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Apple: política de privacidade é alvo de processos antitruste na Europa

França e Alemanha abrem processos contra política anti-rastreamento de dados de usuários da Apple, que prejudicou Meta e Google

47 semanas atrás

A Apple não tem um dia de sossego na Europa, principalmente quando reguladores estão de plantão, procurando brechas para combater o que consideram competição desleal no continente. O mais recente desenvolvimento envolve sua política de privacidade, introduzida no iOS 14.5 em abril de 2021, que dá aos usuários o poder de decidir se querem, ou não, que certos aplicativos rastreiem e coletem dados em outros apps e sites.

A medida, que fez gigantes como Meta e Twitter perderem dezenas de bilhões de dólares em receita, e também prejudicou agências de marketing, está sendo tratada pelos legisladores de França e Alemanha como concorrência desleal, o que fez da gigante de Cupertino alvo de processos antitruste em ambos países.

iPhone XR (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

iPhone XR (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Vamos contextualizar: até a chegada da nova política, chamada Transparência do Rastreamento de Apps, a Apple não fazia questão de controlar como aplicativos, sites e serviços coletavam dados de usuários de seus dispositivos. O método de rastreio entre aplicações diferentes é uma metodologia padrão, usada para traçar o perfil de consumo do dono do dispositivo, de modo a exibir anúncios personalizados, e como consequência, obter melhores resultados em suas campanhas.

A prática se tornou o ganha-pão de companhias como Meta, Twitter, Snapchat, YouTube e outros, que tinham acesso aos sites que o usuário acessava, as músicas que ouvia, os serviços que contratava, seus horários, quais sites favoritos, seus games de preferência, seu histórico de compras, e por aí vai. Assim, o perfil de cada consumidor era bem detalhado, e fácil de direcionar às campanhas com mais chances de se converterem em cliques, compras, assinaturas, visualizações, etc.

Em 2021, a Apple decidiu que não mais permitiria a empresas externas coletarem dados livremente, e ao introduzir a nova política de privacidade com o iOS 14.5, jogou as chaves do reino na mão do consumidor. Dali em diante, sempre que um app que coleta dados em outros serviços é aberto no iPhone pela primeira vez, ele é OBRIGADO a exibir uma notificação, perguntando ao usuário se ele permite, ou não, o rastreamento cruzado.

Note que a opção de desligar a coleta sempre existiu no iPhone e iPad, mas vinha enterrada nas configurações do dispositivo; dessa forma, Meta, Twitter e outros contavam com a preguiça e desconhecimento do usuário, que ao não ter paciência ou não saber fuçar nos Ajustes, deixava tudo como estava, e o rastreio seguia normalmente.

Com a Apple forçando a exibição da opção de permitir ou não a coleta na primeira execução do aplicativo, o usuário fica ciente da prática e, para horror dos concorrentes, a imensa maioria optou por não permitir o rastreio, desligando a opção, exatamente a intenção desde o início.

A justificativa da maçã foi que seus consumidores tivessem mais controle sobre sua privacidade, mas ela sabia muito bem que as consequências seriam avassaladoras para seus concorrentes e agências de marketing: apenas em 2021, cerca de US$ 9,85 bilhões em receita, recolhida pelas grandes companhias, simplesmente evaporaram.

Segundo um estudo de 2019, que a Apple usou como exemplo para justificar a implementação da Transparência do Rastreamento de Apps em 2021, o mercado de anúncios movido apenas pela coleta cruzada entre apps movimentava US$ 227 bilhões por ano. Daí você calcula o tamanho da porrada.

Apps com função de rastreio passaram a pedir permissão ao usuário a partir do iOS 14.5 (Crédito: Reprodução/Apple)

Apps com função de rastreio passaram a pedir permissão ao usuário a partir do iOS 14.5 (Crédito: Reprodução/Apple)

A adesão por parte do público foi massiva, maior do que todo mundo esperava, menos a Apple. Na primeira semana após a introdução da Transparência do Rastreamento de Apps com o iOS 14.5, 87% dos usuários globais de iPhones bloquearam o rastreio; olhando apenas para os Estados Unidos, a surra foi ainda maior, com uma adesão de 95% da base instalada nos primeiros 7 dias.

Foi exatamente por isso que o Meta entrou em modo agressivo para reverter a percepção pública, tendo inclusive apelado para o FUD (Medo, Incerteza e Dúvida), ao dar a entender que o Facebook deixaria de ser gratuito. Não colou.

Em fevereiro de 2022, a companhia de Mark Zuckerberg anotou queda de público pela 1.ª vez em sua história, e a redução de seu valor de mercado em 26% em apenas um dia, aproximadamente US$ 250 bilhões, muito em parte devido à Apple. Sem dados anonimizados precisos, todo mundo foi obrigado a recorrer a métodos de antigamente, a Mensuração de Dados Agregados é basicamente amostragem.

Não obstante, anunciantes e agências de marketing também foram severamente afetadas: sem dados precisos de usuários com os quais estavam acostumados a terem acesso, fica muito mais difícil direcionar propagandas eficientes. Assim, o escopo aumenta para mirar em mais potenciais consumidores, com chances de ter muito menos retorno, visto que amostragem não é pessoal e direta. No fim, todo mundo (menos a Apple) perdeu muito dinheiro nessa.

Ah sim: os apps nativos da Apple não oferecem a opção de impedir o rastreio de dados, apenas os de terceiros; vale lembrar que a gigante possui planos de entrar nos mercados de anúncios e busca com soluções próprias, como forma de manter a promessa feita a Steve Jobs de "acabar com o Google". Sem concorrentes coletando dados em seus dispositivos, Cupertino fica livre para fazer o que quiser com o perfil de seus consumidores, sem compartilhá-los com ninguém.

Além do Google, o Meta é uma das companhias mais afetadas pela política de privacidade da Apple. Desde sua implementação, seu CEO Mark Zuckerberg defende o entendimento que Cupertino fez o que fez não para proteger seus consumidores, mas para eliminar a concorrência em sua própria plataforma.

Para Mark Zuckerberg, política de privacidade da Apple é concorrência desleal; França e Alemanha concordam (Crédito: Andrew Harrer/Bloomberg/Getty Images)

Para Mark Zuckerberg, política de privacidade da Apple é concorrência desleal; França e Alemanha concordam (Crédito: Andrew Harrer/Bloomberg/Getty Images)

No entendimento da dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, seguido por outras empresas de tecnologia, anunciantes e agências de marketing, a maçã também usou o FUD para manipular a percepção dos donos de iPhones, dizendo que coleta de dados é ruim (e é, quando mal feita), e que ninguém, além da própria Apple, deve ter acesso a seus dados e hábitos armazenados em seu iPhone. Assim, a companhia criaria uma vantagem artificial para si própria, que detém a maior fatia da receita em dispositivos móveis (compras online, apps, etc.), mesmo com o Android vendendo muito mais aparelhos.

Pois na última semana, o Bundeskartellamt (BKartA), a agência para regulação do mercado na Alemanha, decidiu que a Apple é "um empreendimento de importância significativa" para o mercado digital, e dessa forma, fica sujeita a regulações rígidas para evitar que abusos sejam cometidos.

A Transparência do Rastreamento de Apps foi posta sob investigação antitruste em junho de 2022, com base nas acusações de competição desleal feitas por outras companhias, como o Meta, de que com ela, a Apple protege e privilegia suas próprias soluções, em detrimento das de outras empresas, o que prejudica a competição e o livre mercado.

Não ostante, a Autoridade para a Competição da França abriu sua própria investigação sobre o assunto, sob as mesmas alegações de outras companhias: a Transparência do Rastreamento de Apps é uma ferramenta que favorece a Apple na coleta de dados dos usuários, enquanto prejudica os negócios de concorrentes diretos e outras empresas, tudo sob o disfarce de proteger a privacidade de seus consumidores.

Vale lembrar que ambos países costumam levantar pautas referentes à competição no setor de tecnologia para a Comissão Europeia, ainda que as principais empresas afetadas pela política da Apple não sejam locais; por outro lado, a medida também prejudica empresas de diversos outros ramos, muitas delas do Velho Mundo, bem como agências de publicidade da região, todas fazendo menos grana desde que a Transparência do Rastreamento de Apps entrou em vigor.

Isso não quer dizer que a UE vai abrir um processo antitruste contra Cupertino válido para todos os 27 países do bloco, mirando na política anti-rastreio cruzado no iPhone, mas a possibilidade existe, ainda mais se lembrarmos que a comissária Margrethe Vestager ODEIA Apple, Google, Meta, Amazon e Cia. Ltda.

Procurada, a Apple não comentou as investigações abertas contra ela na França e Alemanha.

Fonte: 9to5Mac

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