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Maureen Flavin, a jovem que adiou o Dia D

O Dia D, 6 de Junho de 1944 quase foi um desastre, se acontecesse na data original, dois dias antes, Hitler teria vencido

2 anos atrás

663 anos antes do Dia D, o mundo veria uma invasão semelhante. Era o ano de 1281 e o Japão não pensava em nada além da inevitável derrota nas mãos do Império Mongol de Kublai Khan.

Invasão mongol impedida por intervenção divina (Crédito: Issho Yada, circa Sec XIX)

Os mongóis tentavam pela segunda vez invadir o Japão, desta vez com todas as forças que conseguiram arregimentar. Relatos falam de 4400 navios e 140 mil homens, um número que só seria superado no Dia D, 6 de junho de 1944.

Em um daqueles eventos aleatórios que mudam a História, a frota mongol foi apanhada por um tufão, que dizimou completamente os invasores. Dizem que somente algumas centenas de navios sobreviveram, e mais da metade dos homens morreram afogados. Os que chegaram a terra foram despachados pelos samurais.

No imaginário popular o Japão foi salvo por intervenção divina. Raijin, o equivalente a Thor no Xintoísmo mandou a tempestade e exterminou o inimigo com seu vento divino. Em japonês, KamiKaze (神風).

Raijin, o Deus do Trovão. Escultor anônimo, circa Sec XIII (Crédito: Wikimedia Commons)

Nas vésperas do Dia D, o General Einsehower não estava interessado em repetir o destino dos mongóis, uma lição há muito aprendida, por todo mundo envolvido em guerra. O clima era um fator essencial, e deveria ser levado em conta em todo e qualquer planejamento.

Um fato interessante é que a velha história de que Hitler foi burro por invadir a Rússia no inverno é uma bobagem. Hitler não foi burro, foi otimista e teimoso, ele invadiu a Rússia 22 de junho, em pleno verão. Os russos é que não colaboraram e a operação foi se esticando, e quando viram não tinha mais ferrovia ou estrada pra mandar casaquinhos pros chucrutes.

A meteorologia era fundamental para todos os envolvidos, e verdadeiros feitos de magia tecnológica foram criados para obter essas informações. Os nazistas construíram e instalaram estações meteorológicas autônomas, com instrumentos para medir temperatura, pressão atmosférica, umidade, velocidade e direção do vento e outros parâmetros.

Estação Meteorológica Automática Kurt (Crédito: Bundesarchiv)

Os dados eram coletados e transmitidos automaticamente. Isso em uma época completamente analógica, e em que a tecnologia mais avançada era uma válvula.

Mesmo assim as estações funcionavam de forma totalmente autônoma, com baterias para seis meses. Uma delas, a Estação Kurt, foi instalada por um submarino nazista na península de Labrador, no Canadá, e só foi descoberta em 1977. Os caras tiveram o requinte de espalhar maços de cigarros americanos pelo local, e escrever “Canadian Meteor Agency” em um dos cilindros da estação, para caso alguém a descobrisse, achasse que era uma estação aliada.

Os aliados tinham seus próprios meios de obter dados, incluindo uma rede altamente capilarizada de postos de observação espalhados por todos os territórios a que tinham acesso.

Esses dados, fundamentais para todas as operações e principalmente para o Dia D, eram concentrados e tabulados pelo grupo de meteorologistas comandados pelo Coronel da RAF James Stagg, e ele viu que o tempo estava para piorar bastante nos próximos dias.

Carta meteorológica para 4 de junho de 1944. (Crédito: Serviço de Meteorologia do Reino Unido)

Com a invasão do Dia D planejada para a madrugada de 4 para 5 de junho, se ela fosse adiada mais que alguns dias, os Aliados perderiam a Lua Cheia, as marés ficariam desfavoráveis, o clima seria tempestuoso e nem queira saber o que o horóscopo indicava.

Nada poderia parar a maior operação anfíbia da História da Humanidade, cada minuto adiado Hitler poderia descobrir os planos aliados. Somente um motivo de força maior adiaria o Dia D.

O motivo de força maior estava celebrando 21 anos, naquele dia 3 de junho de 1944, ele, ou melhor, ela se chamava Maureen Flavin Sweeney e era filha do faroleiro do farol Blacksod, no condado de Mayo, na Irlanda.

Maureen Flavin Sweeney e o Farol de Blacksod (Crédito: Editoria de arte)

Como parte do esforço de guerra, eles foram incumbidos de registrar dados barométricos em intervalos de uma hora, e de tempos em tempos enviá-los via telégrafo para Londres. Era isso que Maureen fazia, meticulosamente anotando os dados.

As medições enviadas no dia anterior foram tabuladas, e 1AM do dia 3, James Stagg mandou seu staff confirmar os dados. Assim que amanheceu, o telefone tocou e Maureen atendeu uma moça com sotaque inglês pedindo para ela conferir os dados, e repeti-los, por telefone mesmo.

Confirmados os dados, Stagg viu que uma tempestade se aproximava, e iria kamikazear a frota invasora, o que não é bom quando você é a força invasora. Ele convenceu Eisenhower, que ignorou os dois grupos de meteorologia americanos que insistiam que estava tudo bem pro dia 4.

É impossível capturar em uma imagem a escala da Operação Neptune, a fase naval do Dia D (Crédito: Marinha Real)

Stagg afirmou que seus dados previam uma aliviada na tempestade no dia 6, e Eisenhower adiou o Dia D por 24 horas. No dia 4 uma tempestade assolou o Canal da Mancha, e seria virtualmente impossível desembarcar.

Por anos Maureen Flavin Sweeney não teve idéia da importância de suas leituras, mas com o tempo o reconhecimento começou a acontecer. Em 2021, aos 98 anos ela recebeu uma homenagem especial do Congresso dos Estados Unidos, por seu serviço na Guerra.

Maureen, devidamente homenageada. (Crédito: Reprodução Internet)

A lição foi mais que aprendida. Os Estados Unidos investem bilhões em meteorologia, as forças armadas da maioria dos países possuem serviços meteorológicos próprios, e conhecimento do clima e previsão do tempo é fundamental para toda e qualquer operação militar. Ignorar a meteorologia ao iniciar uma operação militar, só se o sujeito for muito mongol.

 

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