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As 11 Maiores Fraudes na História da Ciência - Parte I

Fraudes fazem parte da Ciência, mesmo que seja difícil admitir. Neste artigo contamos alguns dos casos mais cabeludos

1 ano atrás

Fraudes não são a primeira coisa que pensamos quando o assunto é Ciência, até porque há uma visão até ingênua e idealizada que Ciência é a Busca Pelo Conhecimento, uma atividade objetiva, que vai além de egos, crenças e opiniões.

Nem todo cientista é honesto e honrado.. (Crédito: Marvel Movies/ Disney)

No papel, a Ciência é, como os bons fornos, autolimpante, corrige os próprios erros e desvios, e os cientistas não colocam seus egos na frente das descobertas. Na maioria dos casos é o que acontece. Pode ser a teoria mais elegante do mundo, se o experimento não a sustenta, ela é (ou deveria ser) abandonada.

Infelizmente, assim como Soylente, a Ciência também é feita de gente, gente que mente, trapaceia, fura olho dos colegas e é mais fiel às suas idéias do que às suas esposas. Isso gera casos de teimosia, o que é compreensível, sabotagem profissional, o que não é aceitável, mas é entendível, e fraudes descaradas.

A lista dessas fraudes é imensa, então para não passarmos o dia inteiro aqui, vamos ignorar as óbvias e as fraudes claramente com objetivos financeiros, como as famosas Sereias de Fiji, torsos de macacos costurados em traseiras de peixes, vendidos para shows de bizarrices.

Então, sem enrolar, vamos às Fraudes!

1 – O Homem de Piltdown

A Era Vitoriana foi um momento de grande progresso no Reino Unido; a Ciência e as máquinas criadas por ela podiam tudo, as ferrovias, pontes e canais de Isambard Kingdom Brunel eram símbolos desse futuro científico, e na virada do Século XX, o interesse científico não parou.

Arqueólogos e Antropólogos pesquisavam a Origem do Homem, espécimes eram descobertos em expedições em terras distantes, mas para surpresa de todo mundo um arqueólogo amador chamado Charles Dawson em 1912 anuncia ter descoberto fragmentos de um crânio fossilizado em um poço de cascalho em Piltdown, perto de Essex.

Levando os fragmentos pro Museu de História Natural, Dawson convenceu Arthur Smith Woodward, do Departamento de Geologia, a organizar visitas ao tal poço, atrás de novos fósseis. Curiosamente só Dawson achava novos espécimes, mas Woodward ficou curioso o bastante para colaborar com uma reconstrução do tal crânio.

Réplica dos fragmentos (partes mais escuras) do Homem de Piltdown (Crédito: Reprodução Internet)

O resultado foi um híbrido, os fragmentos indicavam um crânio com 2/3 da capacidade cerebral de um humano moderno, mas mandíbulas mais próximas de macacos. Isso contrariou um monte de teorias da época, apresentando grande desenvolvimento cerebral antes de abandonarmos a dieta vegetal dos símios.

Claro, nem todo mundo acreditou no tal Homem de Piltdown, vários cientistas apontaram semelhanças entre a mandíbula encontrada e uma mandíbula de chimpanzé, mas a idéia de um ancestral hominídeo, de um Elo Perdido ser encontrado ali no quintal da Europa era tentadora demais.

Ao invés de apontar para origens da Humanidade em locais distantes e bárbaros como o Oriente ou mesmo -o horror!- África, um ancestral local era bem mais atraente.

Pintura de John Cooke mostrando o crânio do Homem de Piltdown sendo examinado por cientistas. Charles Dawson é o terceiro da esquerda para a direita, fila de trás. (Crédito: Domínio público)

Com isso os detratores do Homem de Piltdown foram varridos para debaixo do tapete, apesar de já em 1913 David Waterston, cirurgião e professor de anatomia ter provado que a mandíbula do Homem de Piltdown veio de um macaco.

Dawson morreu em 1916, mas o Homem de Piltdown só foi formalmente declarado como fraude em 1953. Incrivelmente a reputação de Dawson ainda permanecia. Ele começou então a ser estudado, e em 2003 um relatório final demonstrou que pelo menos 38 espécimes de sua coleção de fósseis eram falsificações, todas usando os mesmos métodos de envelhecimento artificial do Homem de Piltdown.

Charles Dawson havia iludido cientistas deslumbrados por pelo menos 95 anos. O Homem de Piltdown atrasou em vários anos as pesquisas científicas sobre a Evolução do Homem.

 

2 - Os embriões de Haeckel

Em 1859 Darwin virou o mundo da Ciência de cabeça pra baixo com A Origem das Espécies, muitos cientistas proeminentes adotaram os conceitos de Seleção Natural e Evolução, e mesmo naqueles tempos primitivos, já havia ampla evidência a favor da Evolução.

Uma das evidências, descoberta pela embriologia comparada era que embriões de mamíferos eram bem semelhantes entre si, nas fases iniciais da gestação. Isso reforçava a tese de que as espécies estão interconectadas, ligadas por ancestrais comuns.

O próprio Darwin escreveu, n’A Origem das Espécies:

“Os embriões de animais distintos dentro da mesma classe são muitas vezes surpreendentemente semelhantes”

Um dos entusiastas desse conceito era o polímata Ernst Haeckel, grande divulgador do Darwinismo na Alemanha, descobriu e catalogou milhares de espécies, estudou anatomia comparada e foi fundamental pro avanço da Biologia, chegando a cunhar termos como “ecologia”. Diga obrigado, Greta.

Haeckel também era um exímio artista, suas ilustrações são magníficas, e tornavam seus trabalhos mais populares e ansiosamente esperados pela comunidade científica e pela turma que gostava de se gabar usando livros científicos como decoração.

Ilustrações de Haeckel (Crédito: Domínio Público)

 

Ele não se resumia a desenhar, claro. Haeckel pesquisava para ampliar as descobertas do Darwinismo, e acabou desenvolvendo uma hipótese própria, a chamada Teoria da Recapitulação.

O conceito era até simples: Haeckel seguia a idéia da época de que organismos evoluíam se tornando mais e mais complexos, o consenso era que havia uma árvore da vida, com o Homem no alto, afinal nós éramos o ápice da Criação, mesmo para os biólogos do Século XIX.

Na teoria de Haeckel, os animais repetiam em seu processo embrionário os passos da evolução, começando como microorganismos unicelulares, depois peixes, répteis, aves e finalmente mamíferos.

Isso explicaria o embrião humano ter uma cauda, que desaparece com o tempo. Haeckel também notou estruturas semelhantes a guelras, iguais às existentes em embriões de peixes.

O conceito fazia todo o sentido biológico dentro do Darwinismo, era simples de ser entendido e as magníficas ilustrações de Haeckel basicamente comprovavam essa recapitulação genética.

Eu conheci as ilustrações de Haeckel se tornaram figurinhas fáceis em livros de biologia, eu as conheci no final dos Anos 80, na edição nacional d’Os Dragões do Eden, de Carl Sagan. Provavelmente até hoje acha-se livro didático com as imagens.

Você provavelmente já viu essa imagem. Ela é falsa. (Crédito: Domínio Público)

Só há um problema: Não existe Biologia Recapitulativa, a Árvore da Vida tem milhares de ramos independentes, pássaros não são mais ou menos evoluídos que humanos ou peixes. Evolução significa adaptação ao meio ambiente. A menos que você seja o Aquaman, sobreviveria menos de 3 minutos no mar contra um Tubarão. Ou mesmo sozinho, se fosse debaixo d’água.

As estruturas nos embriões estavam na imaginação de Haeckel. Suas ilustrações eram fraudes.

Ele exagerou e omitiu partes que não colaboravam com sua teoria, inventou estruturas inexistentes, e quando cobrado, disse que era “licença artística”, o que não deveria existir em ilustrações científicas.

Mesmo no caso em que as estruturas existiam, como as “caudas”, não eram caudas, o que aparenta ser uma cauda no embrião humano é o túbulo neural que formará a coluna, ele termina no que será o cóccix, não em uma cauda.

Haeckel foi acusado de inventar estruturas, copiar em múltiplos livros a mesma ilustração básica de embriões e ignorar evidências científicas. Ele virou exemplo usado por criacionistas contra a Teoria da Evolução, mas suas contribuições foram tantas e tão grandes que suas fraudes foram varridas para debaixo do tapete.

3 - Os sapos de  Paul Kammerer

A história de Paul Kammerer envolve fraudes, mas é bem mais complexa e triste do que isso.

Kammerer era seguidor de Lamarck, um biólogo que propôs uma teoria alternativa à Evolução de Darwin. Segundo a Seleção Natural, organismos mais adaptados ao meio-ambiente sobreviveriam e deixariam descendentes. Essas adaptações são fruto de mutações aleatórias.

Já no Lamarckismo, as características dos descendentes dependem das experiências dos pais. Assim, se você criar ratos no escuro, os descendentes vão enxergar melhor no escuro. Um exemplo clássico de Lamarck é o das girafas, que vivendo áreas onde árvores têm folhas em partes mais altas, o ato de esticar o pescoço para alcançar essas folhas fez com que as futuras girafinhas nascessem pescoçudas.

Segundo Lamarck, as girafas esticam os pescoços e por isso geram filhotes pescoçudos. Já Darwin mata de fome as girafas mais atarracadas. (Crédito: Reprodução Internet)

O Lamarckismo foi bem popular por um tempo, apesar de basicamente todos os experimentos que o comprovariam terem resultado em fracasso ou no máximo resultados inconclusivos, inclusive um onde mais de 90 ratos tiveram suas caudas amputadas, em sucessivas gerações, tentando gerar ratos sem rabo. Não deu certo.

Kammerer, um biólogo nascido em Viena em 1880 fez repetidos experimentos com Sapos-Parteiros (Alytes obstetricans), uma espécie que se reproduz em terra-firme, e por reprodução eu digo o ato em si, o nheco-nheco.

Um Sapo-Parteiro. (Crédito: Christian Fischer / Wikimedia Commons)

Aumentando a temperatura do ambiente, as fêmeas foram forçadas a ficar mais tempo na água, o que dificultava o trabalho dos machos, que tinham que montar na perereca molhada, e sapos são por natureza escorregadios.

A Evolução, que não é boba nem nada, criou algo que batizamos de “almofadas nupciais”, uma parte das patas dianteiras dos sapos que se reproduzem na água se torna mais áspera e inchada, aumentando a “pegada”, evitando que a sapa escorregue no meio do processo. (sorry, não tenho um eufemismo pra isso)

Almofada nupcial em sapos (Crédito: Christian Fischer / Wikimedia Commons)

Kammerer relata que após alguns gerações sapos começaram a nascer com as tais almofadas, mas quase imediatamente seus resultados foram colocados em dúvida. Gladwyn Noble, do Museu de História Natural dos EUA examinou um dos sapos e descobriu tinta injetada na tal almofada nupcial.

Em sua defesa, Kammerer leu o artigo de Noble e confirmou a descoberta da tinta, mas acusou seu assistente de ser responsável pela fraude. Ninguém acreditou, a comunidade científica em peso ficou contra ele, e seis semanas depois da acusação ter se tornado pública, Paul Kammerer cometeu suicídio, em 1926.

Em 1971 um livro trouxe uma pesquisa onde descobriu-se que um simpatizante nazista na Universidade de Viena provavelmente havia mesmo sabotado o trabalho, para prejudicar Kammerer, que era um notório pacifista e socialista.

4 – O bizarro caso de Mohamed El Naschie

Mohamed El Naschie é um engenheiro egípcio, o que já foi algo bem significativo até o Tsoukalos ter mostrado que os alienígenas construíram as pirâmides. Nosso amigo, nascido em 1946, é determinado a recuperar a fama de antigamente.

Conquistando seu Doutorado em 1974, El Naschie publicou oito Papers até 1990, mas enfrentou dificuldades em achar onde publicar suas idéias, digamos assim, pouco ortodoxas. No final ele decidiu que se nenhum jornal científico vai publicá-lo, ele irá então abrir seu próprio jornal, com blackjack e prostitutas.

Mohamed El Naschie na China, "aprimorando" o trabalho de Einstein. (Crédito: www.el-naschie.net)

Fundada em 1993, a Chaos, Solitons & Fractals publicou pelo menos 322 artigos de El Naschie, cobrindo vários campos, principalmente em Física Teórica, fugindo da sua área de engenharia. O jornal em si não era muito bom em revisão por pares, a imensa maioria dos artigos de El Naschie eram publicados sem outros cientistas o lerem e avaliarem. Vantagens de ser editor-chefe do jornal.

A falta de revisão formal também permitia uma grande quantidade de citações circulares entre autores e Papers, e mesmo auto-citação, o que não é muito bem-visto, se o trabalho citado não tem muito peso.

Peso era o que faltava, a maioria dos Papers de El Naschie parecem saídos de um gerador de lero-lero. Um Professor classificou seu texto como “numerologia indisciplinada, com buzzwords caprichadas”.

Para piorar, a quantidade de artigos citando outros artigos da mesma revista fez com que a  Chaos, Solitons & Fractals ganhasse prestígio entre publicações científicas.

5 - Os Misteriosos Raios-N

Na virada do Século XIX para o XX os cientistas estavam entusiasmados com a cascata de descobertas no mundo da Física. Raios-X, radioatividade, o Elétron. Todo mundo queria descobrir um novo raio pra chamar de seu, incluindo Prosper-René Blondlot, um respeitado físico francês da Universidade de Nanci.

Um dia, fazendo experimentos com Raios-X, ele percebeu uma luminosidade anônima em seu detector fosforescente, a tal luminosidade não estaria vindo dos Raios-X, mas era uma nova e misteriosa forma de radiação emitida pelo objeto sendo observado.

Prosper-René Blondlot. Cara de cientista sério ele tinha. (Crédito: Domínio Público)

Repetindo o experimento com outrros objetos, Blondlot descobriu que um monte de substâncias emitiam a tal radiação, com exceções tipo madeira verde. Ele correu para descrever sua descoberta em um paper, e logo hordas de cientistas repetiam o experimento, acumulando 120 pesquisadores e 300 papers publicados.

Exceto que fora do círculo de seguidores de Blondlot, cientistas renomados como Lord Kelvin não estavam conseguindo replicar os experimentos, eles simplesmente não viam os tais Raios-N.

A Nature, que na época ainda era um respeitado jornal científico, convocou o físico alemão Heinrich Rubens para visitar o laboratório de Blondlot e testar a veracidade de suas alegações. Rubens era uma mistura de James Randy com Padre Quevedo, e isso não foi bom para os fãs dos Raios-N.

Sem que ninguém percebesse, ele removeu um prisma do experimento, sem o qual os tais Raios-N não teriam como ser refletidos até o detector. Ele também trocou um bloco de material emissor de Raios-N por um pedaço de madeira.

Blondlot e os outros cientistas afirmaram estar observando os Raios-N normalmente, o que levou Rubens a concluir que era tudo psicológico. Eles achavam que estavam enxergando, e num ciclo de retroalimentação positiva, todo mundo concordava.

Os misteriosos Raios-N? Não, uma bobagem que gerei via IA. (Crédito: Stable Diffusion)

Em um experimento uma centelha elétrica teria seu brilho aumentado pelos Raios-N. Rubens pediu para os cientistas avisarem quando o brilho mudasse, e sem eles verem, passou a mão na frente da "fonte" de Raios-N. Em nenhuma das tentativas eles acertaram.

O relato de Rubens foi publicado na Nature em 1904, todo mundo fora os amigos de Blondlot descartou os Raios-N como um engano, talvez benigno, Hipóteses de fraudes não foram levantadas, há até quem diga que Blondlot foi enganado por seu assistente, que também dizia ver os tais raios.

Mesmo assim os Raios-N foram parar nos dicionários, matérias de "divulgação científica", em 1946 o Webster ainda listava como fenômeno real. Blondlot morreu em 1930 acreditando nos Raios-N.

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