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A curiosa relação entre o celibato e a Seleção Natural

Pesquisa sugere que, quando imposto pelos pais, celibato provê vantagens evolutivas ao irmão mais velho, reduzindo a competição

1 ano e meio atrás

O celibato, a condição em que um indivíduo permanece solteiro e, por definição, não deixa descendentes, sempre pareceu uma prática que ia de encontro à Seleção Natural e à evolução das espécies, em que a variabilidade genética provê vantagens, ainda que as mudanças sejam aleatórias. Por mais que hajam fatores sociais e, principalmente, religiosos, para justificar a prática, ela entra em conflito o ímpeto de procriar e gerar prole.

No entanto, um estudo publicado em junho e conduzido na China ocidental em comunidades rurais, constatou haver, sim, vantagens evolutivas providas pelo celibato, não para os religiosos, mas para o irmão mais velho, indo do acúmulo de riqueza à disputa por esposas.

No Tibete, famílias com um filho monge encerram disputa por posses entre irmãos; o herdeiro é mais rico e têm mais chances na competição por esposas (Crédito: sasint/Pixabay)

No Tibete, famílias com um filho monge encerram disputa por posses entre irmãos; o herdeiro é mais rico e têm mais chances na competição por esposas (Crédito: sasint/Pixabay)

O artigo (cuidado, PDF), publicado na Proceedings of the Royal Society B, foi conduzido graças a uma colaboração entre pesquisadores da UCL (University College London) e das Univerisades de Toulouse, França, e Lanzhou, China. O estudo tomou depoimentos de 530 moradores em 21 vilas, assentadas na província de Gansu, que possui ligações com o antigo Império Tibetano, que se estendeu por vastas regiões do que hoje é a parte interior da China, durante o século IX.

Esta é uma região historicamente importante para o budismo tibetano, especialmente a região de Amdo, de onde vieram vários de seus líderes religiosos, incluindo o 14.º e atual Dalai Lama. Aqui, as famílias vivem essencialmente da mesma forma há séculos, da criação de iaques e cabras, em uma organização familiar patriarcal. Tradicionalmente, o filho primogênito herda as posses do pai, mas isso não impede disputas entre irmãos.

Os motivos são os mesmos de sempre, é um enredo tão batido quanto os das novelas das seis: os irmãos homens mais novos tendem a questionar a decisão do pai em passar suas posses para o mais velho, no que ele entende também ter direitos, e isso causa vários transtornos. Assim, as famílias geralmente mandam o mais jovem, ainda criança, para um mosteiro budista. Como mandam as regras, um monge não pode ter posses, logo, problema resolvido.

Este não é um predicamento exclusivo do budismo. Sempre foi comum em diversos lugares do mundo, mesmo no Brasil, famílias imporem ao filho homem mais novo o caminho da vida religiosa, para que o mais velho ficasse com o "fardo" de administrar as posses do patriarca, após a sucessão.

O que o estudo recente revela, então? Na verdade, ele demonstra que a prática de despachar o filho mais novo para se tornar um monge, ao menos em comunidades estritamente agrícolas e patriarcais, provê algumas vantagens evolutivas para todos que não o monge, claro.

Ter um irmão monge se reflete em mais posses, menos competição por esposas, e um estímulo para ter mais filhos e dar continuidade à família (Crédito: sasint/Pixabay)

Ter um irmão monge se reflete em mais posses, menos competição por esposas, e um estímulo para ter mais filhos e dar continuidade à família (Crédito: sasint/Pixabay)

Celibato diminui competição

No artigo, os pesquisadores descrevem terem notado que pais de família que possuíam irmãos monges tendiam a possuir mais iaques, quando comparados a pares em que a prática não foi imposta; suas esposas também costumavam ter mais filhos, e geralmente mais cedo, e avós com um filho monge também possuíam mais netos.

Longe de ser apenas um sistema para evitar dores de cabeça, o ato de mandar o filho mais novo para um mosteiro se refletia em acúmulo de riqueza nas mãos do filho mais velho, que ficava livre da competição intra-familiar; simultaneamente, a competição pelas mulheres da vila se torna menos acirrada, por haverem menos homens, e os mais ricos saem na frente.

O que isso tem a ver com a Seleção Natural? Tudo. A maioria dos pesquisadores olhava para o óbvio ponto de vista do religioso, em que a decisão, imposta pela família ou tomada por ele próprio, não lhe traz vantagem alguma. Por outro lado, o irmão mais velho, agora o herdeiro e responsável pela continuidade da família, é estimulado a ter mais filhos, e o mais cedo possível.

Claro, ter um irmão monge não traz nenhuma vantagem às irmãs mulheres, algo também constatado pelo estudo. Ao mesmo tempo, o ato só fornece vantagens ao irmão mais velho, se a decisão de impor o celibato ao mais novo for tomada por seus pais, e não por ele próprio, de novo, para prover vantagens ao irmão que fica, e resolver disputas internas.

Exatamente por isso, os pais tendem a mandar seus filhos para mosteiros ainda muito jovens, de modo a evitar que se criem situações que possam prejudicar o futuro da família, e casos em que o jovem abandona a vida monástica são tratados como uma desonra e tanto.

Além disso, o estudo sugere por que em algumas regiões rurais da China, o celibato feminino é uma prática muito mais rara em comparação ao ocidente, onde elas têm direitos sobre herança e competem muito mais entre si.

Referências bibliográficas

MICHELETTI, A. J. C., GE, E., ZHOU, L., et al. Religious celibacy brings inclusive fitness benefits. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, Volume 289, Edição 1.977, 9 páginas, 22 de junho de 2022. Disponível aqui.

Fonte: The Conversation

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