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O fim de um sonho chamado Alice: Asylum

Após dedicar alguns anos da sua vida à criação do Alice: Asylum, American McGee vê EA recusar o projeto e decide se retirar do desenvolvimento de games

48 semanas atrás

Quando no final do ano 2000 a Electronic Arts lançou o American McGee's Alice, aquele parecia a realização de um sonho do seu criador. O que o game designer talvez não soubesse é que estava apenas entrando numa longa e tortuosa toca de coelho que levaria mais de 20 anos para ser percorrida, uma que não acabaria como ele desejava e que atenderia pelo nome Alice: Asylum.

Alice: Asylum

Crédito: Reprodução/Adam Narozanski/ArtStation

Para a maioria das pessoas, Alice no País das Maravilhas sempre será lembrado como uma história para crianças, mas a verdade é que o livro de Lewis Carroll possui um enredo bem mais sombrio e cheio de simbologias que aquele que muitos conheceram na animação da Disney. E American James McGee teve a oportunidade de explorá-lo à sua maneira.

Após trabalhar na id Software como diretor de criação e se cansar de dar vida a alienígenas e fuzileiros espaciais armados até os dentes, McGee se juntou a R.J. Berg para elaborar o rascunho de uma história inspirada no clássico de Carroll. Eles chegaram a imaginar versões em que a protagonista perseguiria um padrasto abusador ou em que seus pais e amigos seriam projetados nos personagens do País das Maravilhas, mas ambas acabaram recusadas pela EA.

Contudo, o roteiro que seria escolhido para guiar a aventura da jovem Alice Liddell não seria menos assustador. Se passando no ano de 1863, nele a garota acordaria no meio de um enorme incêndio em sua casa e mesmo conseguindo escapar, ela perderia os pais, saindo com sérias queimaduras e entrando num estado catatônico.

Mas o martírio de Alice estava longe de terminar. Levada para o Manicômio Rutledge, ela passaria por um tratamento para tentar tirá-la do coma, até que um dia ouviria seu coelho de brinquedo chamar por ajuda. Assim a garota visitará o País das Maravilhas e terá como objetivo derrotar a Rainha de Copas.

Crédito: Reprodução/Omri Koresh/ArtStation

Com uma direção artística muito bonita, um enredo interessante e designs de fase bastante criativos, American McGee's Alice conseguiu encontrar seu espaço e 11 anos depois ele receberia uma continuação, o Alice: Madness Returns. Aquele poderia ter sido o desfecho para a reinterpretação da história de Lewis Carroll, mas McGee queria mais.

Convicto de que poderia criar um terceiro jogo, em 2021 o game designer de nome inusitado (ideia da sua mãe hippie) iniciou uma campanha para produzir o jogo. Tratado como Alice: Asylum, a ideia seria realizar um financiamento coletivo para bancar o desenvolvimento, o que de certa forma chegou a acontecer, com ele recebendo contribuições enquanto trabalhava na pré-produção.

Foi desta forma que McGee e sua equipe criaram o Alice: Asylum Design Bible, um arquivo PDF com 414 páginas e 270 MB que servia como uma apresentação do projeto, uma ideia daquilo que eles pretendiam criar. Na ocasião, os envolvidos chegaram a citar uma possível pareceria com a Virtuos Games, além de um orçamento estimado em US$ 50 milhões para a criação do jogo (sem contar a parte de licenciamento e divulgação).

O problema é que tudo isso foi feito para convencer uma parte fundamental da criação, a EA. Sim, como a editora é a dona da propriedade intelectual, o projeto só poderia prosseguir com o consentimento da empresa, mesmo sem que ela precisasse colocar um centavo no jogo. Então, com a bíblia do desenvolvimento pronta e um plano de produção em mãos, American McGee voltou a conversar com a editora, na tentativa de convencê-los a permitir um financiamento do projeto ou mesmo vender os direitos para que o Alice: Asylum pudesse sair do papel.

Pois a resposta que ele obteve não poderia ter sido mais frustrante. “Na questão do financiamento, eles decidiram passar o projeto baseado numa análise interna da propriedade intelectual, condições de mercado e detalhes da proposta de produção,” diz a nota oficial. Já em relação “a questão do licenciamento, eles disseram que ‘Alice’ é uma parte importante do catálogo geral da EA e vendê-la ou licenciá-la não é algo que estejam preparados para fazer agora.”

Sendo assim, o comunicado segue afirmando não haver mais opções para que o jogo seja produzido, o que resultou no término do Patreon e de todas as atividades de pré-produção. De forma resumida, “Alice: Asylum chegou ao fim” e aparentemente tais palavras presentes na nota oficial não são um exagero.

Segundo American McGee, mesmo se acontecer de alguém convencer a EA a fazer tal jogo, ele não possui mais interesse em se envolver com este ou qualquer outro projeto relacionado a franquia Alice. Aliás, o game designer afirmou estar desistindo da produção de jogos no geral, já que não lhes restaram ideias ou energia e que agora passará a se dedicar à sua família e ao negócio que mantêm, a loja Mysterious.

Alice: Asylum

Crédito: Reprodução/Adam Narozanski/ArtStation

Este é um desfecho muito triste para um jogo que, dado o estado atual da tecnologia e o talento das pessoas envolvidas, poderia ter sido muito bom. No entanto, tanto McGee quanto os fãs sempre souberam que o projeto poderia não dar em nada e infelizmente os engravatados da EA preferiam fazer desta maneira.

Um dos motivos para a decisão pode estar em uma iminente série para TV baseada em Alice e que deverá ser produzida pela Radar Pictures em parceria com David Hayter — que os gamers conhecem por ser a voz de Solid Snake, mas que também criou os argumentos para filmes como X-Men: O Filme, O Escorpião Rei e Watchmen: O Filme.

Pode ser então que a EA esteja de olho num possível interesse que o público voltará a ter pela franquia, preferindo desenvolver um terceiro jogo internamente e tendo total controle criativo (leia-se, enfiando microtransações em todo canto). Porém, será que o mais seguro (tanto para eles quanto para nós) não seria deixar a criação nas mãos de alguém que realmente conhece a marca e que já tinha garantido uma boa parte da pré-produção?

Enfim, novamente vemos os executivos pensarem apenas com os bolsos na hora de autorizar ou não um projeto. Por mais que eu entenda que essas pessoas estão ali justamente para fazer com que os cofres encham cada vez mais, como um apaixonado por games e que vê a mídia como uma forma de arte, é impossível não lamentar quando canetadas nos impedem de conhecer a visão de um autor.

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