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A luta dos desenvolvedores de games em uma Ucrânia em guerra

De pessoas que estão se voluntariando àqueles que apenas estão tentando sobreviver, game designers contam como é viver na Ucrânia

2 anos atrás

Ao contrário do que muitas pessoas poderiam imaginar, a investida da Rússia na Ucrânia vem se arrastando por vários dias e boa parte da dificuldade enfrentada pelo exército vermelho tem nome: voluntários. Pessoas comuns, normalmente sem treinamento militar e que nem sempre são ucranianos, mas que estão dispostas a perder a própria vida para lutar pelo país ou pelos seus seus ideais.

Beyond a Steel Sky, jogo codesenvolvido pela Pingle Studio (Crédito: Divulgação/Revolution Software Ltd

Lentamente as histórias desses voluntários começam a se espalhar e entre elas estão a de alguns game designers que estão vendo seu país ruir perante as bombas inimigas. De acordo com Tymur Solod, gerente de marketing do Pingle Studio, no momento o foco deles é garantir que todos os funcionários estejam a salvo, com vários tendo saído de Kharkiv e ido em direção a Lviv, mas alguns preferiram atuar diretamente no front. Segundo ele, “a companhia continuará pagando salários para todos, especialmente àqueles que se juntaram ao exército.

Outro que revelou ter visto pelo menos um companheiro de trabalho se voluntariar foi Yaroslav Singaevskiy, game designer chefe na desenvolvedora Red Beat. Em entrevista concedida ao site Polygon, ele disse:

Um dos nossos desenvolvedores está na DT (Defesa Territorial) em Chernihiv. Basicamente, essa é uma força paramilitar que atua como um backup para as forças armadas principais. Ainda assim, as unidades da DT muitas vezes também entram em combate — e eles são bastante efetivos nisso graças à alta mobilidade e conhecimento geral da área [...] Esperamos e rezamos para eles estarem bem, assim como os cidadãos de Chernihiv.

Mas enquanto alguns estão pegando em armas para enfrentar a invasão russa, há aqueles que até já cogitaram lutar, mas que no momento estão simplesmente tentando resistir a ter que deixar suas casas, como é o caso de Alex Molodkin e Anastasia Kuznetsova. O casal formam um pequeno estúdio indie chamado Weasel Token e se até outro dia eles estavam preocupados apenas em concluir o desenvolvimento do Puzzles For Clef, hoje se escondem em um apartamento em Kiev enquanto cuidam da mãe e da avó de Alex.

Passando grande parte do tempo em um corredor para ficarem longe das janelas, aquelas pessoas estão revezando o sono para que alguém sempre esteja atento às sirenes que indicam um iminente ataque aéreo. No meio tempo, Molodkin tenta dar continuidade ao seu projeto usando a rede de celular local que não tem funcionado muito bem.

Ainda é muito difícil se concentrar em algo por mais de meia hora. Ninguém realmente prepara você para uma guerra no século XXI, então é muito difícil simplesmente nos acostumar com isso em alguns dias e tocar seu negócio regularmente. A sua mente simplesmente volta constantemente ao tópico da loucura que está acontecendo em sua volta e não há escapatória para isso.

Puzzles For Clef - Jogo feito na Ucrânia

Puzzles For Clef e sua atmosfera bem diferente de uma guerra (Crédito: Divulgação/ Weasel Token)

Com a tensão entre Ucrânia e Rússia se estendendo desde 2014, muitos profissionais buscaram no trabalho uma forma de distração, já que para eles, as opções seriam “sentar em uma mesa ou dirigir até a fronteira e lutar.” Porém, geralmente o que boa parte dos estúdios ou pessoas ligadas ao desenvolvimento de jogos estão fazendo é tentar se manterem seguros, o que em muitos casos significa fugir para outras cidades ou países.

O êxodo obviamente tem feito com diversos projetos tenham sido cancelados na Ucrânia e uma empresa que preferiu seguir por este caminho foi a Sengi Games. Localizada perto da fronteira com Belarus, o estúdio vinha trabalhando num jogo de ação que seria lançado pela Team 17, o The Serpent Rogue. No entanto, de acordo com um funcionário identificado apenas como Alex, eles não voltarão à atividade até que todos estejam seguros, já que “obviamente é muito difícil fazer qualquer coisa quando o seu local de trabalho está destruído.

Segundo Alex, na manhã em que a Rússia entrou no território ucraniano, a primeira preocupação deles foi garantir que todos estivessem seguros. Depois o estúdio garantiu de antecipar o pagamento do mês antes que os bancos saíssem do ar. O próximo passo foi proteger os HDs com os arquivos usados na criação do jogo, para eles poderem dar continuidade ao projeto no futuro.

Até termos certeza de que fizemos tudo que podíamos para proteger nossos amigos, famílias e empregados, nós não podemos — e não devemos — sequer pensar sobre qualquer outra coisa,” afirmou o representante da Sengi Games.

The Serpent Rogue, um dos projetos afetados pela guerra na Ucrânia (Crédito: Divulgação/ Sengi Games)

Mas se remover os funcionários do país pode parecer a escolha óbvia para quem vê o problema de fora, a game designer Ilona Shvets afirma que isso não é tão simples. Para ela, “algumas pessoas simplesmente não querem partir — elas possuem família aqui [na Ucrânia], é a casas delas. Então muitas pessoas permanecem, fazendo barricadas e apenas rezando para nenhum foguete perdido atingir suas paredes ou janelas.

Obviamente, o cancelamento ou pausa no desenvolvimento de jogos neste momento é o menor dos problemas enfrentados por aqueles que ainda estão em solo ucraniano. Por isso, há aqueles que tem procurado ajudar sem ter que partir para o campo de batalha, como é o caso de Brandon Sheffield, fundador da Necrosoft Games. Após anunciar a intenção de criar um pacote de jogos que seria vendido para ajudar as organizações International Medical Corps e  Voices of Children, o game designer conseguiu reunir mais de 900 títulos e o desempenho inicial da campanha tem sido fantástico.

Visando arrecadar pelo menos US$ 4 milhões, o Bundle for Ukraine precisou de apenas algumas horas para ultrapassar a metade deste valor e se considerarmos que uma iniciativa parecida que buscava apoiar a justiça e igualdade racial passou de US$ 8 milhões, é possível acreditar que os ucranianos receberão uma boa quantia.

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