O que os russos têm contra a contagem regressiva?

Russos são esquisitos, paranóicos (com motivos) e não vão ao banheiro sem ter um plano, mas algumas esquisitices deles não são tão óbvias, como o fato de lançarem foguetes sem a tradicional contagem regressiva final em voz alta.

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Quem acompanha exploração espacial com certeza já percebeu que ao contrário dos americanos, franceses, japoneses, indianos e chineses, os russos não lançam seus foguetes com пять… четыре… три… два… один… eles apenas esperam chegar o horário exato planejado, giram a chave e o bicho sobe.

É uma atitude que vem desde os primórdios do programa espacial deles, e embora não haja explicação oficial, o consenso é que o motivo é simples: Russos não gostam de alemães, e a contagem regressiva no lançamento de foguetes foi popularizada com os filmes que Wernher Von Braun produzia para mostrar o progresso dos mísseis balísticos V2.

Von Braun sabia que Hitler adorava um drama, e nada mais dramático que uma contagem regressiva, mas ainda assim -e isso fora de contexto me traria problemas- os nazistas estão inocentes aqui.

A primeira vez que uma contagem regressiva foi usada em um lançamento de foguetes pareceu ficção científica. Na verdade, era. Foi no filme de Fritz Lang Frau i Monde, de 1929.

No vídeo abaixo temos o filme completo. A contagem regressiva pode ser vista no momento 1:29:40

 

Pode parecer birra dos russos, mas não dá pra minimizar o quanto nós o povo soviético sofreu na mão dos nazistas, então é compreensível que eles não queiram pontuar seus lançamentos com uma contagem regressiva que remete diretamente à Alemanha.

Os russos inclusive foram bem críticos à Operação Paperclip, o projeto americano que levou para os Estados Unidos 1600 engenheiros e cientistas alemães, entre 1945 e 1959. Com eles foram suas famílias, equipamentos, documentos de pesquisa e muito mais.

Boa parte deles eram membros do partido nazista, alguns eram até líderes. Wernher Von Braun é o nome mais conhecido, mas a Operação não se restringiu a cientistas de foguetes. Químicos, arquitetos, engenheiros eletrônicos, engenheiros de material, pesquisadores da área médica... a lista é enorme, e a controvérsia sobrevive até hoje.

Claro, isso tudo é a mais pura hipocrisia russa, eles apontam o dedo para a Operação Paperclip, contando que seus fãs posarão de indignados, e que seus críticos não conheçam a Operação Osoaviakhim.

Em 1946 a então união soviética capturou 2500 cientistas engenheiros e técnicos alemães, além de 4000 familiares deles. A KGB tinha uma lista completa, todos foram buscados em casa, em uma operação que durou apenas uma noite.

Fritz Karl Preikschat, um engenheiro alemão, relata como foi capturado e mantido como trabalhador forçado na União Soviética por seis anos:

“Eles vieram entre meia-noite e 3 da manhã, quando todos estavam dormindo. Eles sabiam exatamente onde eu morava, em primeiro lugar: alguns dias antes de eu ser capturado, um sujeito veio. Eles tinham uma chave - eles tinham tudo para o apartamento, para a porta. Havia um intérprete que me disse [em alemão]: “Levante-se! Você está sendo mobilizado para trabalhar na Rússia”, e havia cerca de meia dúzia de soldados com metralhadoras, que me cercaram. Quando eu quis ir ao banheiro, eles verificaram primeiro para ter certeza de que não havia nenhuma saída de emergência. Foi uma operação muito apertada. Eles fizeram isso com cada família. Muitas famílias vieram, enquanto eu estava sozinho.”

Esses cientistas foram a base do programa espacial, nuclear e industrial da União Soviética do Pós-Guerra, ajudando Sergei Korolev a entender todo o equipamento que os russos confiscaram nos centros de pesquisa nazistas.

Mas, claro, o importante é não fazer contagem regressiva em lançamento de foguete.