Ronaldo Gogoni 3 anos atrás
O HoloLens é o headset de Realidade Aumentada da Microsoft, anunciado originalmente em 2015 e atualizado para a segunda geração em 2019, originalmente voltado para usos domésticos (incluindo games), educacionais e corporativos.
O tempo passou e a Microsoft mudou de ideia quanto ao produto, que nunca foi barato, focando principalmente em soluções corporativas e contratos de alto valor. E poucos possuem mais grana para queimar do que as Forças Armadas.
Originalmente, o HoloLens deveria ser um produto voltado para vários perfis de usuários, mas a Microsoft sempre morreu de medo de que acontecesse com o seu headset o mesmo que com o Google Glass, com um monte de usuários fazendo ruído e não agregando nada à plataforma. Pensando nisso, o acesso ao produto foi restrito para empresas e desenvolvedores com projetos que se mostrassem de agregadores, e só então, seriam permitidos pagar US$ 3 mil no acessório.
A versão Commercial Suite, que dispensava os projetos mas era igualmente restrita, custava US$ 5 mil. Tudo para afugentar curiosos e turistas de modo a não repetir o fiasco do Kinect, um acessório poderoso que desagradou os games mas fez a festa dos desenvolvedores, cientistas e entusiastas, por ser um sensor poderosíssimo vendido a preço de banana (US$ 149).
A segunda geração do HoloLens, apresentada durante a MWC 2019, representou uma mudança de foco no produto, ou melhor, um ajuste fino nas prioridades da Microsoft. O foco educacional foi afunilado, de modo a excluir tudo o que se assemelhasse a games, que foram completamente limados. A atenção se voltou principalmente para empresas, incluindo soluções para o chão de fábrica, como treinamento e capacitação de mão-de-obra.
O acesso continua restrito a projetos que a Microsoft julgue interessantes, mas o preço foi reajustado para US$ 3,5 mil, de modo a garantir que curiosos e estúdios de games independentes (e Epic Games tem uma versão da Unreal Engine, mas claro, não para jogos) fiquem bem longe do HoloLens.
Além de se concentrar em soluções de uso do HoloLens na indústria, mercado corporativo e em projetos educacionais, a Microsoft percebeu que o acessório era especializado o bastante para também ser empregado pelas Forças Armadas, rendendo assim uma boa grana.
O exército norueguês chegou a testar o Oculus Rift com pilotos de tanques, e sensores como os que fornecem visão noturna ou térmica, são equipamentos bem básicos. O desafio é integrar tudo e fazer direito, em um produto que um soldado possa usar de forma fácil.
Em 2018, a Microsoft assegurou um contrato de US$ 480 milhões com o Departamento de Defesa e o Exército dos Estados Unidos, para o desenvolvimento de uma plataforma exclusiva derivada do HoloLens 2, que fornece visão noturna e térmica, além de informações contextuais via Realidade Aumentada a um soldado em terra.
O projeto, de codinome IVAS (Integrated Visual Augmentation System, ou Sistema Integrado de Aumento Visual em português) foi fechado em caráter de OTA (Other Transaction Authority, ou Outras Autoridades Transacionais), que permite a autoridades militares, como o Exército, firmarem parcerias com empresas para o desenvolvimento conjunto de tecnologias militares.
Segundo a Microsoft, o IVAS foi desenvolvido para fornecer "consciência situacional aprimorada" de modo a "permitir o compartilhamento de informações" via Azure Cloud Services, e tomadas de decisão "em uma variedade de cenários", o que em tese pode incluir situações de combate.
Na ocasião, a Microsoft foi duramente criticada, inclusive por funcionários, por fechar um contrato militar, coisa que até o Google abriu mão após controvérsias. No entanto, o CEO Satya Nadella defendeu a parceria, alegando que a empresa não privaria suas tecnologias de "instituições que nós (o povo) elegemos em democracias, para proteger a liberdade de que nós gostamos".
Mesmo com todas as críticas, o IVAS seguiu em frente e evoluiu. A primeira versão foi bastante criticada por soldados durante os testes, por suas fracas capacidades em GPS e sensores fracos, e a bem da verdade, ele era puramente o HoloLens 2, sem nenhuma modificação relevante.
Hoje o IVAS não se parece em nada com o headset original da Microsoft, e conta com sensores e recursos bem mais precisos do que a versão voltada para empresas. Com isso, o Exército deu sinal verde para a expansão do projeto, fechando um contrato que prevê a entrega de 120 mil unidades do acessório em 10 anos, que poderá render US$ 21,88 bilhões à Redmond.
Como o acordo pode ser estendido por mais 5 anos duas vezes, esse valor pode ser excedido com folga. No anúncio oficial, o cientista brasileiro Alex Kipman, criador do HoloLens e Kinect, disse que o IVAS oferecerá mais segurança aos soldados, bem como os tornarão "mais eficientes", não tendo elaborado esta parte.
As críticas, dentro e fora da Microsoft, continuam. Segundo fontes, muitos funcionários seguem censurando a decisão de usar uma tecnologia, que a princípio foi desenvolvida para uso em salas de aula, como uma ferramenta de guerra, mas a verdade é que muitas das coisas que usamos hoje, incluindo a internet, teve origem militar.
De qualquer forma, a Microsoft assegurou um contrato efetivamente sem concorrência graças ao formato do OTA, e esta não é a única frente em que a gigante atua junto aos militares: em 2019, o contrato JEDI (Joint Enterprise Defense Infrastructuer) foi fechado com o Pentágono para fornecer o serviço Azure Cloud, avaliado em US$ 10 bilhões.
Este acordo, no entanto, está enrolado: a Amazon entrou com um processo na corte federal, dizendo ter sido preterida em um jogo de cartas marcadas. O então presidente dos EUA Donald Trump odeia a empresa e seu CEO Jeff Bezos, graças aos editoriais opocionistas do Washington Post e a concorrência da Amazon com o sistema nacional de correios.
Picuinhas à parte, o fato é que dificilmente a Microsoft reverá sua decisão de trabalhar com as Forças Armadas dos EUA, dada a grana forte que irá receber ao desenvolver produtos e serviços para as tropas.