Ronaldo Gogoni 48 semanas atrás
A longa novela da compra do Twitter por Elon Musk está bem longe de acabar — na verdade, ela está apenas começando. Além de não ser um processo imediato, pois depende da aprovação dos principais acionistas da rede social e passar por escrutínio das agências reguladoras, declarações públicas do também CEO da Tesla e SpaceX, no que ele defende a "liberdade de expressão absoluta" na plataforma, não estão agradando.
Apenas um dia após o acordo entre Musk e o conselho do Twitter ser anunciado, Thierry Breton, comissário para o Mercado de Internet da União Europeia, lembrou o executivo de que "há regras a serem seguidas" para que a rede social opere na Europa, que incluem a recém-aprovada Lei de Serviços Digitais, e que a palavra final do que pode e o que não pode ser publicado pelos usuários, e mantido no ar pela plataforma, não será dele.
Declarações de Musk sobre defesa irrestrita da liberdade de expressão no Twitter desagradaram reguladores da União Europeia (Crédito: Britta Pedersen-Pool/Getty Images/Ronaldo Gogoni/Meio Bit)
Desde que começou sua empreitada para comprar o Twitter e transformar a rede social em uma empresa privada, Musk tem declarado que "a liberdade de expressão é fundamental" para a manutenção da democracia, no que ele entende ser um direito irrestrito de todos de falar e publicar o que der na telha, e mais importante, não ser punido por isso.
Essa linha de pensamento, de que certas ações não devem gerar consequências, é defendida por críticos à atual administração e à equipe de moderação do Twitter, boa parte deles alinhados à direita do espectro político, o que incluem o ex-presidente dos EUA Donald Trump e o presidente do Brasil Jair Bolsonaro, bem como seus seguidores e correligionários.
Tal defesa da liberdade absoluta de expressão, por exemplo, levou a especulações de que o perfil de Trump no Twitter possa ser restaurado, mesmo com o próprio dizendo que não pretende voltar à plataforma, preferindo permanecer no TRUTH, desenvolvido por sua equipe com código-fonte chupado do Mastodon. Mas divago.
Musk vinha criticando a moderação do Twitter há bastante tempo, bem antes de se movimentar para comprar a empresa. Especialistas acreditam que o executivo irá usar o peso de seu cargo sobre a equipe que filtra o conteúdo na plataforma, e restringe postagens e usuários classificados como propagadores de Fake News e discurso de ódio, a fim de diminuir sua atuação e tornar o policiamento interno da rede social mais brando.
Jeff Bezos, fundador da Amazon e CEO da Blue Origin, empresa rival da SpaceX de Elon Musk, questionou se a aquisição do Twitter daria mais influência sobre a rede à China, onde ela é banida, com Pequim usando a Tesla, que tem no País do Meio um de seus maiores mercados, como moeda de troca. Claro que o careca também não é nenhum santo, vide o direcionamento editorial do jornal The Whashing Post, comprado por Bezos em 2013.
Claro que com o Twitter se tornando uma empresa privada, Musk deverá privilegiar ações para fazer com que a rede social dê lucro, e adequar à plataforma para entrar oficialmente na China, abraçando um mercado potencial de mais de um bilhão de usuários, é deveras tentador. O mesmo pode ser dito de ações prometidas no combate a bots (autônomos ou não), de modo a reduzir o ruído e privilegiar a geração real de conteúdo, que poderá ser mensurado e os metadados negociados por valores maiores.
As especulações sobre uma possível incursão do Twitter na China lembram que toda rede social deve e será regulada por órgãos governamentais, sendo estes quem decidem o que pode e não pode ser publicado. E isso vale também no sentido contrário, indo de encontro aos desejos de Elon Musk para a rede social.
A União Europeia foi a primeira a mandar o recado, deixando claro que as coisas não serão da maneira que o executivo quer.
O comissário Thierry Breton, autoridade responsável por regular os mercados digitais da União Europeia, foi enfático:
"Nós damos boas-vindas a todos. Nós estamos abertos, mas nos nossos termos. O que podemos dizer é o seguinte: 'Elon, nós temos regras. Você é bem-vindo, mas estas são as nossas diretrizes, e as suas não serão aplicadas aqui.'"
E não parou por aí:
"Qualquer um que deseja se benefiar de nosso mercado terá que se submeter às nossas regras. O conselho (do Twitter) terá que garantir meios de cumprir com as obrigações de modo a operar na Europa, o que incluem moderação (de conteúdo), abertura de algoritmos, liberdade de expressão, regras transparentes, e meios para obedecer às nossas próprias diretrizes sobre discurso de ódio, pornografia de vingança e assédio."
A declaração do comissário faz referência principalmente à Lei de Serviços Digitais (Digital Services Act, ou DSA), um pacote de regulações recém-aprovado pelo Parlamento, que discorre sobre a operação de produtos e serviços digitais no continente europeu, complementar à Lei de Mercados Digitais (Digital Markets Act, ou DMA), esta com regras para a competição e conduta das gigantes tech como um todo.
A DSA exige que plataformas digitais abram seus algoritmos de recomendação para usuários e pesquisadores, algo que Musk de fato prometeu fazer no futuro, mas também determina que as companhias são obrigadas a implementar recursos e ferramentas não só mais eficientes no combate às Fake News, como muito mais rápidas, uma consequência direta à enxurrada de postagens falsas publicadas no decorrer da invasão da Rússia à Ucrânia. Não obstante, os serviços serão responsabilizados por tudo que os usuários publicarem, no que ambos podem, e serão, punidos.
Embora o foco da DSA seja voltado para companhias com mais de 45 milhões de usuários europeus, que terão mais responsabilidades e sofrerão maiores escrutínios do que as menores, o que torna o Meta e o Google os alvos principais da UE, o Twitter também estará sujeito às novas leis, por se tratar de um serviço digital.
Resumindo, Elon Musk será obrigado a se submeter às diretrizes implementadas pela Comissão Europeia, sob pena de enfrentar multas de até 6% do faturamento anual do Twitter, ou em última análise, o completo banimento da rede social em todo o território da União Europeia.
Vale lembrar que companhias tendem a implementar regras em escala global por ser mais fácil fazer dessa forma, tal como foi com o GDPR. Assim, as regras de operação do Twitter a serem seguidas na Europa podem valer para todo mundo, contrariando o desejo de Musk de oferecer liberdade irrestrita. É isso ou perder um continente inteiro de usuários e inúmeras oportunidades de negócio.
No fim, o novo dono do Twitter deverá decidir do que ele gosta mais: se de liberdade, ou de dinheiro.
Fonte: Ars Technica