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Nintendo processa Yuzu e declara guerra aos emuladores

Segundo a Nintendo, "não há maneira legal" de usar o Yuzu; vitória do Mario, apoiada no DMCA, abriria precedente funesto contra emuladores

28/02/2024 às 13:36

A Nintendo está enfim tomando ações legais contra os emuladores de consoles de videogame, um de seus mais antigos desafetos: a companhia japonesa abriu um processo nos Estados Unidos contra a Tropic Haze, responsável pelo popular Yuzu, que é capaz de executar games pirateados do Switch em PCs e dispositivos Android.

Emuladores sempre foram considerados softwares que não infringem patentes, por não embarcarem códigos protegidos por direitos autorais, como as BIOS dos consoles ou os jogos, porém, o processo da Nintendo se baseia na DMCA (Digital Millenium Copyright Act), que considera ilegal a "circunvenção de proteções em softwares", no que a Big N diz que os emuladores se enquadram.

Corporate Mario ataca novamente (Crédito: Reprodução/Nintendo)

Corporate Mario ataca novamente (Crédito: Reprodução/Nintendo)

O processo é importante porque, pela primeira vez, levará à discussão se emuladores em si são ou não ilegais, abrindo a possibilidade de um precedente preocupante tanto para entusiastas, quanto para quem busca preservar a história dos videogames; por outro lado, é possível que a Nintendo bem saiba que tem poucas chances de vencer, mas estaria fazendo o mesmo que a Sony, quando esta aniquilou o Bleem!, no início dos anos 2000.

Nintendo, emuladores, e a DMCA

Fato: a Nintendo odeia emuladores, sempre odiou. Ela possui uma página dedicada a esclarecer sua visão sobre pirataria e infração de copyrights, e sempre deixou bem clara sua opinião a respeito de ROMs e emulação: para os japoneses, toda e qualquer forma de execução, cópia, ou mesmo armazenamento de jogos em outras mídias que não as originais, é ilegal.

A companhia não aceita nem mesmo o argumento de preservação de jogos não mais distribuídos, no que a Nintendo defende que ela, e apenas ela, tem o direito de distribuir seus jogos, preservá-los ou não, da maneira que ela achar melhor. Por isso que a casa do Mario se indispõe até mesmo com museus, que não podem disponibilizar experiências baseadas em emulação, mesmo para fins de arquivo histórico.

Por um lado, a Nintendo vem desde 2018 entrando com ações legais contra sites, fóruns e portais que compartilham ROMs de games e BIOS de seus consoles, mas a empresa nunca ameaçou os desenvolvedores dos emuladores com marteladas e a visita do Processinho. No entendimento da Justiça, tais softwares são considerados uma aplicação de Uso Aceitável para fins de desenvolvimento, pois usam código próprio e não oferecem nenhum tipo de software protegido por direitos autorais.

No entanto, a maioria dessas decisões datam de mais de 20 anos, e o entendimento jurídico costuma mudar, conforme o mercado evolui e os interesses mudam. A DMCA, por exemplo, considera ilegal o ato de contornar proteções de código para facilitar a distribuição e uso ilegal de conteúdo protegido, no que todos os emuladores se enquadrariam. Aqui, a infração passa a ser quebrar as defesas do console, não mais desenvolver um software baseado nele, mesmo que com código original.

No processo de 41 páginas contra a Tropic Haze, que cita nominalmente um de seus desenvolvedores, cujo apelido é Bunnei, a Nintendo exige:

  • Imediata interrupção da distribuição do emulador Yuzu, por uma injunção permanente;
  • Remoção completa do Yuzu e Tropic Haze em redes sociais, domínios, URLs e salas de chat (provavelmente Discord e Reddit), ou seja, um wipe em toda a internet (boa sorte com isso, vão precisar);
  • Apreensão e destruição de todas as unidades de armazenamento em posse da Tropic Haze, a fim de garantir a eliminação completa do emulador;
  • O repasse do domínio yuzu-emu.org para si;
  • Compensações milionárias, como de costume.

A Nintendo alega que o Yuzu "não tem como ser usado de forma legal", por ser baseado em um processo que quebra camadas de criptografia do Switch, através do acesso às chaves únicas presentes em cada console, e que o ato de extraí-las, mesmo pelo dono do hardware, é ilegal, pois viola a DMCA.

Yuzu e demais emuladores não infringem leis, mas DMCA considera ilegal contornar proteções de software e hardware, independente do motivo (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Yuzu e demais emuladores não infringem leis, mas DMCA considera ilegal contornar proteções de software e hardware, independente do motivo (Crédito: Reprodução/acervo internet)

O grande motivo para a escalada da Nintendo contra os emuladores foi o vazamento da ROM de The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom, duas semanas antes do lançamento oficial; a gigante japonesa diz que o game foi baixado mais de 1 milhão de vezes antes de chegar às lojas, em 12 de maio de 2023, e que mais de 20% dos links apontavam para o Yuzu como software preferencial para rodar o game.

Ilegal ou não? É complexo

Usar a DMCA para bater nos emuladores é um caso inédito, pois é consenso desde muito tempo de que eles não fazem nada sem as ROMs e os arquivos de BIOS. O entendimento da lei norte-americana, criada para proteger direitos autorais e combater a pirataria, é de que contornar proteções viabiliza e facilita a distribuição ilegal de produtos protegidos.

A Nintendo diz no processo que o Yuzu, e por tabela, todos os emuladores de consoles de videogame, "facilitam a pirataria de maneira colossal", e mesmo que alguns aleguem que seu uso é para fins de pesquisa ou preservação, não sejamos ingênuos: a mola motriz da emulação é e sempre será executar games de um sistema em outro, o que a Big N não o permite e deixa bem claro em seus Termos de Serviço. Logo, é ilegal.

Em última análise, uma decisão favorável à Nintendo criaria um precedente funesto, em que todos os emuladores de consoles de videogame passariam a ser enquadrados como software ilegal, e com base na DMCA, passariam a ser caçados até a extinção, mesmo em casos que envolvam a preservação de jogos antigos.

No entanto, para Jonathan B. Loiterman, advogado da Foundation Law Group, e especialista em Mídias Digitais, as coisas não são tão simples assim. Em entrevista ao site Ars Technica, ele disse que o processo para a quebra de criptografia do Switch é indireto, e o Yuzu não pode, em tese, ser diretamente responsabilizado por isso, mas a existência de fóruns oficiais, como o do Discord, complicam as coisas para o lado da Tropic Haze, por esta estar ensinando o Caminho das Pedras aos jogadores.

A DMCA não é completamente blindada também, ela prevê a quebra de direitos autorais sem consequências, similar ao Uso Aceitável, em casos de prover recursos de acessibilidade que o hardware original não possui. O Switch tem desde sempre sérias limitações nesse sentido, e oferece apenas um controle acessível compatível, o Flex Controller da Hori, que é bem caro: US$ 250.

Loiterman acredita que a Nintendo não conseguirá convencer o júri de que limitar a acessibilidade é justificável para destruir o Yuzu, quando ela própria não faz o mínimo para prover acesso a jogadores com deficiências físicas, isso quando não joga contra mesmo.

Yuzu pode ter destino do Bleem!

Há quem diga que a intenção secundária da Nintendo, caso ela não consiga vencer a Tropic Haze nos tribunais, seja a vencer a companhia pelo cansaço, recorrendo continuamente a cada derrota, o que implica em cada vez mais e mais gastos com os procedimentos legais.

A Big N tem dinheiro de sobra para bancar a briga por tempo indeterminado, mas e quanto aos responsáveis pelo Yuzu?

Nintendo poderia fazer com o Yuzu o mesmo que a Sony fez com o Bleem! (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Nintendo poderia fazer com o Yuzu o mesmo que a Sony fez com o Bleem! (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Dessa forma, a ideia seria forçar a empresa a torrar uma grana que não tem, e por consequência falir, tendo que se livrar de seus assets a fim de pagar as dívidas, no que o Yuzu acabaria sumindo da face da Terra.

Esta foi a exata mesma estratégia que a Sony usou contra a Bleem! Company, criadora do emulador Bleem!, que permitia a execução de jogos do PSOne no PC e no Dreamcast, através de um fork chamado Bleemcast!, criado pela comunidade. A empresa abriu concordata em 2001, e o Bleem! deixou de existir.

No mais, especialistas acreditam que o processo da Nintendo ataca o próprio cerne que torna a emulação possível, o processo de engenharia reversa de consoles, e embora uma decisão favorável aos japoneses pareça difícil, ela não é impossível.

Assim sendo, só nos resta aguardar pelos próximos capítulos.

Fonte: Ars Technica

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