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Legacy of Kain: sobre vampiros e vinganças

Idolatrada e infelizmente abandonada, a franquia Legacy of Kain foi forjada sobre uma ousada aposta, inspiração em Shakespeare e até numa disputa na justiça

49 semanas atrás

Histórias de vampiros sempre fascinaram a humanidade, com elas existindo aos montes. Mesmo assim, no início da década de 90 um estúdio canadense acreditou que ainda havia espaço para trazer algo de novo a este universo e ao misturar Shakespeare, fantasia e terror, deu origem a uma das franquias mais interessantes da indústria, a Legacy of Kain.

The Elder Kain (Crédito: Reprodução/Patrick Johnson/ArtStation)

O ano era 1993, quando a Silicon Knights se dedicava à criação de um jogo chamado Dark Legions. Foi naquela ocasião em que o fundador do estúdio, Denis Dyack e o diretor de arte e roteirista Ken McCulloch criaram o conceito do que batizaram como The Pillars of Nosgoth. Buscando inspiração em várias frentes, a história proposta por eles era bastante ambiciosa, principalmente para a época.

Isso porque, além das peças escritas pelo famoso dramaturgo inglês, a saga que eles pretendiam contar ainda buscava inspiração em obras como o filme Os Imperdoáveis, de Clint Eastwood, e livros como Necroscope, de Brian Lumley e A Roda do Tempo, do escritor Robert Jordan.

Outro aspecto que colocava The Pillars of Nosgoth a frente do seu tempo era o protagonista, um anti-herói, assim como a intenção de fazer o enredo girar em torno de dilemas éticos. Juntos, esses elementos estavam afastando possíveis interessados em publicar o título, mas não a Crystal Dynamics. Assim como Dyack, o produtor Lyle Hall sonhava em criar um jogo de grandes proporções e após ambos se encontrarem num evento, fecharam um acordo para tirar o projeto do papel.

Para Hall, o mundo precisava de um jogo de vampiros ao estilo The Legend of Zelda e com um roteiro maduro, uma pegada mais artística e uma abordagem cinematográfica, eles poderiam levar o gênero de ação a um novo nível.

Blood Omen: Legacy of Kain

Blood Omen: Legacy of Kain (Crédito: Reprodução/666gonzo666/MobyGames)

Então, com a entrada de Amy Hennig (Desert Strike: Return to the Gulf, Uncharted: Drake's Fortune, Forspoken) para a equipe, as empresas ainda precisavam tomar uma dura decisão: em qual plataforma o jogo seria lançado? Inicialmente o alvo era o 3DO e o Sega Saturn, mas um novo competidor chamou a atenção da equipe. Chegava às lojas o poderoso PlayStation!

Como no jogo que acabaria se chamando Blood Omen: Legacy of Kain controlaríamos um vampiro, um dos desafios de McCulloch seria criar um roteiro que não colocasse o protagonista como alguém puramente bom ou mau. Ele queria fazer o jogador se questionar se a maldade não se tratava apenas de uma questão de perspectiva, assim como acontecia com Bill Munny, de Os Imperdoáveis.

Outra sábia escolha do roteirista e das pessoas envolvidas na criação daquele jogo foi aproveitar a espada que se tornaria símbolo da franquia, a Soul Reaver. Originalmente a arma havia sido pensada para outro projeto da Silicon Knights, um título que só seria lançado muito anos depois e que nunca conseguiria o mesmo sucesso, o Too Human.

Blood Omen: Legacy of Kain

No início, Kain era bem diferente (Crédito: Reprodução/Andrew Hartnett/MobyGames)

Com o desenvolvimento do Blood Omen: Legacy of Kain tendo se estendido por mais de três anos, o estúdio precisou dobrar o tamanho da equipe que estava dedicada a ele. Isso incluiu a realocação de vários funcionários da Crystal Dynamics para o Canadá, o que causou um grande transtorno para aqueles profissionais.

Mesmo assim, o desenvolvimento seguiu seu caminho e após divulgar o projeto nas E3 de 95 e 96, chegava a hora de colocá-lo nas lojas, o que aconteceria em novembro de 1996, através de uma parceria com a Activision. E para evitar que houvesse dúvida sobre a empresa responsável pelo título, foi adicionada uma tela nos créditos que afirmava que “o conceito, história e conteúdo do ‘Kain’ foi criado e desenvolvido pela Silicon Knights.” Aquilo foi um movimento inédito na indústria e que acabou se tornando padrão.

Com ótima recepção tanto por parte do público quanto da crítica, Blood Omen: Legacy of Kain foi aclamado pela ótima ambientação, design de som, história e o poder do seu protagonista. Porém, nem todos gostaram da câmera com visão área e muitos consideraram a jogabilidade um tanto desajeitada.

Na pele (e ossos) de Raziel

Legacy of Kain: Soul Reaver

Legacy of Kain: Soul Reaver (Crédito: Reprodução/Dmitrii Desiatov/ArtStation)

Mas se o título estrelado pelo vampiro Kain serviu para fundar os alicerces de um interessante universo, seria a sua continuação que realmente conquistaria uma legião de admiradores. Contudo, até que o jogo conhecido como Legacy of Kain: Soul Reaver fosse lançado, uma dura batalha aconteceria na justiça.

Tudo começou quando o Blood Omen ainda estava em produção, com a Silicon Knights já planejando uma continuação. Simultaneamente, os executivos da Crystal Dynamics também queriam aproveitar o sucesso da franquia, com eles passando a acreditar que seria melhor deixar a parte de publicação de lado e investir na criação de jogos, o que os levou a fechar acordo com a Activision. A ideia era eles mesmos desenvolverem um novo capítulo para a série.

Porém, a iniciativa não foi bem-vista por Dyack e cia, levando-os a entrar com um pedido para que tal jogo não fosse lançado. A justificativa era de que a antiga parceira havia plagiado o conceito que eles tinham criado, impasse que se estenderia até 1998, com o acordo entre as partes definindo que a propriedade intelectual ficaria com a Crystal Dynamics, mas com eles precisando creditar a Silicon Knights como criadores.

Mas aquela briga infelizmente acabaria prejudicando consideravelmente a produção. Além de um adiamento de quase um ano no lançamento, muito conteúdo precisou ser cortado, incluindo poderes adicionais idealizados para o protagonista, Raziel. Para diminuir o impacto dos problemas, a equipe chegou a dividir o projeto em duas partes, o que explica a maneira abrupta como a aventura termina.

Crédito: Divulgação/Crystal Dynamics

E por falar na história, ela ficou sob a responsabilidade de Richard Lemarchand, Jim Curry e Amy Hennig, que também dirigiu o jogo. Com o enredo apoiando-se no universo que havia sido criado para o Blood Omen: Legacy of Kain, ele também buscaria inspiração em outras obras, como Paraíso Perdido, um poema escrito por John Milton no século XVII. Foi dele que surgiu algumas das principais características de Raziel, como a habilidade do vampiro decaído em sugar almas para se fortalecer.

Já para a jogabilidade, a Crystal Dynamics fez uma mudança radical, migrando das duas para as três dimensões e mirando em um jogo que vinha fazendo muito sucesso, o Tomb Raider. Desenvolvido pelos ingleses da Core Design, naquela época o estúdio estava sendo controlado pela Eidos, que também havia adquirido a desenvolvedora do Legacy of Kain: Soul Reaver. Aquela foi uma escolha que se mostrou muito acertada, com Hennig chegando a comparar o salto em relação ao Blood Omen com o que vimos acontecer com a série The Legend of Zelda quando o Ocarina of Time chegou ao Nintendo 64.

Entre as outras influências, podemos citar os filmes Entrevista com o Vampiro, Noferatu, Quando Chega a Escuridão e Drácula de Bram Stoker, mas Lermarchand garante que a parte visual ainda bebeu de fontes como o anime Vampire Hunter D e as criações de Hayao Miyazaki.

Raziel (Crédito: Reprodução/Korie Cull/ArtStation)

Novamente a E3 seria utilizada como forma de divulgação de um capítulo da franquia e alguns daqueles que tiveram a oportunidade e visitar o evento realizado em 1998 puderam sair de lá com uma demo. No ano seguinte foi a vez do Legacy of Kain: Soul Reaver chegar ao PlayStation e PC, com boa parte do público ficando apaixonado pela história de Raziel, Kain e seus vampiros. Já em 2000 o Dreamcast receberia uma versão ainda mais bonita, com a quantidade de polígonos sendo maior e a taxa de atualização de frames sendo muito melhor.

Segundo a campanha de divulgação realizada pela Eidos Interactive, foram gastos mais de US$ 4 milhões no desenvolvimento daquele jogo, valor que hoje pode ser facilmente ultrapassado por um projeto independente, mas que na época era bem alto. A título de comparação, um jogo como o Heavy Rain — que usava muita captura de movimentos e só foi lançado em 2010 — custou pouco menos de US$ 22 milhões para ser criado.

Depois a franquia ainda receberia três continuações: Soul Reaver 2, Blood Omen 2 e Legacy of Kain: Defiance. Contudo, se desconsiderarmos a tentativa da Eidos em levar os vampiros para as partidas multiplayer com o fracassado Nosgoth, infelizmente lá se vão 20 anos desde a última vez que tivemos a oportunidade de conhecer uma nova aventura no fantástico universo dos vampiros criados por Denis Dyack e Ken McCulloch.

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