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A terapia de casais moderna de It Takes Two

It Takes Two é o mais recente jogo cooperativo de Josef Fares, que usa uma atmosfera lúdica para explorar o relacionamento entre as pessoas

3 anos atrás

It Takes Two é o segundo game do estúdio independente Hazelight Studios, do designer sueco de origem libanesa Josef Fares. Em seu primeiro título, Brothers: A Tale of Two Sons (este lançado pela Starbreeze Studios), ele explorava temas narrativos ligados à mecânica de cooperação, mas em que apenas um jogador tinha que controlar dois personagens de forma simultânea. Com A Way Out, ele mudou a mecânica ao exigir que dois jogadores agissem em conjunto, de modo a resolver puzzles e avançarem.

Em It Takes Two, essa jogabilidade foi mantida e refinada, mas ao invés de contar uma história de presidiários fugitivos ou de irmãos tentando salvar seu pai, Fares preferiu se focar em uma comédia romântica, o que faz do jogo uma curiosa terapia de casais digital.

It Takes Two (Crédito: Divulgação/Hazelight Studios/Electronic Arts)

It Takes Two (Crédito: Divulgação/Hazelight Studios/Electronic Arts)

Bonecos socialmente distantes

A história de It Takes Two é simples em sua proposta, e não é muito diferente da trama de filmes que normalmente são exibidos na Sessão da Tarde (o que é interessante, já que Fares também é diretor de cinema). May e Cody são um casal em que um não suporta mais olhar na cara do outro, e estão prestes a se divorciar. A filha deles, Rose, não aceita a separação e tenta encontrar um meio de que seus pais continuem juntos.

Através de uma reviravolta envolvendo mágica, May e Cody acabam presos dentro de bonecos que Rose criou baseados neles, e agora eles precisam agir em conjunto, sob a orientação do Dr. Hakim, um livro de autoajuda para casais em crise (que por sinal é mágico), para voltarem a ser humanos e reconquistar a confiança da sua filha. Mas isso, apenas se conseguirem salvar seu casamento, algo que nenhum dos dois está disposto a fazer.

Falando especificamente da mecânica, It Takes Two agora suporta co-op local além do online, diferente de A Way Out, onde só era possível jogar com outra pessoa pela internet. De qualquer forma, a tela continua dividida em ambos modos, para que ambos jogadores fiquem de olho na sua posição e na de seu parceiro(a), a fim de resolver os puzzles e desafios.

Seu ponto alto é a variedade enorme de jogabilidades, em seções que variam de plataforma a shoot 'em up, simulação de voo e navegação, luta, hack 'n slash e até mesmo um RPG com visão isométrica. Nesse sentido, o jogo é bastante farto em opções diferentes para os jogadores se divertirem.

Aos trancos e barrancos

Em tempos de isolamento social e distanciamento, jogos que estimulam a cooperação em ambientes menos agressivos, como os FPS, ou altamente competitivos, como MOBAs, vem sendo cada vez mais procurados por jogadores que desejam se conectar com amigos e pessoas queridas, os quais não têm contato direto desde o início da pandemia da COVID-19. It Takes Two vai nessa vibe, se afastando de histórias realistas e focando no lúdico.

It Takes Two (Crédito: Reprodução/Hazelight Studios/Electronic Arts)

It Takes Two (Crédito: Reprodução/Hazelight Studios/Electronic Arts)

Ao invés de abordar uma trama mais dramática, como a de A Way Out, Josef Fares optou por desfiar um roteiro fantástico, em mundos povoados por animais falantes, fusíveis conscientes, galáxias que cabem dentro de um quarto de criança e outras coisas, o que se espera da imaginação de uma criança ativa, como é Rose. Os desafios que May e Cody precisam resolver variam desde os ambientes reais, que refletem o estado emocional do casal, aos fantasiosos, nascidos da mente de sua filha.

Os protagonistas, encarnados pelos jogadores, enfatizam o clima de inimizade que cresceu entre eles quase que o tempo todo. May e Cody são um típico casal de jovens dos tempos atuais, com preocupações individuais que não conseguem conciliar com a vivência em conjunto, por inabilidade ou mesmo por puro egoísmo. Isso acaba causando efeitos negativos em Rose, que chega a se considerar o motivo dos pais brigarem tanto. Como acontece com muitas famílias da vida real.

O roteiro se desenrola como uma típica matinê, com os protagonistas forçados a superarem suas diferenças, e redescobrir os sentimentos que ainda nutrem um pelo outro, embora ajam com rancor e revanchismo durante o gameplay. Mesmo pílulas curtas, como um minigame de guerra na neve, ilustra como May e Cody mal conseguem se aturar, e usam esses eventos para descontar suas frustrações um no outro.

Vendo dessa forma, It Takes Two se apresenta como uma incomum ferramenta terapêutica para casais, embora não tenha sido desenvolvido dessa forma (até onde se sabe), e em certos pontos chega a ser controverso, ao passar a ideia de que casamentos disfuncionais, mesmo beirando a autodestruição, devem ser mantidos em prol da saúde psicológica dos filhos, o que nem sempre é uma receita de sucesso. Em alguns casos (na maioria?), isso só adia o desastre.

Claro que como já dito, a história tem um clima de Sessão da Tarde, com um toque lúdico que lembra as produções da Disney Pixar, com a óbvia referência a Toy Story gritando por todos os cantos. Por outro lado, It Takes Two falha ao não seguir uma regra importante em narrativa:

"Mostre, não conte"

It Takes Two (Crédito: Reprodução/Hazelight Studios/Electronic Arts)

It Takes Two (Crédito: Reprodução/Hazelight Studios/Electronic Arts)

Produções similares que usam de elementos lúdicos para entreter o espectador, como os filmes da Disney e Pixar, ou os do Studio Ghibli, dão grande valor à forma visual e a conceitos de roteiro que levem o público a ter uma ideia geral de uma situação, sem ter que apelar para personagens entregarem tudo de bandeja, ou setas indicando referências óbvias. Em It Takes Two, é exatamente isso que acontece.

O livro mágico Dr. Hakim, que atua como um conselheiro amoroso de May e Cody, é um NPC tão sutil quanto um paquiderme em uma loja de cristais. Várias vezes ele explicará de forma didática o que os jogadores estão vendo e enfrentando, ao invés de deixar para a imaginação dos mesmos preencherem as lacunas. A desculpa de jogo para uma audiência mais jovem não se sustenta, se olharmos de novo para o que os estúdios acima citados fazem.

Isso não quer dizer que a história de It Takes Two não seja interessante, apenas que ela é simples e por vezes previsível, mas dentro do que é proposto, funciona para amarrar as várias jogabilidades e entregar um jogo interessante, que pode ser apreciado por jovens e adultos, jogando como uma dupla. Só não espere por sutileza.

It Takes Two — Ficha Técnica

Pontos Fortes

  • História simples, mas que funciona;
  • Variedade de gêneros de jogo bem grande;
  • Co-op sem complicações, seja local ou online.

Ponto Fraco

  • Narrativa peca em trabalhar com sugestões visuais em alguns momentos.

O Meio Bit analisou It Takes Two com uma cópia digital cedida pela Electronic Arts.

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