Meio Bit » Ciência » Hélio-3 na Lua: startup jura que pode minerá-lo

Hélio-3 na Lua: startup jura que pode minerá-lo

Companhia de egressos da Blue Origin levanta US$ 15 milhões em investimentos, e promete minerar Hélio-3 na Lua a partir de 2030

15/03/2024 às 7:57

Hélio-3, o dito "combustível do futuro", que pode (ou não) viabilizar a fusão nuclear comercial em um futuro não tão próximo, é um elemento extremamente raro na Terra, mas existe em abundância, guardadas as devidas proporções, na Lua. Há muito se ouve a promessa de minerar o satélite atrás do gás, mas nada nunca passa da fase de conjecturas e projeções.

Agora, uma companhia privada formada por ex-funcionários da Blue Origin, não só conseguiu atrair a atenção de investidores, como promete causar disrupção no setor espacial, se seus projetos forem viáveis.

Representação artística do rover minerador de Hélio-3 em ação (Crédito: Divulgação/Interlune)

Representação artística do rover minerador de Hélio-3 em ação (Crédito: Divulgação/Interlune)

A Interlune, fundada em 2022 por Rob Meyerson e Gary Lai, respectivamente ex-presidente e ex-arquiteto-chefe da companhia espacial do bilionário Jeff Bezos, vem apresentando projetos para viabilizar a mineração de Hélio-3 na Lua, mas a grande novidade foi o anúncio de que a startup conseguiu levantar US$ 15 milhões em capital, aliado a injeções anteriores de investidores anjos.

Claro, o valor é absolutamente irrisório no que tange à exploração lunar na totalidade, em que as cifras são calculadas a partir de (muitos) bilhões de dólares, mas a grande novidade é que outros players, que não a NASA, estão se mostrando interessados na ideia de minerar Hélio-3, e estão colocando dinheiro nas mãos da Interlune para isso.

A maioria das companhias privadas que visam nosso satélite natural como uma oportunidade de negócios, da SpaceX à Blue Origin, passando pela Boeing e ULA, o veem como uma escala para futuros projetos de viagens espaciais, quando muito um ponto turístico no futuro, principalmente porque a agência espacial norte-americana, na posição de zeladora extra-oficial do Espaço, e usando o velho adágio "manda quem pode, obedece quem tem juízo" (EUA, afinal), não permite que ninguém opere sem que ela se envolva.

A NASA JPL até tem um cronograma preliminar, mas não possui planos ativos para o Hélio-3, não traçou nenhum prospecto para viabilizar a mineração do gás, apenas projeta que vai custar muito caro e levar muito tempo para ser algo viável; além disso, ela lembra que acordos assinados em 1967 impedem qualquer nação da Terra de clamar posse da Lua, ou de partes dela.

No entanto, há quem questione que o tratado não se aplicaria a uma companhia privada, apenas pelo fato de que, quando ele foi assinado, ninguém em sã consciência considerava que outros, além de governos, seriam capazes de explorar o Espaço, o que não é mais o caso. Sobre isso, a JPL diz apenas que "este é um problema que vamos resolver, quando chegarmos lá".

O problema é que a Interlune diz ser capaz de apresentar protótipos funcionais praticamente amanhã, se considerarmos o ritmo lento da NASA, que avalia projetos em décadas, não em meses. Empresas privadas, ao contrário de governos, não têm cheat de dinheiro infinito e precisam mostrar serviço aos acionistas, por isso SpaceX e companhia deixaram as agências estatais para trás, comendo poeira cósmica.

Empresa quer minerar Hélio-3 já em 2030

Como já explicamos, o Hélio-3 é um dos isótopos mais raros do Hélio, e foi formado principalmente no momento do Big Bang. O restante é fundido no núcleo de estrelas de grandes a massivas, como o Sol (em menor quantidade) e gigantes vermelhas. Boa parte do elemento produzido em nossa estrela, e disperso pelos ventos solares, acaba depositado na Lua, por esta não ter uma magnetosfera como a Terra, que reflete a maioria dele.

Apenas 0,000137% de todo o Hélio presente na Terra, é Hélio-3, no espaço o número sobe um pouquinho, para 0,001%. Na Lua, ele estaria presente em uma proporção de 15 partes/bilhão em áreas expostas ao Sol, e até 50 partes/bilhão em áreas de sombra.

Por que Hélio-3 é tão desejado? Primeiro, ele viabilizaria o que chamamos de fusão nuclear aneutrônica, isto é, cuja reação não gera nêutrons como subproduto, e como consequência, não gera lixo radioativo; segundo, ele tem alta eficiência energética, uma usina nuclear de 1 GW consumiria apenas 52,5 kg de Hélio-3 por ano, contra 30,4 toneladas (27,6 mt) de urânio processado.

Apenas 0,000137% dos átomos de Hélio na Terra são Hélio-3 (Crédito: Build an Atom)

Apenas 0,000137% dos átomos de Hélio na Terra são Hélio-3 (Crédito: Build an Atom)

Pensando nisso, os planos da Interlune são bem ousados: a empresa pretende lançar uma missão de demonstração já em 2026, para analisar os regolitos lunares e quão eficiente seria minerar o gás, já tentar extraí-lo, e trazer de volta. Segundo Myerson, o rover projetado poderia ser embarcado em uma das missões do programa conjunto de exploração lunar, de companhias como SpaceX e/ou Blue Origin (quando esta mostrar serviço, claro).

O executivo diz que se tudo correr bem, um plano piloto poderia entrar em operação em 2028, e a mineração comercial poderia ser posta em atividade em 2030, para "suportar o mercado na Terra". Logo, chegou a hora do Meio Bit vir com o clássico momento "devagar com o andor".

Primeiro, ninguém faz a menor ideia do quão difícil será minerar Hélio-3 na Lua, considerando a quantidade disponível e toda a logística de enviar maquinário E pessoal para lá. Sim, porque seria necessário estabelecer bases permanentes com habitats, não dá para colocar tudo na conta de robôs, e esperar que tudo corra bem. Máquinas tendem a quebrar, e uma mineradora parada significa prejuízo.

Segundo, ainda não temos a menor capacidade de fundir Hélio-3. Céus, não conseguimos nem mesmo produzir fusão estável de Hidrogênio, o elemento mais abundante que existe, sem contar que tanto um quanto outro exigem mais energia para o processo de fusão, do que produzem em resposta. E o Hélio-3 precisa de ainda mais energia que o Hidrogênio.

Claro que é preciso sair de algum lugar, que o diga a China, que vem mapeando reservas do gás na Lua há um bom tempo, e encontrou um depósito promissor recentemente, mas é sempre bom ir com calma quanto a promessas mirabolantes, quando o Espaço, que não é um lugar amigável, está envolvido.

Fonte: Ars Technica

Leia mais sobre: , .

relacionados


Comentários