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Van Mai e o início da representação feminina nos games

Após passar 40 anos longe dos holofotes, historiadores encontram Van Mai, programadora que pode ter criado a primeira personagem mulher dos games

2 anos atrás

Eu faço parte de uma geração que cresceu jogando Atari 2600 e durante vários anos a minha diversão com tal aparelho se limitou a uma TV preto e branco — ainda lembro do dia em que meu pai chegou em casa com uma televisão colorida da Philco-Hitachi com acabamento que imitava madeira e em como aquele videogame podia me oferecer “milhões” de cores. Mesmo tantos anos depois, ainda me encanto com histórias fantásticas dessa indústria e uma delas foi protagonizada por uma desenvolvedora chamada Van Mai.

Wabbit - Van Mai

Crédito: Reprodução/FavDev

Nascida no Vietnã e tendo se mudado para os Estados Unidos logo após a guerra ter acabado e quando ainda era uma adolescente, a garota então conhecida como Van Tran foi parar na cidade de Dallas. Após deixar a escola por causa da língua, ela decidiu se inscrever num curso para aprender a usar o computador e mesmo sem ter aproveitado muito as aulas, Van percebeu que gostava daquelas máquinas.

O tempo passou, a garota foi contratada pela comarca da cidade em que morava para trabalhar como programadora e embora sua tarefa por lá fosse simples, ela aproveitava os cursos de computação a que tinha acesso e gostou de lidar com a parte visual, aprendendo a criar gráficos e animações. Porém, como o programa de aprendizado seria encerrado, Van começou a procurar outro emprego, até que se deparou com um anúncio feito por uma empresa chamada Games By Apollo, que buscava alguém para criar jogos para o Atari.

Fundada em 1981 por Pat Roper, aquela desenvolvedora seria a tentativa de salvar a National Career Consultants (NCC), uma companhia que criava filmes educacionais e que se encontrava em dificuldades financeiras. Após tirar a sorte grande ao contratar Ed Salvo e lançar um jogo chamado Skeet Shoot, o estúdio agora conhecido apenas como Apollo entrava em 1982 com força total.

Foi nessa época em que a garota faria sua entrevista de emprego, com Salvo tendo ficado impressionado com um conceito de jogo que ela tinha em mente. O conceito falava sobre um título no estilo do Night Trap, que só surgiria vários anos depois e que, de acordo com um dos seus colegas de trabalho, Dan Oliver, “seria muito intenso para o Atari 2600.” Foi o suficiente para ela ser contratada.

Wabbit, o primeiro e único jogo de Van Mai (Crédito: Reprodução/Servo/MobyGames)

Segundo Oliver, a Apollo recebia muitas cartas de pessoas sugerindo ideias para jogos e para a surpresa de todos, duas delas eram bem parecidas: colocar o jogador no papel de um fazendeiro que deveria proteger sua plantação do ataque de coelhos. Ao saber que a empresa iria criar algo assim, Van Mai sugeriu que no lugar de um homem o jogo trouxesse uma mulher e com o aval da diretoria, ela batizou a personagem como Billie Sue.

Mesmo sem saber disso na época, a programadora estava fazendo história, já que para muitos, o jogo chamado Wabbit passaria a ser conhecido o primeiro a ter uma mulher como protagonista.

A dificuldade em rastrear a história

Pois é a partir daí que a falta de documentação começa a tornar o caso mais fascinante. O problema é que quanto mais cavamos o passado dos videogames, mais difícil se torna termos certeza do que realmente aconteceu numa época em que não tínhamos uma internet como apoio. Até saber se Van Mai merece o título de precursora é uma tarefa complicada.

Para muitos, o primeiro jogo a trazer uma personagem feminina seria o Ms. Pac-Man, mas como ela não é humana e nem possui um nome próprio, existe a dúvida se a indicação é justa. Passamos então para um jogo chamado Score, que foi criado pela Exidy e lançado para fliperamas.

Para a historiadora Kate Willaert, teria sido nele que a primeira personagem humana apareceu, porém, não existe mais nenhuma cópia daquele título, muito menos uma imagem da tela. Mesmo o material promocional criado para ele não mostra como o jogo parecia, com a descrição afirmando apenas que ele tratava sobre uma “batalha dos sexos”. Sendo assim, como considerar algo baseado apenas em relatos?

Está aí um console do qual não sinto saudade (Crédito: Reprodução/digitalskennedy/Pixabay)

Mas independentemente da posição histórica em que Billie Sue se encontra em relação a outras personagens femininas, algumas pessoas queriam conhecer um pouco mais sobre quem a criou e foi assim que Kevin Bunch iniciou uma pesquisa. Após descobrir que a criadora do Wabbit se chamava “Ban Tran” e sem encontrar informações sobre ela, o sujeito recorreu a dois artefatos muito usados no passado: lista telefônica e cartas.

Após descobrir que no Texas havia mais de uma centena de mulheres com esse nome, Bunch eliminou aquelas que não estavam na faixa etária desejada e começou a enviar cartas para as possíveis candidatas. Infelizmente a investida não deu resultado e mesmo com a publicação de um ótimo artigo no site Polygon contando aquela história, o historiador continuava na estaca zero.

A sorte só começaria a mudar após a entrada da Video Game History Foundation no caso. Ao tomar conhecimento da publicação, os responsáveis pela fundação criaram um canal exclusivo no Discord para as pessoas trocarem informações sobre Ban Tran. Foi então que um usuário conhecido como SoH teve uma brilhante ideia: pesquisar o arquivo nacional do Texas em busca de pessoas que foram receber cheques pela falência de empresas e como foi esse o destino da Apollo, o nome da game designer estava lá.

Coube então a Kevin Bunch e Kate Willaert a tarefa de continuar a investigação, o que os levou a descobrir que a mulher havia mudado seu nome para Van Mai após se casar. Felizmente ela aceitou conceder uma entrevista e contar um pouco sobre como foi desenvolver o Wabbit, um projeto que se estendeu por entre quatro e seis meses.

“Fiquei muito orgulhosa de mim mesma,” afirmou a programadora. “Com as limitações (do VCS, ou Atari 2600), de RAM e tudo mais, e o espaço (no cartucho), pude colocar um jogo como aquele em 4 kilobytes.”

“Aquilo me ensinou a escrever códigos compactos, a escrever bons códigos,” acrescentou Van Mai. “mais tarde, quando fui para a universidade, eles não se preocupavam mais sobre RAM ou espaço no computador, eles tinham bastante. Penso ser uma boa programadora por causa daquilo, por causa do início, não havia muito espaço para escrever a sua lógica e você tinha que escrever uma boa lógica devido ao espaço.”

Infelizmente, mesmo com todo o aprendizado que aquele título lhe deu, a carreira de Mai na indústria de games não durou. Com a empresa em que criou o Wabbit tendo fechado as portas, ela foi trabalhar em um estúdio formado por ex-funcionários da Apollo, a MicroGraphic Image, onde foi incumbida de criar para o Atari 5200 uma adaptação de um jogo para fliperamas chamado Solar Fox.

Porém, mesmo com uma apresentação do título tendo agradado quem visitou a Summer Consumer Electronics Show de 1983, ele nunca chegou a ser lançado e Van Mai mudou-se para a Califórnia, onde se formou em Ciência da Computação. Após ter trabalhado com telecomunicações, hoje ela atua na área de bancos.

“Foi maravilhoso,” disse Mai em relação a seu curto tempo como game designer. “Criar jogos é o máximo — não sei, não pude encontrar um emprego como aquele. Você precisa apenas ir lá e jogar por um tempo para ter ideias e então se sentar com seus colegas de trabalho, apenas dando opiniões uns aos outros. Era divertido.”

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