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Saviorless — Viva la revolución!

Primeiro jogo independente criado em Cuba, Saviorless é uma aventura belíssima, com uma jogabilidade divertida e custando uma pechincha

08/04/2024 às 10:21

Imagine a responsabilidade de trabalhar no primeiro jogo independente do seu país. Há algumas décadas, esse foi um cenário que pessoas enfrentaram em muitos lugares, mas recentemente uma dupla ainda passou por isso, em Cuba. E diante das circunstâncias, Saviorless podia ter sido uma obra simples, sem grandes pretensões e até não mais do que um mero um experimento, porém, o título passou muito longe disso.

Saviorless

Crédito: Divulgação/Empty Head Games

Anunciado em 2016, Savior seria o título de estreia da Empty Head Games, desenvolvedora cubana que recorreu ao financiamento coletivo para conseguir os recursos necessários para a produção. O que os idealizadores daquele jogo não sabiam é que pelo caminho eles enfrentariam uma série de problemas.   

Sem a facilidade de acesso à internet que temos, a equipe teria muitas dificuldades em conseguir os recursos necessários, incluindo aí mais dinheiro para o projeto, já que os pouco mais de US$ 13 mil arrecadados não foram suficientes. Eles ainda precisariam encarar uma mudança no nome do jogo, pois a marca original estava registrada.

Para piorar a situação, o programador Johann Armenteros precisou deixar o desenvolvimento e com o fechamento da embaixada dos Estados Unidos em Cuba, o artista Josuhe Pagliery se viu obrigado a interromper o projeto. Felizmente, pouco tempo depois outro programador, David Darias, aceitou o desafio, fazendo com que a criação fosse retomada.

Pouco mais de sete anos depois, Saviorless chega ao PC, PlayStation 5 e Nintendo Switch trazendo uma aventura sombria e que pode enganar pelos gráficos coloridos desenhados a mão em estilo 2D e sua linda trilha sonora. É um jogo com mecânica simples, mas entregando uma história que, mesmo sendo um pouco confusa, nos prenderá do início ao fim.

Saviorless

Crédito: Divulgação/Empty Head Games

Em Saviorless acompanharemos a saga de Antar, um garoto que busca chegar a uma misteriosa ilha para se tornar um salvador. Porém, sua história não é desconhecida. Logo no início veremos um antigo contador de história relatar os passos do protagonista a dois aprendizes, sempre tomando o cuidado para que o herói nunca alcance seu objetivo e assim sua função não perca o sentido.

Com algumas regras fazendo parte deste processo e que conheceremos ao longo do caminho, o trio funciona quase como deuses, sempre observando o que acontece naquele mundinho e decidindo como o destino se desenrolará.

Embora o conceito seja muito interessante e traga algo novo para a narrativa, senti falta de uma maior liberdade por parte do jogador. Seria bacana se pudéssemos interferir no enredo com as nossas ações, fazendo com que Antar e as pessoas que ele encontra pelo caminho funcionassem mais como marionetes manipuladas pelos narradores, mas não foi por esse caminho que os criadores optaram por seguir.

De certa forma, isso até acontece através da coleta de páginas espalhadas pelos cenários e caso todas elas sejam encontradas, nos dará acesso a um segundo final. Mas independentemente de a qual desfecho você chegar, será comum a sensação de que a história não nos conta tudo o que deveria e que o protagonista poderia ter sido melhor explorado.

Mesmo assim, a história consegue nos manter entretidos por entregar uma boa dose de surpresa, principalmente quando chegamos a uma reviravolta proporcionada pela quebra de uma regra por parte dos aprendizes. Além disso, aos poucos vamos entendendo como o lugar em que Antar vive não é tão pacífico quanto parece, quase sempre nos deixando na dúvida sobre quem está do nosso lado e quem não perderá a oportunidade de nos aniquilar.

Saviorless

Crédito: Divulgação/Empty Head Games

Essa mudança de atmosfera também pode ser vista na jogabilidade de Saviorless, pois no início o nível de dificuldade será quase inexistente, com o jogo passando a sensação de ser focado apenas na narrativa. Contudo, conforme nos aproximamos das Ilhas Sorridentes, o protagonista precisará passar por provações cada vez mais desafiadores, exigindo tanto habilidade, quanto raciocínio por parte do jogador.

Porém, exceto por algumas partes localizadas mais para o final da aventura, especialmente aquelas de perseguição, não acho que esse seja um jogo muito difícil. Seus quebra-cabeças são relativamente simples e durante a maior parte do tempo nem teremos que nos preocupar com inimigos, com o protagonista nem contando com ataques.

Isso pode fazer parecer que Saviorless não passa do que alguns gostam de chamar de walking simulator e embora no início ele até penda para este lado, aos poucos o título acaba se aproximando mais de um Another World ou Limbo. Mesmo aqui não havendo tanto foco na tentativa e erro, algo tão comum nos jogos de plataforma cinematográficos, não se engane, morrer será algo comq ue teremos que nos acostumar, com a memorização dos obstáculos se fazendo obrigatória e a constante adição de mecânicas sempre nos surpreendendo.

Crédito: Divulgação/Empty Head Games

No entanto, não há como negar que o ponto alto de Saviorless é a sua parte artística. O trabalho realizado por Josuhe Pagliery é impressionante, desde os cenários bastante detalhados e variados, até a animação dos personagens e monstros, extremamente fluída.

Com a direção artística inspirada por vitrais de igrejas e sua história flertando com a religião, a impressão é de estarmos participando de uma versão mais sombria de algum livro sagrado, mas felizmente, sem nunca parecer ofensivo ou apelativo. Um trabalho muito bem executado, com extrema atenção aos detalhes e bastante cuidadoso.

Também merece destaque as belas composições de German Carrasco para a trilha sonora. Se adaptando de acordo com o que está acontecendo na aventura, as notas do piano ajudam a criar o clima tenso e a formar a atmosfera pesada, um belo contraponto aos gráficos que mais parecem ter saído de alguma animação.

Crédito: Divulgação/Empty Head Games

Apesar da sua curta duração, Saviorless é um ótimo jogo, funcionando bem em todos os aspectos e sempre exalando a paixão dos seus criadores. Os elogios feitos a ele poderiam acontecer apenas por se tratar de um primeiro trabalho da Empty Head Games, mas não é por isso que ele merece uma chance.

Mesmo não sendo o que poderíamos chamar de “jogo revolucionário”, a criação dos cubanos possui uma qualidade acima da média e pelo preço que está sendo vendido (no Nintendo Switch está saindo por cerca de R$ 20!), é impossível não o recomendar. Por mais difícil que seja acreditar, pelo valor que o estúdio está pedindo, não conseguimos nem fazer uma Cuba-libre.

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