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Porta-Retrato Digital – O futuro que não deu certo

Um porta-retrato digital já foi sonho de consumo de muita gente, hoje não se falla mais nisso. Qual o motivo? Por quê essa tecnologia foi abandonada?

1 ano atrás

Um Porta-Retrato não é exatamente tecnologia espacial, e nunca foi um objeto muito mencionado em ficção científica, então é normal esperar que sua chegada ao mundo real não tenha chamado muita atenção. O que é estranho é que ele veio e foi embora.

Star Trek, mais uma vez, acertou. No futuro ninguém usa porta-retrato digital (Crédito: Paramount Pictures)

Uma das poucas cenas de porta-retrato digital que me lembro, é no ótimo The Last Starfighter, quando Grig mostra a Alex Rogan fotos seus milhares de filhos.

As gerações mais novas recordarão dos jornais de Harry Potter e as fotos de Hogwarts, que não só eram animadas, mas também sencientes, o que devia ser péssimo em termos de privacidade. Imagine o coitado do Harry esquecendo de virar a foto dos pais para parede, antes de soltar o feitiço Xvidius no meio da noite.

Tecnologicamente, o porta-retrato digital precisou da invenção do display de cristal líquido e miniaturização de microcontroladores, e no começo da década de 1990 começaram a aparecer os primeiros modelos.

Por volta de 2000 a popularidade do produto atingiu seu auge, as pessoas não tinham onde imprimir fotos de suas câmeras digitais, que também estavam bombando, e o porta-retrato digital parecia uma boa opção, a maioria vinha com leitores pros cartões usados pelas câmeras, facilitando o processo.

Diz a Wikipedia que a 3ª geração de porta-retratos digitais surgiu em 2016, com equipamentos baseados em tablets e com opções de conectividade. Uma visita a um Ali Express da vida mostra vários porta-retratos digitais à venda, mas fica a pergunta: você já viu algum AO VIVO?

Eu fiz uma pesquisa no Twitter, e tirando duas respostas, todos os outros leitores que tiveram porta-retratos digitais repetiam a mesma história: compraram, acharam legalzinho, em dois meses, foi para a gaveta.

Em 2007 eu escrevi uma matéria prevendo o fracasso dos porta-retratos digitais. Eu estava certo, como estou sempre certo. (eu acerto 100% das vezes, tirando as ocasiões em que estou errado)

Naquele texto apontei como culpada do fracasso do porta-retrato digital a complexidade. Os equipamentos além de mostrar imagens tinham vários efeitos de transição, alto-falantes, tocavam MP3, vídeos, tinham saída para monitor, uma complicação só.

Err... Ok (Crédito: Hustvedt / Wikimedia Commons)

Isso ajudou, mas eu estava errado. Nem mesmo o incômodo de ter um cabo de força impedindo que você coloque o porta-retrato em qualquer canto foi o fator determinante.

Para entender o motivo do porta-retrato digital não ter dado certo, temos que voltar ao passado, no tempo em que éramos pequenos mamíferos assustados. Era o período Cretáceo, os primeiros mamíferos viviam de comer plantas e caçar insetos, entocados durante o dia, saindo à noite para se alimentar.

Era um mundo selvagem, tudo queria nos comer, dinossauros de todos os tamanhos vagavam pela Terra. A Seleção Natural nos fez desenvolver olhos adaptados para o escuro, excelente audição e reflexos rápidos, quem fosse mais rápido que os dinossauros, sobrevivia e deixava descendentes.

Reconstrução de um Bonacynodon schultzi, um dos primeiros mamíferos, achado no Brasil (Crédito: Jorge Blanco, et al, Wikimedia Commons)

Com o tempo continuamos evoluindo, fomos deixando de ser presas, e nos tornamos predadores, graças à nossa inteligência. As presas que nossos parentes próximos, Chimpanzés e Bonobos ainda mantém, foram substituídas por dentes de uso geral, quando nossas ferramentas se tornaram tão eficientes que não era mais preciso quebrar os ossos de nossas presas atrás de nutrientes.

Nossos olhos, e nosso cérebro primitivo, entretanto, continuam lá atrás. Solte um humano sozinho em uma floresta à noite, ele se torna uma presa, despenca do topo da cadeia alimentar. Os instintos disparam e qualquer folha pisada, qualquer galho quebrado pelo vento nos coloca em alerta máximo.

Um dos efeitos desse nosso lado presa, é que nossos olhos são excelentes para detectar movimento. Não detalhes. Seu campo visual é de 120 graus, mas a retina só tem alta resolução em uma área bem mais restrita, ou seja: nós só realmente enxergamos em detalhes no centro da visão, em uma área de uns seis graus. O resto o seu cérebro está compensando e preenchendo as lacunas.

Campo visual humano, já considerando a movimentação dos olhos. (Crédito: Quora)

Quando você lê um texto, acha que enxerga a página toda, mas seu cérebro só consegue ler efetivamente uma largura de cinco palavras, antes que seus olhos se movam e mudem o ponto focal.

A maior parte do nosso campo de visão é visão periférica, que funciona em alta velocidade e é excelente para enxergar um tigre se esgueirando por entre as árvores.

Os mamíferos primitivos que tinham facilidade em perceber o movimento no canto do olho e pulavam fugindo, deixavam descendentes. Mais precisamente, você.

Agora imagine que não é um tigre, mas um porta-retrato, na sua mesa, ou na estante no fundo da sala. Não é uma televisão no mudo, ou uma janela para uma rua movimentada, objetos que estão em movimento constante e seu cérebro aprendeu a filtrar. É uma tela parada, que ocasionalmente pisca e muda para outra imagem.

São 100 milhões de anos de Evolução que te ensinaram a ficar alerta quando algo se move no seu campo de visão periféricos. Você VAI olhar, vai se distrair.

Só que isso vai acontecer regularmente dezenas de vezes por dia, em algum momento você vai ficar de saco cheio e jogar o porta-retrato digital na gaveta.

No final, descobrimos que menos é mais, uma simples foto em um porta-retrato normal resolve, quem quiser mais, coloca a pessoa estimada como fundo do celular. E aquele jornal do Harry Potter deve ser um inferno para ler.

Brrrr (Crédito: reprodução Internet)

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