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Starship, maior foguete do mundo está quase operacional

A Starship voou pela terceira vez, cumpriu várias metas em seu progresso, e ainda deu um show na reentrada!

14/03/2024 às 19:11

Não é a Starship na imagem abaixo. É o Qingdao, um destróier chinês. 4.800 toneladas de deslocamento, 144 metros de comprimento. Um navio respeitável em qualquer cenário. Agora imagine um bicho mais pesado que isso, com 5.000 toneladas, voando a 23 vezes a velocidade do som. Essa é a Starship.

Qingdao visitabndo Pearl Harbour (Crédito: U.S. Navy photo by Mass Communication Specialist 3rd Class Ben A. Gonzales)

São 121 m de altura, 10 a mais que o Saturn V, e o dobro da potência, com capacidade de colocar 150 toneladas em órbita. Futuramente, 250. Mas isso não é o principal, o grande diferencial da Starship é sua total reusabilidade. E não, o Ônibus Espacial não era reutilizável, ele era recauchutável. Após cada lançamento ele passava 6 meses no estaleiro, enquanto isso era construído um tanque principal, pois o dito-cujo era descartado a cada missão, e os motores auxiliares eram reconstruídos, às vezes não muito bem, como a Challenger não nos deixa esquecer.

Já a Starship em teoria poderá fazer vários vôos por dia. Mesmo no estágio atual seu custo é muito inferior a tudo que há no mercado. Alguns estimam que um lançamento hoje sai por US$ 100 milhões, o que em exploração espacial é troco de pinga. Com tudo azeitado, o preço do kg em órbita vai cair uma ordem de magnitude. Se os valores (desatualizados, eu sei) colocam o custo mais baixo existente, o Falcon Heavy, a US$ 1.500/kg, com a Starship o custo será de US150/kg.

Isso vai mudar TUDO!

Starship na torre de lançamento (Crédito: Jenny Hautmann / Wikimedia Commons)

Hoje em dia satélites, sondas, robôs, tudo custa muito caro, pois precisam ser miniaturizados, cada grama importa. É extremamente caro projetar equipamentos com esse nível de exigência. Com um custo muito mais baixo, e uma capacidade de volume muito maior, a Starship permitirá que equipamentos muito mais mundanos e de custo acessível sejam lançados.

A Filosofia da SpaceX

Quando você tem verba e tempo infinitos, é tranqüilo desenvolver um foguete que voe perfeito da primeira vez. A NASA conseguiu isso com o SLS, a um custo de mais de US$ 20 bilhões no desenvolvimento, e com sorte, caso consigam reduzir custos, cara lançamento custará apenas US$ 2 bilhões. Comparado com US$ 100 milhões da Starship.

A diferença é que a SpaceX trabalha com filosofia de iteração rápida. Ao invés de passar anos e gastar uma fortuna testando em laboratório como um equipamento vai se comportar, eles constroem, testam em situação de uso. Aprendem o que funciona, o que não funciona, aprimoram, repetem o processo.

Isso pode ser visto de forma quase didática no vídeo da SpaceX “Como não pousar um booster orbital”, que ilustra o processo onde aprenderam a pousar com sucesso o Falcon 9, algo que hoje é tão corriqueiro que ninguém mais nem liga para os streamings.

Note, todos esses foguetes já cumpriram suas missões. Eles tiveram o mesmo destino dos boosters de todo e qualquer foguete lançado por qualquer outra empresa e país: ser destruído na reentrada.

Cada explosão dessas é uma montanha de dados, conhecimento e aprendizado, e o resultado? No lançamento inaugural do Falcon Heavy, não um, mas DOIS boosters pousaram com sucesso, lado a lado.

O desenvolvimento da Starship está sendo bem “diferente”, mesmo para os padrões da SpaceX. Esqueça salas limpas, laboratórios com engenheiros vestindo trajes de proteção movendo peças com pinças. Após desistirem de usar fibra de carbono, os engenheiros da SpaceX decidiram que a nave funcionaria melhor sendo feita com aço inoxidável, o mais mundano (e barato) dos materiais.

Para testar o motor Raptor e vários outros sistemas, eles literalmente contrataram uma empresa especializada em caixas d’águas e construíram o Starhopper, talvez a nave mais feia da História. E a desgraça funcionou direitinho, em um vôo de 150m de altitude, validando a tecnologia.

Depois de vários voos de testes, com versões mais aprimoradas, chegaram a um formato com flaps, e testaram a manobra de mudança de atitude, quando a nave está caindo digo planando de barriga, e reverte para a vertical no pouso.

Não acertaram de primeira, mas aos poucos chegaram na SN10:

Em 17 de abril de 2023 a SpaceX fez o primeiro lançamento de testes de uma Starship completa, booster e nave.

Elon Musk dava 50% de chances do conjunto explodir ainda na torre, então o objetivo era decolar. Decolou, com vários motores sofrendo desligamento automático, a manobra de separação não dando certo e o sistema de autodestruição sendo ativado, de forma espetacular.

Em 18 de novembro do mesmo ano, com um sistema de irrigação construído para conter as vibrações dos motores, e mais de 3000 modificações foram feitas no foguete.

A decolagem foi perfeita, todos os motores funcionando de forma nominal. No momento correto a separação ocorreu, o booster começou a manobrar, mas como havia pouca proteção, o acionamento dos motores da Starship durante a separação provocou um incêndio que causou perda de controle e ele foi destruído pelo sistema de terminação de vôo.

A Starship prosseguiu, mas como não estavam levando carga, decidiram simular colocando mais combustível e oxidante nos tanques. De vez em quando é preciso reduzir a pressão, liberando oxigênio, isso acabou levando à ignição de partes dos motores, e a anomalia disparou o sistema de autodestruição, a 149Km de altitude e momentos antes do desligamento normal.

O terceiro vôo de testes, 14 de março de 2024, com objetivos bem mais complexos.

Nesse vôo a Starship deveria testar a abertura da porta do lançador de satélites, o booster tentaria uma manobra de splashdown (pouso na água), seria testada a transferência de combustível em órbita, religamento dos motores e verificariam se a nave resistiria à reentrada.

A decolagem foi perfeita (de novo) e o booster quase pousou, só estava uns 1000km/h acima da velocidade ideal, mas é o tipo de problema que antes de cair na água uns 18 engenheiros já sabiam o que estava errado e como consertar.

A Starship prosseguiu em sua trajetória quase orbital, planejada para cair no Oceano Índico.

O teste de transferência de combustível foi feito com sucesso (o que rendeu uma grana da NASA), a porta do dispenser de satélites abriu e fechou corretamente. Por algum motivo não fizeram o religamento dos motores.

A Starship continuou até reentrar na atmosfera. Por vários minutos ela foi envolta em uma camada de plasma, causado pelo aquecimento do ar. Curiosidade: Esse plasma não é gerado por atrito, é causado pela pressão, a nave é tão rápida que não dá tempo do ar sair da frente, e é comprimido, esquentando no processo.

Incrivelmente isso tudo foi acompanhado ao vivo, em vídeo em HD, a Starship tinha várias antenas Starlink em seu casco, e a transmissão durou até uns 65Km de altitude, quando tanto Starlink quanto a telemetria usando a rede da NASA foram interrompidas, o que sugere uma falha catastrófica.

A quantidade de dados obtidos com esse teste é literalmente astronômica, mas algo passou ao largo de quase todo mundo cobrindo o lançamento: do ponto de vista de foguetes convencionais, que lançam sua carga e depois são descartados, A STARSHIP ESTÁ OPERACIONAL!

Se a SpaceX quiser, ela demite todo mundo de pesquisa e desenvolvimento AMANHÃ e já terá o foguete mais barato e eficiente do mundo funcionando. Agora é acertar as arestas, fazer o bicho pousar inteiro.

Segundo Musk eles irão lançar a Starship mais seis vezes em 2024, e evoluindo nesse ritmo, é possível que os dois últimos já sejam para algum cliente comercial. O próximo, não duvido que já decole levando satélites Starlink.

Estamos vendo o começo de uma nova era, é algo surreal você ver desenvolvimento tecnológico de ponta sendo construído em tendas e galpões, num terreno no Texas, ao invés de instalações secretas e fechadas.

Para quem cresceu acompanhando projetos da NASA com prazos de 10, 15 anos, e lançamentos esporádicos, dois Shuttles por ano, é surreal ver a SpaceX lançar 24 Falcon 9s em 2024, isso só até 11 de março. Sua maior concorrente, a ULA, lançou exatamente um foguete este ano.

Com a queda de preço causada pela Starship, a esperança é que surja um mercado imenso de pesquisa e exploração espacial, e pelo ritmo que a coisa está indo, em alguns anos estaremos nos primeiros capítulos de The Expanse. Quem vier, verá.

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