classe Seawolf e 32 classe Los Angeles. Fora os 18 Ohios, lançadores de mísseis. Cada unidade naval brasileira no mar, submersa ou não teria um ou dois submarinos a acompanhando, com soluções de tiro plotadas e atualizadas.

Só para lembrar UM submarino nuclear inglês foi o suficiente para toda a frota argentina voltar para o porto durante a Guerra das Falklands. Imagine uns 10 ou 15 Los Angeles em uma guerra Brasil x Estados Unidos.

3 – Poder Aéreo

Se colocarmos na ponta do lápis, um porta-aviões nuclear americano sozinho é a 10ª maior força-aérea do planeta. Um Classe Gerald Ford carrega mais de 90 aviões, entre caças-bombardeiros F/A-18E/F Super Hornet, caças F35C, aviões-radar, transportes, de reabastecimento, helicópteros e drones.

O Brasil inteiro tem em teoria 47 caças F-5E, um avião projetado em 1954 e “modernizado” algumas vezes. Também temos 55 AMX-A-1, de ataque a solo, 103 Tucanos e 93 Super Tucanos, usados em ações anti-insurgência. Ah sim a Marinha tem 6 A-4.

CVN-75 USS Harry S. Truman com alguns aviões no convés, o resto está nos hangares inferiores. (Crédito: US Navy)

O percentual dessas aeronaves que está operacional não é um dado divulgado com freqüência, mas os números são sofríveis, acredite.

Ah sim, os desavisados balançando bandeira dizendo “podem vir nós temos o Gripen”, nós temos UM Gripen, sendo usado para testes da plataforma.

Dos aviões acima basicamente nenhum é páreo para um F/A-18, muito menos para um F-35 Stealth, e brilhariam feito luzes de natal nos radares SPY dos destróiers, que podem lançar seus mísseis RIM-174 a 240Km de distância.

Bonito o Gripen é, pena que filho único. (Crédito: Embraer)

4 – Mas e os Drones?

Muito provavelmente a Guerra Brasil x Estados Unidos seria uma repetição da Guerra Armênia – Azerbaijão, onde um lado teria pleno controle do espaço aéreo, e usaria impunemente drones para atacar o inimigo.

Mesmo sem levar em conta drones mais avançados, o MQ-9 Reaper com alcance de 1900Km da costa do Rio de Janeiro poderia atacar Brasília e voltar. As unidades militares no Sudeste seriam alvo fácil, sem precisar arriscar pilotos, se bem que como o Brasil não tem nenhum sistema de defesa antiaéreo decente, ou mesmo um S-300 russo como a Venezuela, qualquer coisa voando acima de 15 mil pés está imune a tudo que a gente poderia tacar neles.

Sistema russo antiaéreo S-300 na Venezuela. (Crédito: Reprodução Internet)

Nós veríamos as bases militares sendo alvejadas com calma e precisão, sem aviso, e sem termos como contra-atacar. Aviões lançados para combater drones seriam alvejados por mísseis de navios nas proximidades. Só Brasília estaria mais ou menos protegida, a não ser que Biden eventualmente mandasse caças Stealth para eliminar a oposição aérea.

O mais triste é que o Brasil tem bons meios de reconhecimento, temos aviões de patrulha marítima P-3 Orion, temos 8 ótimos aviões-radar E/R-99 da Embraer, mas temos pouquíssimos meios de ataque, e nada à altura do exigido.

Avião-Radar R-99 made in brazil (Crédito: MInistério da Defesa)

Em teoria temos o AV-TM 300 Matador, um míssil de cruzeiro desenvolvido pela Avibras e lançado pelo sistema Astros 2020, ele começou a ser desenvolvido em 1991, e segundo dizem está “quase pronto”, com testes de certificação pra 2021, mas mesmo com capacidade de acertar um alvo a 300Km de distância com 30m de precisão, o Matador não é feito para alvos móveis, como navios.

AV-TM Matador. (Crédito: Carlos Cardoso)

5 – Mas e a Selva?

A maior bobagem que andam falando sobre uma guerra Brasil x Estados Unidos é que “somos os melhores do mundo em guerra na selva”, como se isso fosse suficiente. Junte a lenda de que americanos são sabem combater em florestas, e temos um monte de “patriotas” achando que meia-dúzia de soldados no meio de um daqueles afluentes do Amazonas que somos obrigados a decorar na escola fariam alguma diferença.

Grupo de Artilharia Antiaérea de Guerra na Selva (Crédito: Exército Brasileiro)

Primeiro de tudo: Americanos sabem lutar na selva, pergunte aos japoneses em Iwo Jima e Guam. Segundo, a “derrota” do Vietnã envolveu a perda de 53 mil soldados americanos versus 849 mil vietcongues mortos. O Vietnã foi o tempo todo ajudado pesadamente pela União Soviética e pela China. Os chineses mandavam inclusive pilotos para combater fingindo ser vietnamitas. Só de tropas chinesas foram 320 mil homens.

Não acho um cenário aonde China ou Rússia se comprometam a mandar soldados ou armamentos para o Brasil.

Os soldados do Centro de Instrução de Guerra na Selva são bons? Sim, são excelentes, formam uma tropa de elite que daria trabalho para qualquer invasor, mas se e somente se o invasor jogar pelas mesmas regras. Não faz sentido para os Estados Unidos mandar soldados para a Amazônia. Pra quê? Você vence a guerra decapitando a liderança inimiga (literal ou metaforicamente, ambos funcionam) e não fincando pé em território.

Mesmo no pior cenário, uma guerra Brasil x Estados Unidos com focos de tropas de selva na Amazônia, dispostas a uma estratégia de guerrilha para atrapalhar eventuais investimentos americanos, temos o problema de logística: Manter essas tropas é virtualmente impossível sem superioridade aérea.

Um porta-aviões na costa da Guiana permitiria que toda a Amazônia Brasileira fosse controlada pelos americanos, ataques preventivos destruindo as bases de Manaus e o Aeroporto de Boa Vista tornariam inviável um heróico mas suicida ataque contra o navio.

Logo aviões-radar E-2 Hawkeye patrulhariam o espaço aéreo, identificando todo tipo de alvos, de aviões de garimpos ilegais a helicópteros da FAB do exército como os AH-2, designação nacional dos 12 Mi-24 russos que o Brasil comprou um tempo atrás em uma negociação meio esquisita.

AH-2 Sabre. Intimidador pra quem está no chão mas pilotos de caça têm um nome para helicópteros: Alvos (Crédito: Exército Brasileiro)

Sem helicópteros disponíveis, pois teriam sido derrubados, o transporte de suprimentos teria que ser por trilha ou por rio, e sabe quem adora humanos quentinhos brilhando nos sensores multiespectrais? Isso mesmo, drones e predadores.

O que vimos acontecendo com a Armênia Albânia seria repetido centenas e centenas de vezes, cada vez que algum grupo de soldados acendesse um fogareiro de noite para esquentar o feijão, atrairiam um míssil Hellfire. Claro, algumas aldeias indígenas acabariam atingidas por engano, mas guerra é guerra.

E não, não poderíamos atacar na mesma moeda. No total o Brasil tem 12 drones, nenhum deles de ataque.

6 - O Foco É Brasília

Há alguns cenários onde o Brasil tentou ou mesmo conseguiu atacar navios de guerra americanos exercendo bloqueio comercial ao nosso tráfego civil, usando Excocets ou a versão nacional, o MANSUP, míssil anti-navio nacional em fase final de certificação. É possível que alguma corveta consiga penetrar o suficiente dentro da cobertura de radar para lançar um helicóptero perto o suficiente para que o alvo esteja nos 70Km de alcance do MANSUP, isso provocaria uma reação feroz em Washington.

O passo lógico é mandar esses brinquedos aqui:

Os F-22 vem de brinde. (Crédito: USAF)

O Northrop Grumman B-2 Spirit é um bombardeiro invisível capaz de carregar 23 toneladas de bombas inteligentes a uma distância de 11 mil Km. Um grupo de ataque pode decolar de Porto Rico, despejar uma quantidade apreciável de explosivos em todos os Ministérios, Bases Aéreas, subestações elétricas e hubs de telecomunicações em Brasília, e só descobriríamos quando começassem a explodir.

Caso Biden esteja mais interessando em shock and awe do que em eliminar o Ornitomito, pode posicionar um ou mais submarinos a uns 1000Km da costa do Rio de Janeiro, e lançar mísseis de cruzeiro Tomahawk, que serial inevitavelmente percebidos voando baixo sobre a cidade, dando tempo para a cúpula do governo se esconder em algum bunker.

Um Tomahawk disparado de qualquer ponto dentro do círculo tem condições de atingir Brasília. (Crédito: Google Earth)

7 – Quem poderá nos defender?

Fora o Chapolin Colorado, ninguém. Nossa melhor e mais impressionante unidade naval, o PHM Atlântico é um Porta-Helicóptero sem helicópteros, ainda não exatamente operacional e completamente inútil contra uma força naval, ele é projetado para apoio a uma incursão terrestre, não para enfrentar outros navios.

Nosso exército está criminosamente defasado, poderíamos ter o Osório, mas nosso estoque de tanques se resume a 283 unidades, entre o Leopard 1A1, um veículo de 1965, e o jurássico M60 Patton, um tanque que entrou em serviço em 1957. Drones, Armênia, sabemos o que vai acontecer.

M-60 Patton. Sério. (Crédito: Exército Brasileiro)

Temos unidades de elite, entre os Comandos de Selva e Paraquedistas, que não fariam feio enfrentando qualquer ianque de igual para igual, mas a graça da guerra assimétrica é que você não precisa arriscar a vida de seus soldados, nossas tropas ficariam sem ter em quem atirar enquanto seriam dizimadas por drones e caças-bombardeiros.

8 – É verdade que temos munição para uma hora de guerra?

Sim e não. Essa bobagem é repetida toda hora, equivale a reclamar que vendedor na porta do Maracanã quando não é dia de jogo só tem duas ou três cervejas no gelo. Munição tem prazo de validade, e custa caro. Ninguém fabrica munição pra estocar sem ter previsão de uso. SE as conjunturas internacionais apontam para um possível conflito, você encomenda a seus fornecedores (no caso a IMBEL) mais munição.

Vitrine da IMBEL na LAAD. (Crédito: Carlos Cardoso)

Isso acontece nas melhores famílias, mesmo os EUA estão correndo o risco de ficar sem mísseis Tomahawk, pois com a idade os mísseis em estoque precisam ser reformados e recertificados, e a produção de novos mísseis tem que ser aprovada pelo Congresso.

9 – O Final Esperado

Uma guerra Brasil x Estados Unidos não causaria danos a 99% do país; durante o primeiro ataque a Bagdá, na 1ª Guerra do Golfo, morreram TRÊS pessoas, no maior ataque desde o Dia D. Hoje não é mais aceitável (ok na Rússia é) ataques indiscriminados ou carpet bombing, quem não mora colado a uma instalação militar vai acabar vendo a guerra pela TV.

É provável que o caos econômico seja suficiente para forçar uma rendição, ou mesmo uma mudança de governo, e o Brasil perca a guerra sem que os Estados Unidos coloquem um soldado sequer em solo brasileiro.

O próximo passo, claro, é exigir que eles nos anexem como o 51º Estado, assumam todos os cargos administrativos, botem o país pra funcionar e de brinde a gente não vai mais precisar de visto pra Disney.

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