Carlos Cardoso 2 anos atrás
663 anos antes do Dia D, o mundo veria uma invasão semelhante. Era o ano de 1281 e o Japão não pensava em nada além da inevitável derrota nas mãos do Império Mongol de Kublai Khan.
Os mongóis tentavam pela segunda vez invadir o Japão, desta vez com todas as forças que conseguiram arregimentar. Relatos falam de 4400 navios e 140 mil homens, um número que só seria superado no Dia D, 6 de junho de 1944.
Em um daqueles eventos aleatórios que mudam a História, a frota mongol foi apanhada por um tufão, que dizimou completamente os invasores. Dizem que somente algumas centenas de navios sobreviveram, e mais da metade dos homens morreram afogados. Os que chegaram a terra foram despachados pelos samurais.
No imaginário popular o Japão foi salvo por intervenção divina. Raijin, o equivalente a Thor no Xintoísmo mandou a tempestade e exterminou o inimigo com seu vento divino. Em japonês, KamiKaze (神風).
Nas vésperas do Dia D, o General Einsehower não estava interessado em repetir o destino dos mongóis, uma lição há muito aprendida, por todo mundo envolvido em guerra. O clima era um fator essencial, e deveria ser levado em conta em todo e qualquer planejamento.
Um fato interessante é que a velha história de que Hitler foi burro por invadir a Rússia no inverno é uma bobagem. Hitler não foi burro, foi otimista e teimoso, ele invadiu a Rússia 22 de junho, em pleno verão. Os russos é que não colaboraram e a operação foi se esticando, e quando viram não tinha mais ferrovia ou estrada pra mandar casaquinhos pros chucrutes.
A meteorologia era fundamental para todos os envolvidos, e verdadeiros feitos de magia tecnológica foram criados para obter essas informações. Os nazistas construíram e instalaram estações meteorológicas autônomas, com instrumentos para medir temperatura, pressão atmosférica, umidade, velocidade e direção do vento e outros parâmetros.
Os dados eram coletados e transmitidos automaticamente. Isso em uma época completamente analógica, e em que a tecnologia mais avançada era uma válvula.
Mesmo assim as estações funcionavam de forma totalmente autônoma, com baterias para seis meses. Uma delas, a Estação Kurt, foi instalada por um submarino nazista na península de Labrador, no Canadá, e só foi descoberta em 1977. Os caras tiveram o requinte de espalhar maços de cigarros americanos pelo local, e escrever “Canadian Meteor Agency” em um dos cilindros da estação, para caso alguém a descobrisse, achasse que era uma estação aliada.
Os aliados tinham seus próprios meios de obter dados, incluindo uma rede altamente capilarizada de postos de observação espalhados por todos os territórios a que tinham acesso.
Esses dados, fundamentais para todas as operações e principalmente para o Dia D, eram concentrados e tabulados pelo grupo de meteorologistas comandados pelo Coronel da RAF James Stagg, e ele viu que o tempo estava para piorar bastante nos próximos dias.
Com a invasão do Dia D planejada para a madrugada de 4 para 5 de junho, se ela fosse adiada mais que alguns dias, os Aliados perderiam a Lua Cheia, as marés ficariam desfavoráveis, o clima seria tempestuoso e nem queira saber o que o horóscopo indicava.
Nada poderia parar a maior operação anfíbia da História da Humanidade, cada minuto adiado Hitler poderia descobrir os planos aliados. Somente um motivo de força maior adiaria o Dia D.
O motivo de força maior estava celebrando 21 anos, naquele dia 3 de junho de 1944, ele, ou melhor, ela se chamava Maureen Flavin Sweeney e era filha do faroleiro do farol Blacksod, no condado de Mayo, na Irlanda.
Como parte do esforço de guerra, eles foram incumbidos de registrar dados barométricos em intervalos de uma hora, e de tempos em tempos enviá-los via telégrafo para Londres. Era isso que Maureen fazia, meticulosamente anotando os dados.
As medições enviadas no dia anterior foram tabuladas, e 1AM do dia 3, James Stagg mandou seu staff confirmar os dados. Assim que amanheceu, o telefone tocou e Maureen atendeu uma moça com sotaque inglês pedindo para ela conferir os dados, e repeti-los, por telefone mesmo.
Confirmados os dados, Stagg viu que uma tempestade se aproximava, e iria kamikazear a frota invasora, o que não é bom quando você é a força invasora. Ele convenceu Eisenhower, que ignorou os dois grupos de meteorologia americanos que insistiam que estava tudo bem pro dia 4.
Stagg afirmou que seus dados previam uma aliviada na tempestade no dia 6, e Eisenhower adiou o Dia D por 24 horas. No dia 4 uma tempestade assolou o Canal da Mancha, e seria virtualmente impossível desembarcar.
Por anos Maureen Flavin Sweeney não teve idéia da importância de suas leituras, mas com o tempo o reconhecimento começou a acontecer. Em 2021, aos 98 anos ela recebeu uma homenagem especial do Congresso dos Estados Unidos, por seu serviço na Guerra.
A lição foi mais que aprendida. Os Estados Unidos investem bilhões em meteorologia, as forças armadas da maioria dos países possuem serviços meteorológicos próprios, e conhecimento do clima e previsão do tempo é fundamental para toda e qualquer operação militar. Ignorar a meteorologia ao iniciar uma operação militar, só se o sujeito for muito mongol.