Meio Bit » Segurança » UE: Projeto de Lei autoriza grampear jornalistas

UE: Projeto de Lei autoriza grampear jornalistas

Emenda francesa em PL de Imprensa da UE prevê colocar spywares em aparelhos de jornalistas; texto foi aprovado pelo Conselho Europeu

41 semanas atrás

A União Europeia (UE) apresentou em setembro de 2022 um novo Projeto de Lei, que rege sobre a liberdade de imprensa no bloco. O texto salvaguarda a independência do setor, e protege veículos menores da pressão dos grandes, seja silenciando-os ou comprando-os, para garantir o pluralismo.

Porém, o rascunho aprovado pelo Conselho Europeu inclui uma exceção, proposta de última hora pela França, à proibição de atos de vigilância contra jornalistas, o que inclui o uso de spywares, se houverem suspeitas de "ameaça à segurança nacional" em suas atividades.

França argumenta que jornalistas devem ser grampeados, se houverem suspeitas sobre suas fontes (Crédito: natatravel/Shutterstock) / UE

França argumenta que jornalistas devem ser grampeados, se houverem suspeitas sobre suas fontes (Crédito: natatravel/Shutterstock)

A Lei de Liberdade de Mídia na Europa (EMFA, na sigla em inglês), é um conjunto de regras que busca proteger a liberdade de imprensa em todos os 27 países-membros, restringindo atos de interferência política e mesmo decisões editoriais, no trabalho investigativo e veiculação de notícias.

A Lei prevê o financiamento estável de serviços de mídia públicos, a transparência dos veículos quanto a veiculação de propaganda estatal e sobre quem são os donos dos mesmos, para não haver conflitos de interesses.

Por fim, o texto original impõe limites sobre aquisições de veículos menores por conglomerados de mídia, de modo a não restringir pontos de vista divergentes na imprensa, no que os grandes acabariam absorvendo jornais e sites menores, para silenciá-los.

Vários órgãos de defesa da livre imprensa elogiaram a iniciativa; o Centro Europeu para a Liberdade de Imprensa e Mídia anotou que a EMFA "é um passo na direção certa", enquanto outros membros, como a Hungria, cujo primeiro-ministro Viktor Orbán estipulou penas de até 5 anos para jornalistas que espalharem "desinformação", criticaram a medida.

Porém, a percepção geral a respeito da EMFA mudou no início de junho de 2022, quando a França apresentou uma exceção ao texto da Lei, sobre a proteção individual de jornalistas contra vigilantismo e rastreio.

No texto original, jornalistas não podem ser rastreados ou monitorados sob nenhuma hipótese, um princípio básico da liberdade de imprensa, mas conforme a emenda francesa, uma exceção deve ser considerada em casos de suspeita de "ameaça à segurança nacional".

Na possibilidade de que as fontes de um jornalista possam estar mantendo contato com criminosos, a exceção prevê que este pode e deve ser monitorado, o que inclui a instalação não-solicitada de softwares de rastreio, como spywares, em seus computadores e dispositivos móveis.

Pressão contra a liberdade de imprensa está aumentando em vários países (Crédito: DPA/AFP/Getty Images)

Pressão contra a liberdade de imprensa está aumentando em vários países (Crédito: DPA/AFP/Getty Images)

A emenda não especifica quais tipos de crimes são justificáveis para a implementação da exceção, algo bem diferente do que foi determinado na Lei de IA, que ilustra apenas casos de ameaça extrema à UE, como terrorismo. Assim, jornalistas podem ser grampeados se suas fontes incluírem investigados por crimes sérios, como roubo e homicídio, mas também por pirataria e infração de direitos autorais, o que agrada os grandes detentores de conteúdo europeus.

Apesar dos protestos de diversos grupos contra a exceção, o Conselho Europeu aprovou o texto modificado no dia 21 de junho, e conclamou para que a Comissão, a próxima a anlisar a EMFA, faça o mesmo, para que ela seja implementada como Lei vigente quanto antes.

A reação, claro, foi a pior possível. A ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF), que defende a liberdade global de imprensa, deceu o malho na aprovação do projeto, dizendo que a violação da confidencialidade das fontes, o básico do jornalismo investigativo, "envenena o Projeto de Lei" e o converte de legislação benigna, em uma ferramenta de vigilantismo.

Segundo Christophe Deloire, secretário-geral da RSF:

"A inclusão de uma exceção geral de segurança nacional é, na melhor das hipóteses, um erro e, na pior, um perigo para o jornalismo. É um cheque em branco para vigilância desenfreada, a um passo da forma mais grosseira de espionagem policial e uma porta aberta para o abuso. E ela é um erro político, porque esse golpe na EMFA fornece armas aos seus detratores.

Apelamos aos autores da alteração para a inverterem, e instamos o Parlamento Europeu a rejeitar tal disposição inútil e perigosa, que envenenaria a lei por dentro.

O fato de Ministérios do Interior de democracias estabelecidas considerarem se valer de tais práticas de estados autoritários representa um grave precedente no processo europeu. A responsabilidade política acabará caindo, mais cedo ou mais tarde, nas mãos de aprendizes de feiticeiros."

Segundo a RSF, a pressão contra órgãos livres de imprensa aumentou nos últimos anos, principalmente por conta da "indústria de Fake News" e ferramentas que facilitam a criação e disseminação de mentiras, além da perseguição a jornalistas.

A versão 2023 do relatório anual de liberdade de imprensa da ONG mostra que Noruega, Irlanda, Dinamarca, Suécia e Finlândia formam, nesta ordem, o Top 5 de países mais livres. A média da UE fica entre "situação satisfatória" (oeste) e "problemática" (leste), com exceção de Rússia e Bielorrússia, ambos em estado "muito sério" de restrição, o mais grave.

Apenas a título de comparação, o Brasil ocupa a 92.ª posição do ranking, e é classificado como "situação problemática" para a liberdade de imprensa; isso porque o país subiu 18 posições quando comparado à lista de 2022, fato atribuído unicamente à troca de presidente, de Jair Bolsonaro para Luiz Inácio Lula da Silva.

Os EUA, na mesma situação que o Brasil, ocupam o 45.º lugar, tendo caído 3 posições em relação a 2022, principalmente por ataques de membros do executivo à imprensa, e a administração de Joe Biden está falhando para garantir os direitos de jornalistas.

Fonte: Reporters Without Borders

Leia mais sobre: , , .

relacionados


Comentários