Dori Prata 10/09/2024 às 9:56
Quando em meados dos anos 2000 a 505 Games adquiriu os direitos para publicar o jogo Rule of Rose, eles não sabiam, mas estavam se envolvendo com um dos jogos mais raros (e polêmicos) lançados para o PlayStation 2. Quase duas décadas depois, por um motivo inusitado, aquela criação dos japoneses da Punchline volta às manchetes.
Rule of Rose era um jogo de terror psicológico em que assumíamos o papel de Jennifer, uma jovem que se vê presa em um orfanato na zona rural da Inglaterra rural dos anos 1930, onde garotas pertencentes a um grupo chamado Red Crayon Aristocrats ditam as regras. Inspirado nos contos dos irmãos Grimm e na série Silent Hill, o título usava a infância para causar desconforto, o que acabou se mostrando um problema.
Lançado no Japão pela Sony e nos Estados Unidos pela Atlus, a distribuição na Europa ficaria a cargo da 505 Games e foi por lá que o jogo despertou a ira de alguns. Tudo começou após a revista italiana Panorama colocar o jogo na capa da sua edição de novembro de 2006, com o seguinte título em letras garrafais: “Quem enterrar a menina viva, vence.”
Assinado pelo jornalista Guido Castellano, o preview encontrado naquela publicação colocava o jogo na mesma bacia de outros bastante controversos, como Postal II e Bully, mas ia além. Num determinado trecho, o autor dizia que Rule of Rose apresentava conteúdo erótico e cenas de violência protagonizadas por garotas menores de idade. Segundo ele, “cada frame está pingando perversão, cada cena apresenta entrelinhas homoeróticas e sádicas, para as quais não estávamos preparados.”
Além de citar o game designer Yuya Takayama, dizendo que ele se orgulhava do conteúdo do jogo, Castellano também trouxe a opinião de uma porta-voz do Movimento pela Defesa dos Cidadãos. Segundo a suposta pessoa, “é ultrajante pensar que nossas crianças possam ter acesso a um jogo em que o objetivo é enterrar uma garota viva. Com sadismo, violência e ritos de iniciação, o que nossas crianças aprendem com esses jogos?” Já o então prefeito de Roma, Walter Veltroni, afirmou que o seu objetivo seria banir o jogo das lojas italianas, já que era “incrível pensar que um jogo com tais conteúdos de violência poderia ser publicado” em seu país.
Mesmo com o órgão de classificação etária europeu (PEGI) tendo indicado o Rule of Rose para maiores de 16 anos, o jornalista preferiu ignorar esse fato, seguindo em sua defesa de que o título deveria ser banido, pois as crianças não deveriam ter acesso a ele. O problema é que nada do que ele descrevia está presente no jogo, inclusive com a violência explicita sendo raramente mostrada.
Mesmo assim, Guido Castellano alcançou seu objetivo, primeiro espalhando a histeria pelo Velho Continente, depois fazendo com que a 505 Games desistisse da publicação. A drástica medida por parte da editora aconteceu porque logo após a publicação da Panorama, vários veículos de comunicação começaram a replicar aquele artigo sem verificar as acusações, com os leitores de jornais ingleses, como o The Daily Mail e The Times, ficando perplexos com a informação passada.
Aquilo foi o suficiente para o Ministro da Justiça da União Europeia, Franco Frattini, entrar na discussão. Para ele, era inadmissível um jogo que continha crueldade obscena e brutalidade ser publicado e que por isso o PEGI deveria passar por uma atualização. Pois a atitude iniciou uma briga política, com a Comissária para Informações para a Sociedade e Meios de Comunicação, Viviane Reding, criticando Frattini por não ter sido consultada.
Na sequência, quem entrou no debate foi a secretária geral do Conselho de Padrões para Videogames, Laurie Hall. “Não tenho ideia de onde surgiu a sugestão de sadomasoquismo no jogo, nem crianças sendo enterradas no subsolo,” declarou. “Essas são coisas que foram completamente inventadas. Não estamos preocupados com a nossa integridade sendo questionada, porque as citações do Sr. Frattini são absurdas.”
Contudo, em março de 2007 um grupo de membros da União Europeia protocolou um pedido junto ao Parlamento Europeu para que a venda do Rule of Rose fosse proibida. Além disso, deveria ser criado um “Observatório Europeu da Infância e dos Menores para monitorar preventivamente o conteúdo dos videogames e definir um código de conduta único para a venda e distribuição de videogames infantis.”
Mas naquela época a 505 Games já havia desistido de publicar o jogo na Inglaterra. Na França o jogo acabou chegando nas lojas, mesmo que em quantidade bastante reduzida e toda a polêmica que o cercou fez com que o título se tornasse um item de colecionador. Até poucos dias, uma cópia podia ser vendida por cerca de US$ 600, fazendo dele um dos jogos mais caros para o PlayStation 2.
Porém, esse cenário começou a mudar recentemente. De acordo com uma publicação no X, um lote de cópias seladas do Rule of Rose foi descoberta na Itália, país em que a 505 Games está sediada. Não demorou para que diversas unidades inundassem o eBay, o que consequentemente fez com que o preço pedido pelo jogo caísse bastante, já podendo ser encontrado por cerca de US$ 300.
Embora não exista a confirmação disso, a desconfiança é que essas cópias foram produzidas quando a editora ainda estudava seu lançamento, mas para evitar maiores dores de cabeça, eles preferiram suspender as vendas e os discos acabaram abandonados em algum depósito. Algo que reforça essa hipótese é o fato que todas as cópias encontradas agoras serem inglesas, justamente aquelas que foram canceladas.
Agora, os únicos que não devem estar muito contentes com essa descoberta são aqueles que investiram caro numa cópia do Rule of Rose e estão vendo sua aposta desvalorizar. Já para quem gostaria de conhecer o jogo de terror, o ideal mesmo seria se ele recebesse uma nova oportunidade, fosse por meio de uma remasterização ou mesmo via retrocompatibilidade no PlayStation 5.
O problema é que a Punchline não existe mais e como o jogo foi distribuído por empresas diferentes em cada região, encontrar as pessoas que detêm os direitos do título não dever ser uma tarefa fácil. Mesmo sendo um jogo que teve uma recepção apenas mediana por parte da mídia, penso que seria legal poder visitá-lo atualmente.
Fonte: The Gamer